0 SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUDO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO OTÁVIO LUIZ PINHEIRO ARANHA CURRÍCULOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO ESTADO DO PARÁ: conteúdos curriculares, concepções pedagógicas e modelos de profissionalidade Belém-PA 2011 1 OTÁVIO LUIZ PINHEIRO ARANHA CURRÍCULOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO ESTADO DO PARÁ: conteúdos curriculares, concepções pedagógicas e modelos de profissionalidade Dissertação submetida à apreciação da Banca Examinadora com vistas à obtenção do Título de Mestre em Educação, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará. Área de concentração: currículo e formação de professores. Orientador prof. Dr. Genylton Odilon Rêgo da Rocha. Belém-PA 2011 2 OTÁVIO LUIZ PINHEIRO ARANHA CURRÍCULOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO ESTADO DO PARÁ: conteúdos curriculares, concepções pedagógicas e modelos de profissionalidade Dissertação submetida à apreciação da Banca Examinadora com vistas à obtenção do Título de Mestre em Educação, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará. Área de concentração: currículo e formação de professores. Orientador: ______________________________________________________ Prof. Dr. Genylton Odilon Rego da Rocha (UFPA) 1º Examinador (a): ________________________________________________ Prof. Drª. Marta Genú Soares (UEPA) 2º Examinador (a): ________________________________________________ Prof. Drª. Josenilda Maria Maués (UFPA) 3º Examinador (a): ________________________________________________ Prof. Drª. Georgina Negrão Kalife Cordeiro (UFPA) AVALIADO EM: ___/___/___ CONCEITO:_______ 3 Àqueles e àquelas que tombaram na luta por uma sociedade sem opressão, injustiça e exploração. 4 AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Dona Maria Ofélia e Sr. Luiz Otávio Aranha pelo sacrifício em garantir a realização dos meus estudos, o que me permitiu alcançar vôos mais altos em minha vida. Sem a ajuda de vocês jamais teria chegado até aqui! Ao prof. Dr. Genylton Odilon Rêgo da Rocha que me aceitou enquanto orientando neste Programa. Além de sua primorosa tarefa enquanto orientador, agradeço a confiança depositada em mim, permitindo até mesmo adentrar em seu lar e beber de seu vinho. Às professoras Marta Genú, Josenilda Maués, Georgina Cordeiro e ao prof. Cláudio Lira, por suas contribuições e críticas a este trabalho em sua fase de qualificação e defesa, permitindo o engrandecimento deste. Aos amigos Adnelson, Eliane, Emerson, Erica, Marta e Rogério pelas “bebemorações”, lembrando que “nem só de política vive o homem”, em especial, a Anibal e Higson, onde tudo começou na mesa de um bar, naquela noite quente e úmida após mais uma aula de Educação Física Escolar. Ao “pê ponto” que permitiu alargar meus horizontes para mares que ainda hão de ser navegados por todos! Em especial a Angel, Dirce, Sil, Car e Raio do mundo que me oportunizaram exemplos de dedicação, coerência e garra em seu convívio. À Dami, que consentiu de minha ausência nesse período e suportou a maior de todas as paciências: a saudade da pessoa amada. Um dia haveremos de conquistar a felicidade plena com toda a humanidade, até lá “devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita: é bonita, é bonita e é bonita!”. À Secretaria Executiva de Educação do Estado do Pará, pela concessão da licença para a realização deste estudo. Em especial, ao professor João Batista da Silva, pela compreensão das ausências na escola nesse período. 5 Eu volterei e serei milhões! (Spartacus, 120 - 70 a.C.) 6 RESUMO O estudo se insere no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará, na linha de “Currículo e Formação de Professores”, como parte das produções do grupo de pesquisa “Includere”. Tem como objeto de estudo as propostas curriculares adotadas pelos cursos de formação de professores de Educação Física do Estado do Pará, de 2000 a 2010. Possui o seguinte problema: que concepções de Educação Física e modelos de profissionalidade docentes orientam os currículos prescritos adotados pelos cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará? Fundamenta-se metodologicamente no materialismo histórico e dialético, na pesquisa do tipo qualitativa e documental. Realiza análise de conteúdo (TRIVIÑOS, 1987; FRANCO, 2008) dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) de seis cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará. Discute questões teóricas e conceituais sobre currículo, seleção curricular, concepções pedagógicas da Educação Física, profissão, profissionalidade e proletarização docente ao longo das seções. Constata que as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Educação Física (DCNEF) adotam a concepção pedagógica da Aptidão Física e o modelo de profissionalidade técnico-racionalizante. Nos seis currículos de Educação Física investigados, observa que as concepções pedagógicas predominante são a Saúde Renovada e a Fenomenológica, com a presença da Desenvolvimentista, Competitivista e Crítico- Superadora, porém, estas se apresentam hibridizadas nos currículos. Identifica que o modelo de profissionalidade docente adotado nos cursos investigados é técnico- racionalizante, apesar do uso de terminologias progressistas e de contradições entre os textos dos PPP e a estrutura curricular. Conclui que os currículos investigados reproduzem as determinações gerais do capital no projeto de formação, porém que é possível resistir às normatizações oficiais, como demonstra o currículo do Curso de Educação Física da Universidade do Estado do Pará, ainda que este se apresente com limitações em relação ao projeto formativo almejado. PALAVRAS-CHAVE: Currículo. Educação Física. Formação de Professores. Concepções Pedagógicas. Profissionalidade Docente. 7 ABSTRACT The study is part of the Graduate Program in Education at the Federal University of Pará, in the line of "Curriculum and Teacher Training" as part of the productions of the research group "Includere." Its object of study the curriculum adopted by the proposed training courses for teachers of Physical Education of the State of Pará, from 2000 to 2010. It has the following problem: what conceptions of physical education teachers and models of professionalism guide the curriculum adopted by the prescribed graduate courses in Physical Education of the State of Para? It is based methodologically on the historical and dialectical materialism, in the qualitative study and documentary. Performs content analysis (Trivino, 1987, France, 2008) of the Political Pedagogical Project (PPP) of six graduate courses in Physical Education of the State of Pará Discusses theoretical and conceptual questions about curriculum, selection of curricula, pedagogical concepts of Physical Education, profession, proletarianization and teacher professionalism throughout the sections. Notes that the National Curriculum Guidelines for Undergraduate Courses in Physical Education (DCNEF) adopt the pedagogical concept of physical fitness model of professionalism and technical and rationalizing. In the six curricula studied Physical Education, notes that the predominant pedagogical conceptions are renewed health and Phenomenology in the presence of Developmental, Competitive and Critical- overcome, however, if they have hybridized in the curriculum. Identifies the model adopted in the teaching profession courses investigated was the technical and rationalizing, despite the progressive use of terminology and contradictions between the texts and curriculum structure of the PPP. Investigation concluded that curricula reproduce the overall determinations of capital formation in the project, but it is possible to resist the official norms, as evidenced by the curriculum of Physical Education Course at the University of Pará, although this presents with limitations on the formative project desired. KEYWORDS: Curriculum. Physical Education. Teacher Education. Pedagogical Conceptions. Teacher professionalism. 8 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Oferta de cursos de Educação Física no Estado do Pará 25 Quadro 2 – Competências e habilidades indicadas nas DCNEF 91 Quadro 3 – Conteúdos curriculares selecionados pelos CEDF do Estado do Pará 100 Quadro 4 – Síntese das concepções de Educação Física identificadas na década de 1980 126 Quadro 5 – Síntese das concepções pedagógicas não propositivas e propositivas não sistematizadas da Educação Física 147 Quadro 6 – Síntese das concepções pedagógicas propositivas sistematizadas da Educação Física 149 Quadro 7 – Disciplinas selecionadas nos CEDF para análise das concepções pedagógicas. 164 Quadro 8 – Concepções pedagógicas da Educação Física identificadas nos CEDF do Pará 176 Quadro 9 – Disciplinas selecionadas nos CEDF para análise dos modelos de profissionalidade docentes 217 9 LISTA DE SIGLAS ANDES Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação ANPAE Associação Nacional de Política e Administração em Educação ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação BID Banco Interamericano de Desenvolvimento BM Banco Mundial BTM Bases Teórico-Metodológicas CACEF Centro Acadêmico de Educação Física CBCE Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte CE Comunidade Européia CEDES Centro de Estudos Educação & Sociedade CEDF Curso de Educação Física CES Câmara de Educação Superior CEULS Centro Universitário Luterano Santarém CFE Conselho Federal de Educação CH Carga Horária CMH Ciência da Motricidade Humana CNE Conselho Nacional de Educação CNJ Conselho Nacional de Justiça CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação CP Conselho Pleno COESP Comissão de Especialistas COESP-EF Comissão de Especialistas da Educação Física CONCENO Congresso Norte Brasileiro de Ciências do Esporte CONDIESEF Coordenação Nacional de Diretores de Escolas Superiores de Educação Física CONEEF Conselho Nacional de Entidades de Educação Física CONFEF Conselho Federal de Educação Física CREF Conselho Regional de Educação Física CPT Comissão Pastoral da Terra 10 CUT Central Única dos Trabalhadores DCN Diretrizes Curriculares Nacionais DCNEF Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Educação Física DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos EF Educação Física ENEEF Encontro Nacional dos Estudantes de Educação Física ENEFD Escola nacional de Educação Física e Desporto ESAMAZ Escola Superior da Amazônia ESMAC Escola Superior Madre Celeste EUA Estados Unidos da América ExNEEF Executiva Nacional dos Estudantes de Educação Física FIEP Fédération Internationale d'Education Physique FMI Fundo Monetário Internacional FORUMDIR Fórum de Diretores das Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas do País GEPEFIC Grupo de Estudo e Pesquisa Educação Física e Cultura GEPEFTRA Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Física e Trabalho GTT Grupo de Trabalho Temático IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDESP Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Estado do Pará IES Instituições de Ensino Superior INEP Instituo Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IPLAC Instituto Pedagógico Latino-Americano e Caribenho LACOM Laboratório de Comportamento Motor LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LEPEL Linha de Estudo e Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer LIBRAS Língua Brasileira de Sinais ME Ministério do Esporte MEC Ministério da Educação 11 MEEF Movimento Estudantil de Educação Física MNCR Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física MH Motricidade Humana NUCORPO Núcleo de Estudos e Pesquisas em Corporeidade e Pedagogia do Movimento NuPAF Núcleo de Pesquisa em Atividade Física e Saúde OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico OEA Organização das Nações Unidas OMS Organização Mundial de Saúde ONU Organização das Nações Unidas OPAS Organização Pan-americana de Saúde PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PNE Plano Nacional de Educação PNEE Pessoas com Necessidades Educativas Especiais PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PPP Projeto Político Pedagógico PPGED Programa de Pós-Graduação em Educação PT Partido dos Trabalhadores RBCE Revista Brasileira de Ciências do Esporte SESu Secretaria de Educação Superior TIC Tecnologias de Informação e Comunicação UDESC Universidade Estadual de Santa Catarina UEL Universidade Estadual de Pelotas UEPA Universidade do Estado do Pará UFBA Universidade Federal da Bahia UFPA Universidade Federal do Pará UFPE Universidade Federal de Pernambuco UFMG Universidade federal de Minas Gerais UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UFSM Universidade de Santa Maria UGF Universidade Gama Filho ULBRA Universidade Luterana do Brasil 12 UNE União Nacional dos Estudantes UNESCO Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas UNESP Universidade Estadual de São Paulo UNICAMP Universidade de Campinas UNIMEP Universidade Metodista de Piracicaba USP Universidade de São Paulo TCC Trabalho de Conclusão de Curso 13 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 15 1.1 PROBLEMATIZANDO O OBJETO DE ESTUDO............................................ 28 2 DECIFRA-ME OU TE DEVORO: CURRÍCULO E SELEÇÃO CURRICULAR NOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO ESTADO DO PARÁ...................... 47 2.1 CURRÍCULO E SELEÇÃO CURRICULAR..................................................... 48 2.2 O QUE SÃO CONTEÚDOS CURRICULARES?............................................. 61 2.3 CONTEÚDOS CURRICULARES SELECIONADOS PARA OS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: O QUE PRESCREVE A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL EM VIGOR?........................................................................................................... 76 2.4 CONTEÚDOS CURRICULARES SELECIONADOS PELOS CURSOS DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA PARAENSE....................................... 97 3 A HIDRA DE CINCO CABEÇAS: AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA MANIFESTADAS NOS PROJETOS POLÍTICOS PEDAGÓGICOS DOS CURSOS DE LICENCIATURA PARAENSE................... 115 3.1 O DEBATE SOBRE CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO FÍSICA...................... 116 3.2 CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO FÍSICA PRESENTES NAS DCNEF........... 157 3.3 CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO FÍSICA PRESENTES NOS CONTEÚDOS CURRICULARES DAS INSTITUIÇÕES PARAENSES........................................ 163 4 O REINO DO CAOS E DA INCERTEZA: MODELOS DE PROFISSIONALIDADE DOCENTES NAS PROPOSTAS CURRICULARES DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO PARÁ.......... 184 4.1 PROFISSÃO, PROFISSIONALISMO, PROFISSIONALIDADE E PROLETARIZAÇÃO.............................................................................................. 185 4.2 MODELOS DE PROFISSIONALIDADE DOCENTES..................................... 204 4.3 MODELOS DE PROFISSIONALIDE PRESENTES NAS DCNEF.................. 211 4.4 MODELOS DE PROFISSIONALIDADE PRESENTES NOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARAENSE......................................................................... 215 14 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 231 REFERÊNCIAS .................................................................................................... 239 ANEXOS ............................................................................................................... 252 ANEXO A – MATRIZ CURRICULAR DO CEDF-UEPA ...................................... 253 ANEXO B – MATRIZ CURRICULAR DO CEDF-UFPA- BELÉM ........................ 255 ANEXO C – MATRIZ CURRICULAR DO CEDF-UFPA-CASTANHAL ............... 257 ANEXO D – MATRIZ CURRICULAR DO CEDF-ESAMAZ ................................. 259 ANEXO E – MATRIZ CURRICULAR DO CEDF-ESMAC .................................... 261 ANEXO F – MATRIZ CURRICULAR DO CEDF-CEULS-ULBRA ....................... 263 ANEXO G – PROPOSTA ALTERNATIVA DE DCNEF ELABORADO PELO GRUPO LEPEL-UFBA e MEEF............................................................................ 265 15 1 INTRODUÇÃO Nenhum homem realmente produtivo pensa como se estivesse escrevendo uma dissertação. Albert Einstein Como licenciado pleno em Educação Física, professor desta disciplina na Educação Básica e de um curso de formação de professores desta área de conhecimento em uma instituição de ensino superior, venho neste trabalho realizar um estudo sobre o tema “o currículo na formação de professores”. O meu interesse por esta temática inicia ainda na condição de discente de graduação no Curso de Educação Física da Universidade do Estado do Pará (CEDF-UEPA). A inserção em um curso superior de uma universidade pública trouxe várias expectativas no campo pessoal e familiar, a principal delas, foi a possibilidade de ascensão social e econômica via a educação. Tais expectativas advinham de uma condição familiar em que os processos de escolarização mais básicos haviam sido historicamente negados em decorrência da necessidade de sobrevivência pelo trabalho árduo e fisicamente desgastante1. Os primeiros anos do meu percurso formativo no curso de Educação Física foram bastante “problemáticos”, pois o lugar em que deveria se formar um professor com uma prática social consciente e crítica, balizada por conhecimentos científicos, filosóficos, técnicos e instrumentais da área, mostrou-se como um espaço de lazer e de práticas esportivas. No jargão discente da época, o curso de licenciatura de Educação Física não passava de um “grande clube”. Esta caracterização se materializava em disciplinas que não trabalhavam conteúdos sistematizados, não possuíam objetivos claros e delimitados, realizavam avaliações “de fachada” (apenas para constar nota em caderneta), ou seja, as disciplinas deixavam aos alunos a responsabilidade pelo próprio processo formativo. Havia ainda outras disciplinas, fundamentadas nas ciências biológicas, que se baseavam nos resquícios das concepções do tradicionalismo e militarismo da 1 Meus genitores sempre tiveram que trabalhar desde cedo, o que naquela época os impedia de frequentar a escola. Minha mãe somente conseguiu concluir o 2º grau após os seus cinquenta anos, em uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Meu pai desde a adolescência aprendeu a “bater massa”, mesmo tendo desempenhado vários ofícios durante a vida, o trabalho de pedreiro configurou-se como sua principal atividade laboral, o que o impediu de concluir o Ensino Fundamental até o presente momento. 16 Educação Física, utilizando métodos de imposição e autoritarismo em sua prática pedagógica. Esta estruturação curricular mais contribuía para a formação de um técnico ou instrutor desportivo do que para a formação de um professor engajado socialmente e consciente de sua ação docente2. Quando cursando o final do 2º ano do curso, estava em crise com o percurso realizado, pois já havia passado pela metade do currículo e continuava, em termos de conhecimentos, praticamente da mesma forma que havia entrado há dois anos. Resolvi então que deveria refazer algumas disciplinas, pois entendia à época que poderia absorver mais conteúdos se refizesse parte do currículo. Neste momento, percebi que a formação no curso superior de Educação Física deveria ser de minha inteira responsabilidade, ou seja, o aluno é o maior responsável por sua formação e as disciplinas curriculares pareciam pouco contribuir nesse processo. Estes fatos me despertaram muitos questionamentos sobre a questão curricular e o processo da formação de professores de Educação Física. Para conhecer melhor o assunto, acompanhei então o processo de reformulação do currículo que havia iniciado no ano de 1997 e que durou até 1999 com a elaboração de um novo Projeto Político-Pedagógico (PPP). Inicialmente, este novo currículo trouxe à comunidade acadêmica expectativas de mudanças e melhorias nas práticas pedagógicas dos professores. Todavia, como representante estudantil, percebi que nos anos seguintes à implementação do novo PPP, tais expectativas não foram atendidas. A confirmação desta negativa também se produzia pela minha própria vivência nesta nova organização curricular, pois constatava, de forma empírica, que a organização do trabalho pedagógico dos professores e o trato com os conteúdos curriculares se mantinham em patamares semelhantes àqueles anteriores à reformulação. Paralelamente, adentrei nas discussões e polêmicas nacionais sobre esse tema, participei de encontros nacionais estudantis da área, a partir dos quais me engajei nas formas de organização do Movimento Estudantil de Educação Física (MEEF) e em seus fóruns deliberativos3. Participei de seminários, congressos e vários eventos que pautavam o currículo da formação de professores e a concepção 2 Obviamente, com algumas raras exceções, como foi o caso da disciplina “Ginástica Escolar” ministrada pela profª. Carmem Lilia Cunha Faro, que me trouxe muitos elementos que “despertaram” um entendimento mais crítico e criativo da Educação Física. 3 Alguns desses fóruns são: Centro Acadêmico de Educação Física (CACEF), Executiva Nacional dos Estudantes de Educação Física (ExNEEF), Conselho Nacional de Entidades de Educação Física (CONEEF) e Encontro Nacional de Estudantes de Educação Física (ENEEF). 17 de Educação Física que deveria balizar esta formação. Acompanhei o processo de discussão e polêmicas envolvendo a formulação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) da Educação Física em suas diferentes versões4. Em 2005, ao cursar uma pós-graduação lato sensu em Educação Física Escolar, promovida pela mesma instituição, observei, de forma mais sistemática, as mesmas limitações na organização do trabalho pedagógico e no trato dos conteúdos curriculares pelos docentes. Com a formação de um grupo de estudos5, realizei maiores aprofundamentos teóricos sobre a categoria “organização do trabalho pedagógico”. Com as limitações de uma monografia de especialização, concluí um trabalho bibliográfico a respeito da centralidade da categoria trabalho no campo da Educação e da Educação Física. Em 2006, o CEDF-UEPA passou por uma nova reestruturação curricular, em que a elaboração de outro PPP se fez necessária frente à superação das limitações do projeto ora em vigor e também em decorrência das novas exigências da legislação educacional. No entanto, mesmo decorrido um ano de vigência deste projeto, alguns relatos informais dos sujeitos que vivenciam esse novo currículo demonstram que ainda não houve mudanças significativas em sua estrutura. Para realizar um estudo com maior rigorosidade científica, submeti o projeto de pesquisa intitulado “A organização do trabalho pedagógico na formação de professores do CEDF-UEPA: rupturas e continuidades com o novo projeto político- pedagógico” à linha de Currículo e Formação de Professores do curso de mestrado acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará (PPGED-UFPA), no qual me propunha a debater inicialmente o tema “organização do trabalho pedagógico”. As considerações dos professores do mestrado, os debates iniciais nas disciplinas acadêmicas, as reuniões do grupo “Includere”6 e, principalmente, as 4 Houve três versões de projetos de DCN para os cursos de graduação em Educação Física que serão melhor explicadas e discutidas na sessão seguinte. 5 Trata-se do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Física e Trabalho (GEPEFTRA), grupo não institucionalizado no âmbito da UEPA, que durou aproximadamente doze meses e possuía como objeto de estudos a relação da categoria trabalho com a Educação Física, o que se manifestava, dentre outras formas, na organização do trabalho pedagógico do professor. 6 O Includere – Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Currículo e Formação de Professores na Perspectiva da Inclusão – é um grupo de pesquisa da linha de Currículo e Formação de Professores do PPGED-UFPA, do qual faço parte. É constituído por mestrandos e doutorandos do programa, sob a coordenação do prof. Dr. Genylton Odilon Rêgo da Rocha. O grupo mantém atividades de ensino, pesquisa e extensão sobre temáticas relacionadas ao currículo e à formação de professores na perspectiva da educação inclusiva. 18 orientações acadêmicas, ajudaram a delimitar de maneira mais precisa o projeto inicial, de forma que este sofreu modificações, adequações e recortes até ser redirecionado para o tema atual “o currículo na formação de professores”. Ao discorrer sobre o tema em questão, parto de como está organizado o modo de produção social no qual vivem os seres humanos e como este determina a vida em sociedade. Modo de produção é uma categoria utilizada por Karl Marx, que explicita as bases da existência da produção e reprodução da vida humana. Segundo este autor: Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral (MARX, 1983, p. 24). O modo de produção capitalista imperialista7 no qual todos vivem desde o início do século passado, possui como finalidade última a produção de mercadorias em escala global para dois únicos objetivos: gerar lucros e gerar lucros cada vez maiores. Esta lógica fundamenta o conjunto da vida social em geral, ou seja, media as instituições, o pensamento político e intelectual, as crenças, o modo de vida, o senso comum, a moral, etc. de toda a sociedade. Tal forma de organização social se materializa na concentração de grandes quantidades de riquezas à custa da exploração, da alienação, da miséria, do desemprego, da pobreza e de várias outras mazelas sociais que afligem a maioria da humanidade, sem contar a degradação irreversível da natureza. Sobre esta contradição Marx explica que: 7 Utilizo o conceito de Imperialismo desenvolvido por Lenine (2000), que levanta cinco características fundamentais deste fenômeno: a) formação de monopólios pela concentração da produção e de capital; b) criação do capital financeiro a partir da fusão do capital industrial com o capital bancário; c) exportação de capitais, diferentemente de exportação de mercadorias; d) formação de associações internacionais de capitalistas monopolistas que dividem o mundo entre si e; e) partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas. De acordo com o mesmo autor, estes elementos surgem ainda no final do século XIX e se desenvolvem no início do século XX até serem consolidados na guerra mundial de 1914. 19 Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave. Surge então uma época de revolução social. (MARX, 1983, p. 24-25, grifo nosso). A incoerência objetiva entre as forças produtivas (o homem, a natureza e a tecnologia) e as relações de produção (as relações entre os homens para produzir), neste dado contexto histórico que vivemos, permite contradições maiores em nível de consciência, ideias e ações humanas. Tais contradições possibilitam transformações revolucionárias na sociedade, ou seja, as determinações últimas da história humana passam a depender da ação concreta dos próprios homens e mulheres, tenham eles consciência ou não desse seu fazer histórico. Por um lado, as forças econômicas, políticas e ideológicas do capital se organizam e se reestruturam para manter a ordem de sua reprodução sociometabólica (MÉSZÁROS, 2002); por outro, os movimentos sociais, sindicais, de opressões, da juventude e de intelectuais comprometidos lutam para conseguir condições melhores de vida e subsistência e, neste confronto, constroem suas próprias ideias e teorias. É nesta tessitura política, econômica e social, que pode ser chamada de luta de classes, que se insere o debate sobre currículo na formação de professores. É consenso em vários autores (HADDAD, 2008; CHAVES, 2008; MAUÉS, 2003; MELO, 2004; ROCHA, 2001; FRIGOTTO, 2001) que organismos internacionais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Comunidade Européia (CE), a Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (UNESCO), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e, principalmente, o Banco Mundial (BM), têm cumprido papel de destaque na elaboração de políticas de reformas educacionais para os países da América Latina, Ásia e África. 20 Estas políticas de reformas ou contrarreformas são cunhadas sobre o receituário neoliberal8, em que, no caso da educação, deixa-se de investir com financiamento público e abre-se um disputado mercado para o capital privado que, além de obter altos lucros com a promessa de empregabilidade em um mundo de desemprego, passa a gerenciar, controlar e determinar diretamente os rumos da educação de uma nação. No Brasil, a reforma educacional implementada a partir da década de 1990 esteve balizada por estas políticas que se coadunam harmonicamente com os interesses internacionais. As demandas advindas do mundo do trabalho capitalista, principalmente após o processo chamado reestruturação produtiva do capital (ANTUNES, 2000), objetivavam a formação de um novo tipo de trabalhador e a uma nova sociabilidade do capital. Como parte da reforma educacional, as reformas curriculares se estabeleceram no mesmo sentido: adequar o currículo e a escolarização em geral às novas demandas do capital. O professor Genylton Rocha assim explica: Essas reformas inserem-se em um processo cujas características permitem afirmar estar ocorrendo uma colonização da educação e, mais especificamente, do currículo, pelos imperativos da economia. Esse processo de colonização tem sido responsável pela submissão da educação, do currículo e, em conseqüência, de todo o sistema de ensino às regras do mercado. (ROCHA, 2001, p. 22). A (re) colonização do currículo e da educação brasileira, mencionada pelo autor, pode ser interpretada como uma das expressões da crise estrutural do modo 8 De acordo com Anderson (1995), neoliberalismo é um movimento político e ideológico do capitalismo, reacionário ao Estado de Bem-Estar Social. Intelectuais como Friedrich Hayek, Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von Mises, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polany, Salvador de Madariaga, entre outros, compunham esse movimento que se fortaleceu após a crise econômica do pós-guerra na década de 1970. A Inglaterra, no governo de Margareth Thatcher (1979-1990), foi o primeiro país desenvolvido em que a política econômica neoliberal foi aplicada, o que foi seguido pelos Estados Unidos, com o governo de Ronald Reagan (1981-1989), e pela Alemanha de Helmut Kohl (1982-1998). Apesar de algumas diferenças particulares em cada país, o receituário neoliberal é caracterizado por manter um Estado forte, mas sem intervenção no mercado; realizar cortes de gastos sociais, incluindo serviços públicos essenciais; promover a privatização de estatais e serviços públicos; realizar reformas fiscais para desonerar grandes empresas e manter o controle inflacionário; isolar o sindicalismo independente e combativo; e realizar modificações na legislação para retirar direitos sociais e trabalhistas históricos. O objetivo último da política neoliberal é retomar o crescimento da taxa de lucro no mundo. Para além de ajustes econômicos e políticos, concordo também com Silva (2001, p. 13), quando este amplia o entendimento de neoliberalismo para as esferas sociais, culturais, educativas e pessoais, “no qual complexos e eficazes mecanismos de significação e representação são utilizados para criar e recriar um clima favorável à visão social e política liberal”. 21 de produção capitalista9. Esta subordinação das necessidades curriculares e educativas brasileiras às orientações advindas de instituições multilaterais a serviço do mercado só pode ser explicada pela existência de um imperialismo que se pretende hegemônico também no campo cultural. Neste sentido, enquanto Melo (2004) chama atenção para a existência de um projeto de mundialização da educação, Apple (2008) esclarece sobre a conformação de uma política do conhecimento oficial. Essa se traduz no Brasil em políticas curriculares, tais como a implementação de Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para todos os níveis de ensino. Entretanto, se por um lado, há em curso uma política curricular oficial, hegemônica e definidora de um determinado projeto de sociedade e de escolarização já pré-estabelecido mundialmente; ressalto que, por outro lado, existem possibilidades de confrontos, embates e disputas nas definições desses projetos societais, educativos e curriculares nas instituições de ensino. É nesse sentido que ganha importância o debate sobre o currículo da formação de professores. Nas últimas décadas vários organismos, movimentos e instituições científicas, tais como a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação (ANFOPE), o Fórum de Diretores das Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas do País (FORUMDIR), a Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), a Associação Nacional de Política e Administração em Educação (ANPAE), o Centro de Estudos Educação & Sociedade (CEDES), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES), o Fórum Nacional 9 Expressão cunhada por Mészáros (2002), que expressa as consequências destrutivas do capitalismo como uma “normalidade” do sistema. Taffarel (2005), por sua vez, apresenta 15 indicadores que materializam a crise estrutural do capitalismo no mundo, dentre eles a existência de conflitos bélicos, o desemprego estrutural, a degradação irreversível da natureza, o endividamento externo, a miséria crescente, a perda de conquistas e direitos trabalhistas, as privatizações de estatais, etc. Na minha avaliação, este quadro somente piorou nos últimos cinco anos. Tal fato é constatável na crise econômica mundial que se expressou inicialmente no setor imobiliário dos EUA, em fins de 2008, quando uma crise cíclica de superprodução causou a quase falência de vários bancos e multinacionais (como a Ford, a GM e a Crysler), que somente não decretaram concordata pela intervenção governamental, contrariando os preceitos neoliberais tão defendidos nas duas últimas décadas. Ainda assim, a “doação” dos Estados às empresas e bancos privados causou um déficit público que, nesse exato momento (fins de 2010), eclode na Europa por meio de mobilizações operárias, estudantis e greves gerais em vários países deste continente. Os dados da economia e a recente “guerra fiscal” entre as Nações, levam-me a crer que novos capítulos da novela “crise econômica mundial” deverão se manifestar em breve, assim como novos enfrentamentos de ruas e insurreições operárias e populares. 22 em Defesa da Formação de Professores, têm se organizado no sentido de resistir a esses projetos neoliberais e de assinalar alternativas de políticas educacionais, curriculares e de formação de professores. Não cabe ainda nesse espaço discutir essas alternativas no campo da organização dos trabalhadores. Porém, é necessário pontuar que essas resistências e embates se materializam no currículo da formação de professores. Neste sentido, este tema de pesquisa tem sido um campo de disputa das duas principais classes que lutam na sociedade. Assim, ao discorrer sobre o tema “currículo da formação de professores”, o faço a partir de um interesse de classe e na perspectiva da defesa de um dado projeto histórico de sociedade, no caso, a possibilidade histórica do socialismo como uma sociedade de transição rumo à emancipação plena da humanidade. Para os “céticos”, deixo claro que a sustentação desse projeto junto a esta investigação científica não se estabelece por uma opção dogmática, mas pela necessidade de explicitar, sem ambiguidades ou ecletismos, a opção de confrontar os interesses do capital no currículo da formação de professores, tendo em vista uma perspectiva revolucionária de sociedade. É neste contexto que se insere o objeto de estudo desta pesquisa - as propostas curriculares adotadas pelos cursos de Formação de Professores de Educação Física do Estado do Pará, implantadas na década de 2000. O Estado do Pará é o segundo maior Estado do país. Situado na região Norte, possui uma extensão territorial de 1.247.950,003 quilômetros quadrados (equivalente próximo a 16% do território nacional). Compõe a bacia amazônica com 143 municípios, sendo o Estado mais populoso da região, com 7.578.078 habitantes (IBGE, 2010). Sua principal atividade econômica é a agropecuária, juntamente com o extrativismo mineral (ferro, bauxita, calcário, manganês, ouro, estanho e alumínio) e vegetal (madeira), além da indústria, do comércio e do setor de serviços (PARÁ, 2010). O cenário de enormes contradições nesse Estado se insere no contexto maior da situação econômica e social brasileira. No campo, encontra-se uma grande concentração de terras por uma minoria de latifundiários, enquanto um contingente de camponeses sem-terras e de trabalhadores escravos vivem na miséria. Na região metropolitana da capital paraense, que concentra pouco mais de dois milhões de habitantes, a população está distribuída entre bairros pobres de periferia, sem o 23 básico de saneamento, água e esgoto, e bairros nobres com edifícios luxuosos e milionários. Estas contradições destacam o Pará na realidade nacional em vários indicadores negativos, tais como miséria10, trabalho escravo11, trabalho infantil12, conflitos agrários13 e desmatamento14, para ficar em alguns exemplos, apesar de ser um dos Estados mais ricos em minério de valor do mundo15. A situação da educação também pode ser considerada alarmante. A taxa de analfabetismo alcança 12,2% da população com idade igual ou superior a 15 anos de idade e 26,7% da população da mesma faixa etária é considerada analfabeta funcional (IBGE, 2010). O Estado possui um dos piores desempenhos observados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)16. O valor da hora-aula 10 Segundo o Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Estado do Pará (IDESP), autarquia vinculada ao Governo do Estado, em pesquisa divulgada em março de 2010, o Pará possui mais de dois milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza (2.177.528), equivalente a 29,5% da população do Estado. O estudo considera abaixo da linha de pobreza a renda média domiciliar per capita abaixo de R$158,00 mensais. (IDESP, 2010). 11 De acordo com Araújo (2004), cerca de 30 mil pessoas estão submetidas a trabalho escravo no país e 70% deste montante estão concentrados no Estado do Pará, sendo as maiores recorrências nos municípios de São Félix do Xingu e Santana do Araguaia. Segundo o pesquisador, a “[...] retenção de salários, a violência física e moral, a fraude, o aliciamento, o sistema de acumulação de dívidas (principal instrumento de aprisionamento do trabalhador), as jornadas de trabalho longas, a supressão da liberdade de ir e vir, o não-fornecimento de equipamentos de proteção, a inexistência de atendimento médico, a situação de adoecimento, o fornecimento de água e alimentação inadequadas para consumo humano, entre outros, são elementos associados ao trabalho escravo contemporâneo” (ARAÚJO, 2004, p. 1). 12 Segundo matéria divulgada no jornal “O Liberal”, de 25 de setembro de 2008, baseado em pesquisas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e do IBGE, o Estado do Pará registra um dos maiores índices de trabalho infantil no Norte do país, com 49,82% de crianças e adolescentes ocupados, o que representa 368.597 meninos e meninas entre 5 e 17 anos atuando em atividades, algumas de risco e a maioria (cerca de 62%) sem remuneração (MONTEIRO, 2008). 13 Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2009, foram registrados 854 casos de conflitos por terra em todo o Brasil, sendo 160 somente no Estado do Pará. O mesmo estudo indica que dos 25 assassinatos ocorridos por conflitos no campo no país, o Estado do Pará contribuiu com 8 assassinatos (CPT, 2011). 14 Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em informações divulgado no Portal Terra, em 09 de agosto de 2010, o Pará foi o Estado que mais desmatou em junho de 2010, com 160,6 km2 de área verde destruída. 15 Nas décadas de 1970-80, a extração de ouro ficou famosa na região pelas grandes minas a céu aberto de Serra Pelada. Atualmente, as terras paraenses servem de escoação de recursos naturais como ferro, alumínio, bauxita e caulim às maiores mineradoras do mundo, como a Alunorte, Albrás, Vale do Rio Doce, Anglo American e outras. De acordo com a CPT, o Pará é o segundo maior exportador de minérios do país, responsável por 100% de extração de caulim e 80% de bauxita do Brasil. 16 O IDEB foi criado pelo Governo Federal, em 2007, para “[...] medir a qualidade de cada escola e de cada rede de ensino. O indicador é calculado com base no desempenho do estudante em avaliações do Inep e em taxas de aprovação. Assim, para que o IDEB de uma escola ou rede cresça é preciso que o aluno aprenda, não repita o ano e frequente a sala de aula.” (BRASIL, 2009). Segundo ainda informações disponíveis no site do IDEB, o Estado do Pará registra o pior índice da Região Norte e um dos piores observados em nível de Brasil. 24 de um professor iniciante da educação básica é a mais baixa do país (R$ 5,13). Também é o Estado onde os professores mais trabalham17 (50 horas semanais, sendo 10 horas destinadas a atividades fora da sala de aula). Tal descaso com a educação explica as constantes greves dos professores da rede pública estadual por melhores salários, condições de trabalho e pela defesa da educação pública, gratuita e de qualidade. A relevância social deste estudo se encontra na possibilidade de contribuir para o desenvolvimento educacional e crítico desta região quase “esquecida do mundo” e permeada por fortes contradições que expressam tanto a realidade nacional quanto situações particulares do contexto histórico, social e cultural desta localidade. Tal investida possibilita repensar a situação das propostas curriculares adotadas pelos cursos de formação de professores de Educação Física no Estado do Pará. Como pesquisador, meu compromisso teleológico é com os setores mais explorados, oprimidos e marginalizados da sociedade, setores que se encontram em geral excluídos dos níveis de escolarização mais básicos da educação formal que dirá de uma formação superior. Assim, meu objetivo social é contribuir para a construção de uma formação humana, omnilateral e emancipadora, a partir do trato com o conhecimento da Educação Física na formação de professores e de sua organização curricular, razão pela qual lanço meu olhar sobre os cursos de licenciatura em Educação Física existentes em território paraense. No presente momento, de acordo com o sítio eletrônico do Ministério da Educação (MEC), existem cinco Instituições de Ensino Superior (IES) que ofertam cursos18 de licenciatura em Educação Física no Estado, sendo duas públicas e três privadas: a Universidade do Estado do Pará (UEPA), a Universidade Federal do Pará (UFPA), a Escola Superior da Amazônia (ESAMAZ), a Escola Superior Madre Celeste (ESMAC) e o Centro Universitário Luterano Santarém – Universidade Luterana do Brasil (CEULS-ULBRA). 17 Segundo levantamento realizado pelo jornal “O Liberal”, de 02 de maio de 2010, considerando dados fornecidos por 22 Secretarias Estaduais de Ensino, do piso salarial de R$ 1.026,00 e da jornada de trabalho mensal de 200 horas-aula no Estado (VILARINS e RABELO, 2010). 18 Esses cursos e suas respectivas instituições estão autorizados a funcionar pelo MEC no Estado do Pará. Porém, sabe-se da existência de outro curso de Educação Física sendo ofertado na cidade de Rio Maria, no interior paraense. Como este não está disponível no portal eletrônico do MEC, pelo menos até ano de 2010, não o levarei em consideração como fonte nesta pesquisa. 25 Estas instituições ofertam cursos de Educação Física em sete municípios paraenses: Altamira, Ananindeua, Belém, Castanhal, Conceição do Araguaia, Santarém e Tucuruí. O quadro 1 abaixo indica o caráter, o tipo dessas instituições e os municípios em que são ofertados os cursos de licenciatura em Educação Física no Estado do Pará: Quadro 1 – Oferta de cursos de Educação Física no Estado do Pará. CARÁTER TIPO SIGLA LOCAL Públicas Universidade UFPA Belém Castanhal UEPA Altamira Belém Conceição do Araguaia Santarém Tucuruí Privadas Escola Superior ESMAC Ananindeua ESAMAZ Belém Centro Universitário CEULS-ULBRA Santarém Fonte: elaborado pelo autor a partir do portal eletrônico do MEC. Investigar as propostas curriculares destas instituições formativas é problematizar questões pertinentes a situação educacional do Estado do Pará, particularmente, das agências que estão formando professores de Educação Física no Estado. A Educação Física é parte do projeto de escolarização para as massas. Compreender as propostas curriculares que estão formando esses professores na atualidade contribui para o entendimento do projeto educativo que se pretende para crianças, jovens e adultos deste Estado. As propostas curriculares vigentes atualmente nos cursos de licenciatura em Educação Física são recentes tanto no cenário nacional quanto na própria realidade estadual paraense. Em conjunto, estas propostas foram implementadas ao longo da década de 2000. Assim, o contexto temporal das proposições curriculares adotadas pelas instituições, para objeto desta investigação, está delimitado da seguinte maneira: currículo do Curso de Educação Física da UFPA, Campus Castanhal 26 (CEDF-UFPA-Castanhal), em vigor desde 2000; do Curso de Educação Física da UFPA, Campus Belém (CEDF-UFPA-Belém)19, adotado desde 2006; do Curso de Educação Física da ESMAC (CEDF-ESMAC), da ESAMAZ (CEDF-ESAMAZ) e da CEULS-ULBRA (CEDF-CEULS-ULBRA), implementados desde 2007, e; do curso de Educação Física da UEPA (CEDF-UEPA) que está em vigor desde 2008. Neste sentido, uma importante relevância para a investigação do objeto delimitado está na atualidade das propostas curriculares adotadas, o que possibilita debater a conjuntura econômica, política e social vigente na qual estes currículos estão inseridos; as orientações, normatizações e determinações legais postas recentemente para a formação de professores de Educação Física; e as tendências e projeções para os futuros professores de Educação Física do Estado do Pará que estão se formando e que se formarão com base nos currículos atuais prescritos por estas IES. Nestas instituições, os currículos do CEDF-UFPA-Belém, CEDF-UEPA e CEDF-ESMAC, adotados recentemente, já passaram por processos investigativos. O currículo do CEDF-UFPA-Belém foi pesquisado por Mesquita (2007), que problematizou questões concernentes à situação dos PPP das licenciaturas da UFPA20, frente à discussão da educação inclusiva e das Pessoas com Necessidades Educativas Especiais (PNEE), contudo, a pesquisa não se deteve em elementos específicos da Educação Física, em função da delimitação de seu objeto. O CEDF-UEPA, em sua proposta curricular atual, foi investigado por Aguiar (2009) que analisou o processo de reformulação do PPP. A autora questionou se esse projeto pedagógico possibilitou perspectivas emancipatórias e democráticas ou se limitou a questões meramente regulatórias. A pesquisadora inquiriu sobre os sujeitos que construíram a reformulação curricular, preocupando-se em discutir e evidenciar os conflitos, os diálogos e as opiniões destes sujeitos no processo, não se adentrando, portanto, no produto da reformulação, ou seja, no currículo programado como síntese de conflitos e consensos de grupos com interesses distintos na instituição. 19 O CEDF-UFPA está sendo diferenciado em seus campi Belém e Castanhal, em função da organização interna da universidade, que trata estes campi como duas instituições (faculdades) autônomas com projetos curriculares distintos, diferentemente do CEDF-UEPA, em que a proposta curricular adotada pela instituição é a mesma para todos os seus cinco campi. 20 A pesquisadora analisou, além do PPP do CEDF-UFPA, outros seis projetos curriculares de licenciaturas, a saber: Matemática, Biologia, Geografia, Letras, História e Química. 27 Brito Neto (2009) analisou os PPP de três Cursos de Educação Física da cidade de Belém (um federal, um estadual e outro privado), inferidos como o CEDF- UFPA-Belém, o CEDF-UEPA e o CEDF-ESMAC. O autor se propõe a identificar e submeter à crítica os parâmetros indicativos à concepção de Educação Física, de formação e de perfil acadêmico-profissional contidos nos PPP e, também, a verificar as contradições destes parâmetros com as normatizações oficiais vigentes. Uma lacuna observada nestas pesquisas sobre currículos de formação de professores de Educação Física está na ausência de questões referentes à organização curricular e aos conteúdos curriculares selecionados em cada projeto formativo institucional. José Augusto Pacheco, um especialista de renome no campo do currículo, esclarece que os conteúdos (assim como os valores/atitudes e experiências) compõem um dos elementos centrais do currículo, pois envolve os conhecimentos privilegiados que estão representados em um determinado contexto social, cultural, econômico, político e também ideológico (PACHECO, 2005). Outra referência internacional em currículo, Gimeno Sacristán, defende que os conteúdos curriculares são um dos problemas centrais a ser discutido e investigado na educação, pois estão diretamente relacionados aos mecanismos de distribuição social do conhecimento, portanto, a mecanismos de relações de poder dentro da sociedade. Segundo o autor, [...] a importância da análise do currículo, tanto de seus conteúdos como de suas formas, é básica para entender a missão da instituição escolar em seus diferentes níveis e modalidades. As funções que o currículo cumpre como expressão do projeto de cultura e socialização são realizadas através de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que cria em torno de si. (SACRISTÁN, 2000, p. 16, grifo nosso). Por fim, Michael Apple, que traz importantes contribuições para entender as relações de poder que existem no interior do currículo e das relações educativas de maneira geral, problematiza as seguintes questões: 28 É importante questionar dois aspectos do currículo. O primeiro diz respeito ao próprio conteúdo. Qual é esse conteúdo? E de forma igualmente importante: o que não faz parte desse conteúdo? Nas palavras de Macherey, questionamos, assim, os silêncios de um texto para descobrir quais os interesses ideológicos em funcionamento. [...] O segundo aspecto a ser examinado é a forma. De que modo o conteúdo, a cultura formal, é reunida? O que está ocorrendo ao nível da própria organização do conhecimento? (APPLE, 1989, p. 46). Nesse sentido, a opção pela investigação das propostas curriculares atuais adotadas pelos cursos de formação de professores de Educação Física do Estado do Pará torna-se relevante por explorar questões não abordadas em pesquisas anteriores (MESQUITA, 2007; AGUIAR, 2009; BRITO NETO, 2009), tais como as questões anunciadas acima por Michael Apple, fazendo avançar assim o conhecimento científico e a crítica social ao objeto delimitado nessa pesquisa. Após a exposição dos motivos pessoais, científicos e sociais que me levaram ao delineamento das opções em torno deste objeto de estudo, apresento a seguir os elementos que problematizam sua investigação, tomando como referência os elementos históricos e evidenciando os conflitos presentes tanto na Educação Física quanto nas determinações do currículo na formação de professores desta área de conhecimento. 1.1 PROBLEMATIZANDO O OBJETO DE ESTUDO O debate sobre concepção de Educação Física teve uma grande importância na década de 1980. A crítica, o questionamento e a denúncia a uma Educação Física alienante, apolítica, a-histórica, com base no biologicismo, no tecnicismo, na ciência positivista e na suposta “neutralidade” pedagógica, foram a tônica na literatura da área neste período histórico. Autores21 como Vitor Marinho de Oliveira, João Paulo Medina, Kátia Brandão Cavalcante, Apolônio Abadio do Carmo, Reiner Hildebrandt e Ralf Laging, Paulo 21 Desses autores, refiro-me às seguintes obras: OLIVEIRA, V. M. “O que é Educação Física?” (publicada pela primeira vez, em 1983); MEDINA, J. P. “A Educação Física cuida do corpo... e “mente” (publicada em 1983); CAVALCANTE, K. B. “Esporte para Todos: um discurso ideológico” (publicada em 1984); CARMO, A. A. “Educação Física: competência técnica e compromisso político em busca de um movimento simétrico” (publicada em 1985); TAFFAREL, C. N. Z. “Criatividade nas aulas de Educação Física” (publicada em 1985); HILDEBRANDT, R. e LAGING. R. “Concepções abertas no ensino da Educação Física” (publicada em 1986); GUIRALDELLI JÚNIOR, P. “Educação Física Progressista: a pedagogia crítico-social dos conteúdos e a Educação Física brasileira” (publicada em 1987); CASTELLANI FILHO, L. “Educação Física no Brasil: a história que não se conta” (publicada em 1988). 29 Guiraldelli Júnior, Celi Nelza Zülke Taffarel, Lino Castellani Filho e outros são reconhecidos como os clássicos da Educação Física e identificados com o chamado “Movimento Renovador da Educação Física” (COLETIVO DE AUTORES, 1992) por suas contribuições na área, permeadas por concepções baseadas em aportes filosóficos do humanismo, do marxismo e de uma visão mais crítica da sociedade e da educação. Este afloramento crítico da Educação Física esteve relacionado ao contexto social e político de um momento histórico específico. O fim da ditadura militar brasileira e as concessões democráticas do regime detonadas pelas massivas manifestações das “diretas já” e pela reorganização do movimento sindical, operário e estudantil brasileiro, foram fundamentais para o ressurgimento do pensamento educacional crítico, incluído aí o pensamento renovador da Educação Física. Em fins de 1980 até meados da década de 1990, o debate em torno das concepções de Educação Física supera o tom apenas de denúncia e passa ao plano de proposições pedagógicas concretas de tendências teórico-metodológicas. Assim, consolidam-se três concepções que materializam formas de organizar o trabalho pedagógico e tratar o conhecimento da Educação Física: a proposta “Crítico- emancipatória” de Elenor Kunz (1991 e 1994); a “Crítico-superadora” sistematizada pelo Coletivo de Autores (1992) e; a proposta da “Aptidão Física ou Saúde Renovada” de Guedes e Guedes (1995) e Nahas (1991). Além destas, outras concepções também se fazem presentes nas categorizações da literatura da Educação Física (DARIDO, 1998; CASTELLANI FILHO, 1999; AZEVEDO e SHIGUNOV, 2001; PALAFOX e NAZARI, 2007) que contribuíram para a consolidação deste campo acadêmico, a saber: Psicomotricidade (Le Bouche, Airton Negrine e Mauro Guisellini), Desenvolvimentista (Go Tani), Educação de Corpo Inteiro (João Batista Freire), Educação Física Cultural (Jocimar Daolio), Educação Física Plural (Jocimar Daolio e Tarcício Mauro Vago), Educação Física Sistêmica ou Abordagem Sociológica (Mauro Betti) e Abordagem Fenomenológica (Silvino Santin e Wagner Wey Moreira). Da década de 1990 em diante, o debate sobre concepções de Educação Física toma outros rumos. De polêmicas profícuas e confrontos de concepções que caracterizaram a década de 1980, passou-se a um período de “intelectuais em retirada” (PETRAS, 1994), marcado pela ofensiva da “restauração conservadora” (APLLE, 2008), de uma “nova direita”, em que “visões alternativas e contrapostas à 30 liberal/capitalista são reprimidas a ponto de desaparecerem da imaginação e do pensamento até mesmo daqueles grupos mais vitimizados pelo presente sistema” (SILVA, 2001, p. 14). Nesta nova conjuntura, as principais referências mundiais a um projeto alternativo capitalista desabaram22. Os arautos do capital no meio acadêmico prenunciavam o fim da luta de classes e da história, e anunciavam o modelo econômico capitalista como única alternativa da sociedade. Os movimentos sociais, sindicais, estudantis e intelectuais de esquerda abandonaram a perspectiva de transformação social e passaram a adotar um novo discurso e uma nova prática. Ao invés de transformar a realidade, adotavam a postura de se adaptar a ela. 23 Tal contexto trouxe reverberações no campo da Educação Física, no âmbito das políticas educacionais para o setor, nas políticas públicas de Esporte e Lazer, na regulamentação da profissão24, na produção do conhecimento científico da área, nos currículo de formação de professores, nas concepções de Educação Física construídas nesses currículos e nos modelos de profissionalidade docentes. O debate em torno do currículo da formação de professores de Educação Física existe desde a década de 1930, quando da criação da Escola Nacional de Educação Física e Desporto (ENEFD). Esta instituição possuía em seu currículo uma espécie de modelo-padrão para a formação de professores de Educação Física a ser seguido nacionalmente (PIRES, 2008). Desde então, o currículo de Educação Física foi instrumento de disputa que envolveu, na sua mais recente definição, diversos sujeitos institucionais, tais como: o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), a Executiva Nacional dos Estudantes de Educação Física (ExNEEF), o Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física (MNCR) e o governo, por meio do Ministério do Esporte (ME), da Secretaria de Educação Superior do MEC (SESu/MEC) e do Instituto Nacional de 22 Refiro-me à derrocada do chamado “socialismo real” e à restauração capitalista nos países do Leste Europeu, na China e em Cuba, resultado da política de desmonte dos ex-estados operários governados pelas burocracias governantes stalinistas, maoísta e castrista (HERNANDÉZ, 2008). 23 Não poderia ser mais emblemática a frase de Dilma Rousseff, na condição ainda de candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência da República. A ex-guerrilheira da luta contra a ditadura militar brasileira e atual presidenta disse em entrevista à revista Veja que: “A realidade mudou, e nós com ela” (A CANDIDATA..., 2010). 24 Na Educação Física, a regulamentação da profissão e a criação do Conselho Federal de Educação Física/Conselhos Regionais de Educação Física (Sistema CONFEF/CREF), em dezembro de 1998, via o Decreto Lei nº. 9696/98, representou a maior expressão do avanço conservador e reacionário na área. Para mais informações, ver a tese de doutorado de Nozaki (2004). 31 Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Esses diversos sujeitos institucionais expressam tanto concepções de Educação Física quanto modelos de profissionalidades divergentes. Estas polêmicas e confrontos se materializaram na aprovação da Resolução CNE/CES n° 7, de 31 de março de 2004 (Resolução CNE /CES 07/04), que compõe as DCN para os cursos de graduação em Educação Física (DCNEF), e da Resolução CNE/CP n.º 01, de 18 de fevereiro de 2002 (Resolução CNE/CP 01/02) que institui as Diretrizes Curriculares para os cursos de licenciatura de todo o país. As interpretações destas resoluções e os pareceres que as sustentam (Parecer CNE/CES 58/04 e Parecer CNE/CP 09/01, respectivamente) têm fortalecido a divisão dos cursos de Educação Física em bacharelado e licenciatura, além de trazerem novamente à tona o polêmico debate a respeito da concepção de Educação Física e do modelo de profissionalidade docente na formação de professores de Educação Física. No Estado do Pará, o debate em torno das concepções de Educação Física e da formação de professores suscitadas pelas discussões das DCNEF transcorreu de forma quase passiva. Apenas por iniciativa do MEEF local e, particularmente, do Centro Acadêmico de Educação Física da UEPA (CACEF-UEPA), que a comunidade acadêmica regional participou das discussões e fóruns sobre o assunto. Dentre estas atividades, destacou-se a Semana Acadêmica25 do CEDF-UEPA de 2002, que tematizou “Educação Física, Formação Profissional e Mundo do Trabalho” e a Semana Acadêmica de 2003 deste mesmo curso26, com o tema “Diretrizes Curriculares para a Educação Física”. Paralelamente a estes debates, ocorreram dois movimentos simultâneos: a criação de novos cursos de Educação Física (CEDF-ESMAC, CEDF-ESAMAZ, CEDF-CEULS-ULBRA e CEDF-UFPA-Belém) e a reformulação curricular dos cursos já existentes (CEDF-UEPA e CEDF-UFPA-Castanhal). 25 Esta Semana foi realizada de 06 a 08 de novembro de 2002 e debateu o tema da formação de professores em duas mesas-redondas: “Educação Física, Currículo e Formação Profissional”, com a profª. Nadia Lima, o prof. Milton Mateus (ambos da UEPA) e o representante do CACEF, Higson Coelho; e “Regulamentação e Mundo do Trabalho: reflexos em nosso cotidiano”, com o prof. Hajime Nozaki (MNCR), a profª. Conceição Menezes (CREF-08) e o acadêmico Marcos Soares. 26 Esta outra Semana foi realizada de 9 a 12 de dezembro de 2003, contou com a Conferência do prof. Helder Resende (membro da COESP-EF pela SESu/MEC) “Tendências Curriculares da Educação Física: as perspectivas de transformação” e com a mesa-redonda “Diretrizes Curriculares para a Educação Física: o embate das novas tendências”, marcada pelo debate entre o prof. Helder Resende (COESP-EF), o representante da ExNEEF, Otávio Aranha e o representante do CREF-08. 32 Os novos cursos de Educação Física no Estado do Pará foram criados por iniciativas privadas (ESMAC e ESAMAZ) e por uma IES pública federal (UFPA- Belém). Esta expansão das licenciaturas de Educação Física no Estado está inserida na política nacional para o Ensino Superior, que tem sido pautada por uma tendência à privatização desta modalidade de ensino. Como identifica Haddad: O ensino privado é um mercado crescente no setor de serviços, crescente e rentável. No mundo inteiro, os interesses privados sobre esse bem público vêm ocupando espaço, pressionando legislações nacionais e internacionais, ampliando o mercado em cada país. (HADDAD, 2008, p. 12). Esta afirmação é ratificada por estudo desenvolvido por Aranha et al (2009), em que analisam a expansão do Ensino Superior no Brasil de 2003 a 2007, comparando dados de IES e matrículas ofertadas entre o público e o privado. Estes autores constatam que a expansão de instituições privadas se deu na ordem de 90% e a oferta de matrículas no setor privado ficou concentrada em 94,1% do total da expansão do Ensino Superior. Do mesmo modo, Corrêa (2006) analisa a situação da diversificação e da morfologia institucional do Ensino Superior paraense. O autor conclui que houve uma expressiva diversificação da morfologia institucional em torno de universidades, centros de estudos, escolas superiores, faculdades e institutos, sendo estas duas últimas com maior representatividade numérica no Estado; que houve uma tendência a interiorização da oferta desses cursos e; que os processos seletivos destas instituições têm se tornado mais flexíveis, em função da busca de “alunos- clientes-consumidores”. De acordo com o autor, tal fato [...] coloca sob suspeita não apenas a relevância social dos cursos disponibilizados, como também e principalmente a qualidade dos profissionais formados nas propostas curriculares que orientam o preparo cultural dos acadêmicos (CORRÊA, 2006, p. 70). Já as reformulações curriculares dos cursos já existentes são acompanhadas, no caso do CEDF-UEPA, pelo trabalho desenvolvido por Treptow (2008), que discorreu sobre a trajetória histórica deste curso, desde a sua criação em 1967 até a reformulação curricular de 1999 e; mais recentemente, por Aguiar (2009), que contextualizou o processo de discussão e elaboração do currículo deste curso implementado em 2008. A reformulação curricular do CEDF-UFPA-Castanhal iniciou 33 em 2004, a partir da visita de uma equipe de avaliadores do MEC, que “sugeriu” maior adequação do curso às DCNEF, além desta, a coordenação do curso implementou um projeto de avaliação institucional no biênio 2004/2005, que envolveu os discentes de Educação Física e culminou na I Jornada Acadêmica do Curso de Educação Física. Esta reformulação encontra-se para ser aprovada nos conselhos deliberativos desta Universidade. Uma peculiaridade a ser considerada no Estado do Pará é a não oferta de cursos de bacharelado27. Entretanto, já houve iniciativas no CEDF-UFPA-Belém e, de forma mais tímida, no CEDF-UEPA, para criação de cursos de bacharelados nestas instituições. Esse movimento em defesa do bacharelado fez reacender a preocupação com o debate em torno da formação de professores de Educação Física no Estado28 no que concerne aos projetos formativos e de profissionalidade em disputas, às concepções de Educação Física e aos conteúdos curriculares necessários para formar o professor. Diante deste cenário nacional e do contexto estadual paraense que nos encontramos, perquiro nesta pesquisa o seguinte problema: que concepção de Educação Física e modelo de profissionalidade docente orientam os currículos prescritos adotados pelos cursos de licenciatura em Educação Física? Como desdobramento deste problema, desenvolvo as seguintes questões: que conteúdos curriculares foram selecionados para comporem o percurso formativo dos cursos de licenciatura em Educação Física existentes no Estado do Pará? Quais concepções de Educação Física se materializam nos conteúdos curriculares prescritos nos PPP destes cursos? Os conteúdos curriculares selecionados nos PPP dos cursos de licenciatura contribuem para o desenvolvimento de qual modelo de profissionalidade docente? 27 O mesmo fato acontece com os Estados do Amapá, que possui no três cursos de Educação Física, e Roraima, que oferta apenas dois cursos em todo o Estado, nenhum deles de bacharelado. 28 Tal debate se expressou na realização de vários eventos realizados recentemente que retomaram esta temática: o II Congresso Norte Brasileiro de Ciências do Esporte (II CONCENO), que debateu “Os Desafios na Formação de Professores em Educação Física e os Impactos na Prática Pedagógica”, realizado de 17 a 20 de setembro de 2008; o Ciclo de Debates “Diretrizes Curriculares na Educação Física: perspectivas para a formação de professores”, organizado pelo CEDF-UFPA, entre os meses de setembro, outubro e novembro de 2009; a Semana Acadêmica do CEDF-ESAMAZ, realizada de 25 a 28 de novembro de 2009, que tematizou “A Formação Superior em Educação Física na Amazônia” e debateu em uma das mesas o tema “Educação Física e Mundo do Trabalho”; a Semana Acadêmica do CEDF-UEPA, que tematizou “A Produção do Conhecimento e a Formação em Educação Física”, ocorrida de 01 a 04 de dezembro de 2009. 34 Assim, o objetivo geral da pesquisa é analisar as concepções de Educação Física e os modelos de profissionalidade docentes que orientam os currículos prescritos adotados pelos cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará. Como objetivos específicos, pretendo: a) identificar os conteúdos curriculares selecionados nos cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará; b) analisar as concepções de Educação Física materializadas nesses cursos e; c) identificar os modelos de profissionalidade docente que se fazem presentes nos PPP dos cursos em vigor. A seguir, realizo a exposição das opções metodológicas e a explicitação dos instrumentos técnicos necessários à realização desta investigação. Acredito que anterior à definição das técnicas de investigação, seja necessário iniciar a exposição do caminho metodológico pela teoria do conhecimento que a sustenta, pois, no processo de produção do conhecimento, os procedimentos técnicos estão subordinados a uma determinada epistemologia e axiologia e não o inverso. Neste sentido: As técnicas, que nos auxiliam e possibilitam elaborar um conhecimento sobre a realidade, não podem se caracterizar como instrumentos meramentes formais, mecânicos, deslocados de um referencial teórico que as contextualize numa totalidade mais ampla. (PÁDUA, 2000, p. 32). Do mesmo modo, concordo com Freitas (1995, p. 73) quando afirma que “[...] na definição de uma determinada forma de trabalho tem precedência a teoria do conhecimento empregada e não suas técnicas particulares de coleta de dados”. Assim, em minha acepção, a opção metodológica do pesquisador não está desvinculada da concepção de ciência, de homem e de sociedade do sujeito que pesquisa. Como indica novamente Pádua, [...] toda pesquisa tem uma intencionalidade, que é a de elaborar conhecimentos que possibilitem compreender e transformar a realidade; como atividade, está inserida em determinado contexto histórico- sociológico, estando, portanto, ligada a todo um conjunto de valores, ideologia, concepções de homem e de mundo que constituem este contexto e que fazem parte daquele que exerce esta atividade, ou seja, o pesquisador (PÁDUA, 2000, p. 32). Neste mesmo sentido, também considero relevante a afirmação de Frigotto (1998), quando este aborda as decisões teóricas do pesquisador e seus desdobramentos e implicações. Segundo o autor: 35 Um pressuposto fundamental, quando nos propomos ao debate teórico, entendemos deva ser que as nossas escolhas teóricas não se justificam nelas mesmas. Por trás das disputas teóricas que se travam no espaço acadêmico, situa-se um embate mais fundamental, de caráter ético- político, que diz respeito ao papel da teoria na compreensão e transformação do modo social mediante o qual os seres humanos produzem sua existência, neste fim de século, ainda sob a égide de uma sociedade classista, vale dizer, estruturada na extração combinada de mais-valia absoluta, relativa e extra. As escolhas teóricas, neste sentido, não são nem neutras e nem arbitrárias – tenhamos ou não consciência disto. Em nenhum plano, mormente o ético, se justifica teorizar por teorizar ou pesquisar por diletantismo. (FRIGOTTO, 1998, p. 26). Desse modo, elejo o materialismo histórico e dialético como teoria do conhecimento para embasar as opções teórico-metodológicas que auxiliarão na apreensão do meu objeto de investigação. Entendo que tal método, além de ser um método de investigação científica, constitui-se também como concepção de mundo e enquanto práxis de intervenção na realidade (FRIGOTTO, 1991). Para melhor compreensão desse método e de sua relação com o objeto de estudo, faz-se necessário apropriar-se de maneira mais detida de seus referenciais filosóficos. Marx (1983) denominava o “método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto” como um método do pensamento e no pensamento de entender e explicar a realidade social dos homens. Desta forma, o real, o concreto, deveria ser reproduzido no pensamento levando em consideração suas múltiplas determinações, o que resultaria no concreto pensado. De acordo com o precursor do marxismo: O concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e portanto igualmente o ponto de partida da observação imediata e da representação. (MARX, 1983, p. 218-219). Assim, um objeto de investigação é uma síntese, um resultado de múltiplas, de várias determinações, sejam estas de ordem econômica, política, social, ideológica, cultural ou psicológica. Mas também tal objeto pode ser o ponto de partida que determina outras relações. Neste sentido, a observação imediata, ou seja, a primeira representação do real é o ponto de partida da análise científica, porém não pode ser a única. No objeto 36 desta investigação, parto das propostas curriculares atuais adotadas pelos cursos de licenciatura em Educação Física no Estado do Pará, todavia, ao mesmo tempo em que estas matrizes curriculares são o ponto de partida, são também o ponto de chegada. Ao percorrer esse ciclo é necessário fazer um movimento no pensamento, isto é, fazer as devidas abstrações, no sentido de buscar as múltiplas determinações para retornar ao concreto, ou seja, ao objeto de estudo, agora sim como um resultado, uma síntese de determinações. Sobre esse movimento realizado no pensamento ou “détour”, o filósofo marxista Karel Kosik esclarece o seguinte: Como as coisas não se mostram ao homem diretamente tal qual são e como o homem não tem a faculdade de ver as coisas diretamente na sua essência, a humanidade faz um détour para conhecer as coisas e a sua estrutura. Justamente porque tal détour é o único caminho acessível ao homem para chegar à verdade, periodicamente a humanidade tenta poupar- se o trabalho desse desvio e procura observar diretamente a essência das coisas (o misticismo é justamente a impaciência do homem em conhecer a verdade). Com isso corre o perigo de perder-se ou de ficar no meio do caminho, enquanto percorre tal desvio. (KOSIK, 2002, p. 27, grifos do autor). Destarte, contrariando a noção de verdade absoluta das análises empiricistas e positivistas, mas também não concordando com o pensamento pós-moderno que recai, no meu ponto de vista, em um relativismo e em uma fragmentação da realidade; o materialismo histórico e dialético considera que a verdade objetiva está relacionada com a prática dos homens e não com demonstrações teóricas. Na polêmica contra Feuerbach, Karl Marx esclarece sua compreensão de verdade da seguinte forma: A questão de saber se o pensamento humano cabe alguma verdade objetiva [gegenständliche Wahreit] não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na prática que o homem tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior [Diesseitigkeit] de seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou não-realidade do pensamento – que é isolada da prática – é uma questão puramente escolástica. (MARX, 2007, p. 533). Do mesmo modo, conhecer a estrutura interna do objeto, a “coisa em si”, isto é, sua essência, está para além da representação imediata do objeto investigado, uma vez que essência e aparência não necessariamente coincidem na realidade. Para Cheptulin (2004, p. 276), a essência é “[...] o conjunto de todos os aspectos e ligações necessários e internos (leis), próprios do objeto, tomados em sua 37 interdependência natural. E o fenômeno representa a manifestação desses aspectos e ligações, na superfície”. Assim, para o materialismo histórico e dialético, “A realidade é a unidade da essência e do fenômeno” (KOSIK, 2002, p. 16). Desta forma, essência e fenômeno são duas dimensões do real e, por conta dessa relação, não posso me restringir a uma análise fenomênica dos currículos a serem investigados, o que limitaria a pesquisa à dimensão superficial do objeto, à sua aparência. Ainda me baseando em Cheptulin, entendo que: O fenômeno não pode nunca ser “como a essência”, já que ele distingue-se sempre dela e, de uma forma ou de outra, a deforma. É por isso que a percepção dos fenômenos não nos fornece nunca um conhecimento verdadeiro da essência (CHEPTULIN, 2004, p. 207). Com base nesta teoria do conhecimento, ressalto que este estudo se fundamenta em dados quantitativos, mas fundamentalmente em aspectos qualitativos da realidade investigada. Sobre estas duas abordagens de pesquisa, esclareço que: Tem havido muita discussão sobre as diferenças entre pesquisa quantitativa e qualitativa. A pesquisa quantitativa lida com números, usa modelos estatísticos para explicar os dados, e é considerada pesquisa hard. O protótipo mais conhecido é a pesquisa de levantamento de opinião. Em contraste, a pesquisa qualitativa evita números, lida com interpretações das realidades sociais, e é considerada pesquisa soft. O protótipo mais conhecido é, provavelmente, a entrevista em profundidade. (BAUER; GASKELL; ALUM, 2007, p. 22-23). Tal segmentação nas pesquisas das ciências humanas e na educação é superada de forma consistente pelo materialismo histórico dialético, o qual estabelece a unidade entre quantidade e qualidade na estrutura e organização da matéria. Nesta perspectiva, todo objeto, coisa ou fenômeno possui características tanto quantitativas quanto qualitativas. Assim, recorro novamente a Cheptulin: Contrariamente às doutrinas metafísicas, o materialismo dialético apóia-se sobre dados das ciências da natureza e reconhece não apenas as mudanças quantitativas e qualitativas, e sua correlação, mas considera também que essa é uma das leis fundamentais do movimento e do desenvolvimento da matéria. (CHEPTULIN, 2004, p. 216). Neste sentido, a oposição entre quantitativo e qualitativo nas abordagens científicas é uma falsa dicotomia que não tem base real de existência na perspectiva 38 de análise marxista. Por isso, na perspectiva materialista histórica e dialética, toda pesquisa “[...] pode ser, ao mesmo tempo, quantitativa e qualitativa.” (TRIVIÑOS, 1987, p. 118). Para além da teoria marxista para justificar o uso das duas abordagens, Oliveira (2007) apresenta as vantagens da interação dos dados quantitativos e qualitativos em uma pesquisa. Segundo a autora: Adotar a prática de combinar técnicas de análise quantitativa com técnicas de análise qualitativa proporciona maior nível de credibilidade e validade aos resultados da pesquisa evitando-se assim, o reducionismo por uma só opção de análise. (OLIVEIRA, 2007, p. 39). Destarte, nesta pesquisa, os dados quantitativos, como o número de projetos e currículos analisados, a quantidade de disciplinas que compõe um eixo ou dimensão da formação, a quantidade de carga horária em uma disciplina, etc., são aspectos que não serão desconsiderados; porém, por sua vez, a organização curricular em sua totalidade, o significado social que justifica a presença ou ausência de determinado conteúdo curricular, as concepções inerentes aos conhecimentos selecionados no currículo são elementos qualitativos que possuem maior importância na análise desta investigação, o que caracteriza esta pesquisa como do tipo qualitativa. Após esta breve explicação das opções teóricas delineadas na metodologia da pesquisa, passo à exposição dos elementos técnicos e instrumentos selecionados, tais como as características do tipo da pesquisa, as formas de coleta e de análise dos dados e as categorias de análise utilizadas. Os instrumentos de pesquisa referem-se ao uso de ferramentas e de técnicas particulares para extrair da realidade informações pertinentes à apreensão do objeto investigado. Sobre essas técnicas, Del Rincón explica: O termo técnica deriva etimologicamente da palavra grega ‘tejné’, que inicialmente se utilizou para descrever a destreza ou arte dos artesãos, e para designar um tipo de conhecimento que servia de guia para a ação prática. Neste sentido, o conhecimento técnico se contrapunha ao episteme, conhecimento ou saber que teria uma orientação teórica. Na atualidade, por técnicas de investigação se entendem os instrumentos, estratégias e análises empregados pelos pesquisadores para recolher 39 informações. (DEL RINCÓN, 1995, p. 35, grifos do autor, tradução nossa29). Também concordo com Severino (2007), autor em que o conceito de técnicas de pesquisa e a relação destas com as opções epistemológicas e metodológicas do pesquisador são apresentados do seguinte modo: As técnicas são os procedimentos operacionais que servem de mediação prática para a realização das pesquisas. Como tais, podem ser utilizadas em pesquisas conduzidas mediante diferentes metodologias e fundadas em diferentes epistemologias. Mas, obviamente, precisam ser compatíveis com os métodos adotados e com os paradigmas epistemológicos adotados. (SEVERINO, 2007, p. 124, grifo nosso) Do mesmo modo, compreendo também que a delimitação das técnicas de pesquisa não deve estar dissociada da problemática levantada, pois o processo de extrair conhecimentos da realidade “[...] não é alheio ao problema objeto de estudo, ao propósito da investigação, ao contexto em que tem lugar e, sobretudo, ao marco conceitual/experimental do investigador desde o que se situa o problema.” (DEL RINCÓN, 1995, p. 35, tradução nossa 30). Nesta perspectiva, o estudo apresentado se caracteriza como uma pesquisa do tipo documental, que “[...] é um procedimento que se utiliza de métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais variados tipos.” (SÁ-SILVA, ALMEIDA e GUINDANI, 2009, p. 4-5). De acordo com esses autores, documentos são todos os materiais que podem servir de testemunho, vestígio ou registro da ação do homem, que podem se apresentar na forma de textos escritos31, tais como documentos oficiais, leis, 29 No original: “El termo técnica deriva etimológicamente de la palabra griega ‘tejne’, que inicialmente se utilizo para describir la destreza o arte de los artesanos, y para designar um tipo de conocimiento que servía de guia a la acción prática. Em este sentido, El conocimiento técnico se contraponía a episteme, conocimiento o saber que tênia uma orientación teórica. En la actualidade, por técnicas de investigación se entienden los instrumentos, estratégias y análisis documentales empleados por los investigadores para la recogida de información.” (DEL RINCÓN, 1995, p. 35, grifos do autor). 30 No original: “Es evidente que el proceso de obtención de la información no es ajeno al problema objeto de estúdio, al propósito de la investigación, al contexto em que tiene lugar y, sobre todo, al marco conceptual/experiencial del investigador desde el que se situa el problema” (DEL RINCÓN, 1995, p. 35). 31 Os documentos podem ser também de natureza não escrita, tais como as iconografias (fotografias, pinturas, imagens, retratos), cinematográficos (filmes, documentários, registros em vídeo), audíveis (registros sonoros, músicas, composições), ou ainda, objetos do cotidiano, elementos folclóricos, dentre outros (SÁ-SILVA, ALMEIDA e GUINDANI, 2009). 40 decretos, relatórios, cartas pessoais, jornais, revistas, etc. (SÁ-SILVA, ALMEIDA e GUINDANI, 2009). Documentos são fontes primárias, ou seja, dados originais que possuem relação direta com os fatos analisados e que ainda não receberam nenhum tratamento científico. Isso exige maior cautela na análise do material coletado por parte do pesquisador (OLIVEIRA, 2007). De acordo com Del Rincón (1995, p. 341, tradução nossa 32): “A análise de documentos é uma fonte de grande utilidade para obter informação retrospectiva acerca de um fenômeno, situação ou programa e, em certas ocasiões, a única fonte para obter uma determinada informação”. Esse autor divide os documentos escritos em dois tipos, em função do âmbito em que foram gerados: documentos oficiais e pessoais33. Os documentos escritos oficiais são “[...] toda classe de documentos, registros e materiais oficiais e públicos, disponíveis como fontes de informação” (DEL RINCÓN, 1995, p. 342, tradução nossa 34). Estes são classificados pelo autor, por sua vez, em material externo e interno. Os documentos oficiais externos são produzidos pela própria instituição e destinados ao público em geral, ou seja, à comunicação da instituição com o seu exterior, por meio de revistas, cartas, comunicações, etc. Os documentos oficiais internos são produzidos para a própria instituição, para um público específico, ou seja, “O material interno faz referência aos documentos gerados e disponíveis em uma determinada organização. Possibilitam ter informação sobre sua organização, organograma, normativa, funções, finalidades e valores (DEL RINCÓN, 1995, p. 342, tradução nossa 35). As fontes de coleta de dados desta pesquisa são documentos escritos oficiais de natureza interna: os currículos atuais adotados pelos cursos de formação de 32 No original: “El análisis de documentos es una fuente de gran utilidad para obtener información retrospectiva acerca de um fenômeno, situación ou programa e, en ocasiones, la única fuente para acceder a una determinada información” (DEL RINCÓN, 1995, p. 341, grifos do autor). 33 Os documentos pessoais são cartas e diários pessoais, relatos autobiográficos, histórias de vida, história oral. São documentos que não remetem a uma instituição ou organização da sociedade, mas a indivíduos e pessoas. 34 No original: “Em general, por documentos oficiales se entiende toda clase de documentos, registros y materiales oficiales y públicos, disponibles como fuentes de información” (DEL RINCÓN, 1995, p. 342). 35 No original: “El material interno hace referencia a los documentos generados y disponibles em uma determinada organización. Posibilitan tener información sobre su organización, organigrama, normativa, funciones, fines y valores.” (DEL RINCÓN, 1995, p. 342). 41 professores de Educação Física do Estado do Pará anunciados nos PPP, que se materializam através da matriz curricular dos cursos, da organização e estruturação curricular, do ementário das disciplinas, de seus respectivos conteúdos e referencial bibliográfico. Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009) sugerem uma avaliação preliminar dos documentos baseada em cinco dimensões: a) o contexto, que envolve a conjuntura social, econômica, política, cultural e histórica em que o documento foi produzido e para quem foi produzido; b) os autores, ou seja, a identidade, os motivos, os interesses dos sujeitos, pessoas ou grupos de pessoas, que levaram à construção do texto; c) a autenticidade e a confiabilidade, que indica a procedência do texto, o tempo decorrido desde a sua divulgação e se passou por intermediários que não os autores originais; d) a natureza do texto, se possui especificidades de um campo ou área do conhecimento específicos que exigem maior contato do pesquisador com o contexto particular de sua produção e; e) os conceitos-chave e a lógica interna do texto, que engloba os sentidos e significados que possui, suas argumentações, sua estrutura interna. As próximas etapas para a investigação dos documentos se baseiam na análise de conteúdo, que segundo os autores mencionados: Consiste em relacionar a freqüência da citação de alguns temas, palavras ou idéias em um texto para medir o peso relativo atribuído a um determinado assunto pelo seu autor. Pressupõe, assim, que um texto contém sentidos e significados, patentes ou ocultos, que podem ser apreendidos por um leitor que interpreta a mensagem contida nele por meio de técnicas sistemáticas apropriadas. A mensagem pode ser apreendida, decompondo-se o conteúdo do documento em fragmentos mais simples, que revelem sutilezas contidas em um texto. (SÁ-SILVA, ALMEIDA e GUINDANI, 2009, p. 11). Tal orientação é ratificada por Triviños (1987, p. 160) que indica este método para “[...] o desvendar das ideologias que podem existir nos dispositivos legais, princípios, diretrizes, etc., que, à simples vista, não se apresentam com a devida clareza”. Assim, esta metodologia de investigação se afina às preocupações deste presente estudo. Deste modo, na análise dos dados da pesquisa, me aproximo dos procedimentos da análise de conteúdo (BARDIN, 1977; FRANCO, 2008 e TRIVIÑOS, 1987), que se caracteriza pela investigação sistemática do conteúdo das mensagens de textos, sendo este explícito ou implícito. 42 De acordo com Laurence Bardin, a precursora deste método, a análise de conteúdo é [...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens. (1977 apud TRIVIÑOS, 1987, p. 160). Triviños (1987) identifica certa influencia positivista em Lauwrece Bardin, pela ênfase dada aos aspectos quantitativos enfocados por este método. O mesmo autor defende que é possível uma análise de conteúdo baseado em abordagens qualitativas da pesquisa e, indo mais além, aponta a possibilidade de fusão com o materialismo histórico e dialético: Por outro lado, o método de análise de conteúdo, em alguns casos, pode servir de auxiliar para instrumento de pesquisa de maior profundidade e complexidade, como o é, por exemplo, o método dialético. Neste caso, a análise de conteúdo forma parte de uma visão mais ampla e funde-se nas características do enfoque dialético. (TRIVIÑOS, 1987, p. 160). Segundo este autor, a análise de conteúdo possui três etapas básicas que serão utilizadas neste estudo: a) a pré-análise: uma leitura geral “flutuante” que resulta na organização do material; b) a descrição analítica: em que os documentos são analisados, codificados, classificados e categorizados em quadros de referências que expõem sínteses coincidentes e divergentes das ideias e mensagens contidas nos textos e; c) interpretação referencial: em que são feitas as reflexões e as relações com a realidade educacional e social mais ampla. Ela não deve se limitar apenas ao “conteúdo manifesto”, mas também deve desvendar o “conteúdo latente” que os documentos possuem (TRIVIÑOS, 1987). Outra contribuição importante para a elucidação da análise de conteúdo vem de Maria Laura Franco (2008). A autora também defende que é possível e necessário a vinculação da análise de conteúdo a uma abordagem metodológica crítica de pesquisa. Segundo a mesma autora, o ponto de partida é a “mensagem”, que pode expressar uma fonte ou emissão (os autores dos documentos), um processo de codificação (suas finalidades ou razões), um processo de decodificação (suas consequências ou efeitos) e um receptor (o público a quem o documento de destina). 43 Segundo Franco (2008), o processo de análise de conteúdo inicia pela exposição dos conteúdos manifestos ou explícitos dos documentos, mas também é pertinente avançar para os conteúdos “ocultos” ou latentes das mensagens e suas “entrelinhas”. A autora explica ainda que este método é baseado em comparações por inferências, o que permite identificar semelhanças e diferenças dos conteúdos de diversas mensagens textuais e compará-las a determinadas teorias do conhecimento, da educação ou das concepções inerentes aos construtores das mensagens. Assim, seguindo este método, parto das propostas curriculares atuais adotadas pelos cursos de formação de professores de Educação Física, definindo “Unidades de Análises”, com base em “temas” e “itens” relacionados como “Unidades de Registro”. Este último “[...] é a menor parte do conteúdo, cuja ocorrência é registrada de acordo com as categorias levantadas” (FRANCO, 2008, p. 41). O “item” é uma unidade de registro adequada para os textos e documentos que se pretendem atribuir definição. Para as categorias teóricas da pesquisa utilizo os seguintes itens: a) conteúdos curriculares; b) concepção de Educação Física e; c) modelo de profissionalidade docente. O tema equivale a um assunto e pode se expressar por uma sentença simples (sujeito e predicado) ou de forma mais complexa (um parágrafo). De acordo com Franco (2008), é a unidade de registro mais útil em uma análise de conteúdo. Na presente pesquisa, os temas irão ser constituídos no processo de análise dos documentos e irão se combinar com os itens como subcategorias deste processo, os temas serão identificados a partir da frequência absoluta e relativa que aparecem no documento. Seguindo a regra da representatividade (FRANCO, 2008), dos dez cursos de licenciatura em Educação Física existentes no Estado do Pará, selecionei os projetos curriculares que são propostos por cada instituição de forma única. Desta feita, além do CEDF-ESMAC, do CEDF-ESAMAZ e do CEDF-CEULS-ULBRA, que possuem um curso cada, fazem parte ainda deste objeto os dois cursos da UFPA (Belém e Castanhal), pois se tratam de propostas curriculares diferenciadas, e o CEDF-UEPA, que possui um único projeto curricular para os seus seis campi, sendo necessário incluir apenas o Campus Belém por sua referência histórica e política na própria instituição. 44 Assim, serão seis propostas curriculares analisadas ao todo na pesquisa, três de instituições privadas e três públicas (duas federais e uma estadual), sendo que destas seis, três IES estão localizadas na cidade de Belém, uma em Ananindeua, uma em Castanhal e uma em Santarém. As categorias de análise a priori utilizadas no estudo serão: “conteúdos curriculares”, “concepções de Educação Física” e “modelos de profissionalidade docente”. A dissertação está estruturada, além desta Introdução, em mais quatro seções. Na segunda, “Decifra-me ou Te Devoro: currículo e seleção curricular nos cursos de Educação Física do Estado do Pará”, apresento uma breve discussão conceitual e histórica sobre currículo, seleção curricular e conteúdos curriculares; apresento as polêmicas e percalços na construção das DCNEF e os conteúdos curriculares advindos desta e, por fim, analiso as propostas curriculares adotadas atualmente pelos seis cursos de licenciatura em Educação Física paraense, com o intuito de identificar os conteúdos curriculares selecionados nestes cursos e as implicações desta seleção curricular. Na terceira seção, “A Hidra de Cinco Cabeças: concepções pedagógicas de Educação Física manifestadas nos PPP dos cursos de licenciatura paraense”, faço uma breve discussão teórica e histórica respeito das concepções de Educação Física existentes na literatura da área; apresento um quadro com a síntese das características epistemológicas, teóricas e pedagógicas dessas concepções; analiso a concepção de Educação Física presente nas atuais DCNEF e, por último; analiso as concepções de Educação Física presentes nos projetos curriculares dos seis cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará. Já na quarta seção, “O Reino do Caos e da Incerteza: modelos de profissionalidade docentes nas propostas curriculares dos cursos de licenciatura em Educação Física no Pará”, realizo uma breve discussão histórica e conceitual a respeito da profissão, profissionalismo, profissionalidade ou proletarização docente; discuto o que são modelos de profissionalidade docente e apresento suas tipologias; analiso o modelo de professor manifestado nas DCNEF, por fim; identifico quais os modelos de profissionalidade docentes almejados pelos seis cursos de licenciatura em Educação Física paraense e as problemáticas dos cursos em função dos modelos definidos. Por fim, nas “Considerações Finais”, realizo uma síntese das discussões e reflexões discorridas ao longo do estudo pertinentes aos conteúdos curriculares 45 selecionados, às concepções pedagógicas de Educação Física e aos modelos de profissionalidade docentes, advindas desta seleção curricular, nos cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará selecionados para esta pesquisa. Figura 1 – Édipo e a Esfinge, Gustave Moreau, 1864. 46 Fonte: 47 2 DECIFRA-ME OU TE DEVORO: CURRÍCULO E SELEÇÃO CURRICULAR NOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DO ESTADO DO PARÁ Só é artista aquele que é capaz de transformar uma solução em um enigma. Karls Kraus Nesta seção, busco entender que conteúdos curriculares estão selecionados no percurso formativo dos cursos de Educação Física do Estado do Pará. Identificar esses conteúdos significa: compreender os motivos e as razões que levaram a sua seleção; conhecer os grupos e os sujeitos que os selecionaram e; debater as epistemologias, as teorias e a lógica de pensamento que embasam esses conteúdos. Para tanto, realizo inicialmente uma incursão teórica e conceitual na literatura sobre currículo e seleção curricular, a partir da qual apresento minhas opções teóricas a respeito do currículo e as problemáticas concernentes à seleção curricular. Em seguida, discuto o que são conteúdos curriculares e como estes podem ser selecionados e organizados no interior de um currículo, para então debater os conteúdos curriculares selecionados nas prescrições curriculares oficiais e nos currículos moldados pelas instituições formativas do Estado do Pará. Rocha (2001, p. 14, grifo nosso) afirma que o currículo “[...] está perpassado por valores e pressupostos que necessitam ser decifrados, para que se possa descobrir os mecanismos que operam na sua concretização dentro dos espaços educativos”. É com este desafio, o enigma do currículo e da seleção curricular, que também foi representado no mito de Édipo e a esfinge36, que inicio esta seção de pesquisa. 36 Na mitologia grega, Édipo (aquele que tem os pés inchados) é o herói que desvendou o enigma da Esfinge (um monstro com a cabeça de uma mulher, o corpo de um leão, a cauda de uma serpente e asas de uma águia). A Esfinge desafia todos que passam pelo seu caminho com a frase “decifra-me ou te devoro” e mata quem não consegue desvendar o seu enigma: “O que durante a manhã tem quatro pernas, à tarde tem duas e à noite tem três?” (no original: “tetrapos, dipos, tripos”). De acordo com o mito, Édipo decifrou o enigma e a Esfinge, de tão humilhada, atirou-se do alto de um rochedo (em outra versão, diz-se que ela devorou a si própria). O mito da Esfinge possui várias interpretações, uma delas se refere ao enigma da vida que persegue o homem até a sua morte, o que somente pode ser solucionado pelo próprio homem. Nesta seção, a pergunta que me desafia se refere ao entendimento do que é o currículo e que seleção curricular ocorre nos cursos de Educação Física paraense. 48 2.1 CURRÍCULO E SELEÇÃO CURRICULAR O currículo como objeto de estudo é bastante recente se levarmos em consideração a trajetória de desenvolvimento histórico do ser humano e o seu processo de formação. Apenas na segunda década do século XX, com o livro de Bobbitt37, chamado “O currículo: uma síntese do desenvolvimento da teoria do currículo”38, escrito em 1918, que este campo começou a se desenvolver teoricamente como um objeto de estudo específico. Para termos dimensão da atualidade da discussão sobre currículo, foi somente nas décadas de 1970 e 1980 que ele passou a ser problematizado criticamente, o que resultou na constituição das teorias críticas e, posteriormente, pós-críticas do currículo. Nos últimos anos, este construto social chamado currículo tem recebido maior centralidade em congressos nacionais, grupos de pesquisa, linhas de pesquisa em programas de pós-graduação, na produção do conhecimento em periódicos científicos, livros, teses e dissertações publicadas no Brasil39. Do mesmo modo, o currículo tem sido objeto de interesse e também de disputa entre pesquisadores, educadores, legisladores e governantes, influenciando o campo da formação de professores e as suas instituições ou agências formadoras. De acordo com vários especialistas (PACHECO, 2005; SACRISTÁN, 2000; SILVA, 2007; GOODSON, 2010), o currículo é um termo polissêmico, multifacetado, ou seja, sua acepção pode enveredar por diversos contextos e representações, que, por sua vez, dependem de quais referenciais, autores ou teorias são assumidos como parâmetros para sua discussão. Ainda assim, mesmo com o reconhecimento de diferentes concepções de currículo, o que me leva ao entendimento do currículo como um objeto social complexo, observo que esses mesmos autores têm “arriscado” algumas aproximações no campo conceitual. 37 John Franklin Bobbitt (1876-1956) nasceu em Indiana (EUA). Em 1909, doutorou-se pela Universidade de Clark. Foi professor da Universidade de Chicago, onde lecionou a disciplina “Administração da Educação”. Participou de diversas comissões para adequar programas escolares, inclusive no Brasil. Sua concepção de currículo é baseada nas ideias de “cientificidade”, “eficiência” e “eficácia”. Em sua proposição curricular, adotou os princípios da administração científica de Ralph Taylor (PAIXÃO, 2010). 38 No original, “The curriculum: a summary of the development concerning the theory of the curriculum”. 39 Pacheco (2005) relata que, em Portugal, somente na década de 1990 emergem os estudos sobre currículo, consolidada a maturidade deste campo apenas na primeira década do século XXI. 49 Neste sentido, Goodson (2010, p. 67) concebe o currículo como uma “construção social”; Sacristán (2000, p. 21), não negando o conceito anterior, aproxima-se da concepção do “currículo como uma práxis”; Silva (2007, p. 15) o relaciona a nossa identidade e subjetividade, ou seja, o situa “naquilo que somos”; já Pacheco (2005) afirma que: Pesem as diferentes perspectivas e os diversos dualismos, currículo define- se como um projecto, cujo processo de construção e desenvolvimento é interactivo e abarca várias dimensões, implicando unidade, continuidade e interdependência entre o que se decide em nível de plano normativo, ou oficial, e em nível de plano real, ou do processo de ensino-aprendizagem. Mais ainda, o currículo é uma prática pedagógica que resulta da interação e confluência de várias estruturas (políticas/ administrativas, econômicas, culturais, sociais, escolares...) na base das quais existem interesses concretos e responsabilidades compartilhadas. (PACHECO, 2005, p, 37) Entretanto, autores como Pedra (1997 apud ROCHA, 2008) não concordam com a ideia de polissemia do termo “currículo”. Este autor considera que esse termo possui diferentes perspectivas decorrentes das variadas escolas de pensamento dos estudiosos que se dedicam a este campo. Assim, a realidade e o objeto descritos nos estudos curriculares não se diferem em sua essência, possuindo, em verdade, variadas interpretações em função das diferentes ênfases e dimensões priorizadas no currículo, tais como: o conteúdo, a experiência, as atividades e a própria organização curricular. Pacheco (2005, p. 35), mesmo reconhecendo que talvez “jamais se achará uma resposta definitiva” para a conceituação do currículo, pela ausência de um consenso entre os autores, ainda considera: Existe, porém, consenso – o que permite falar de um campo epistemológico específico – quanto ao objecto de estudo, que é de natureza prática e ligado à educação, e quanto à metodologia, que é de natureza interdisciplinar, no quadro das ciências sociais e humanas. (PACHECO, 2005, p. 35). Entendo que para além da difícil tarefa de consensuar uma definição precisa de currículo, o importante neste estudo é o entendimento de que fenômeno social ele trata, que formas de organização tem assumido e que tipos de seleção realiza. 50 O currículo é tão antigo quanto o processo de sistematização da formação do ser humano. Silvio Gallo apresenta uma passagem evidenciando a forma como Platão40 concebeu a formação do homem na Grécia Antiga: Assim procedeu Platão na República e nas Leis, ao idealizar o extenso e demorado plano de estudos em que deveria se basear a formação dos guardiães. Fornecendo uma base comum a todos os cidadãos de ambos os sexos até os 20 anos, sucedendo-se: a educação infantil, dos três aos cinco anos, composto de jogos, cantos e fábulas; seguida, entre os sete e os 10 anos, pela aprendizagem das letras – a leitura e a escrita – e pela introdução da aritmética e da geografia, cujo estudo se prolonga até os 16 anos, acrescido da poesia e da música. Por fim a dança e a ginástica, que, como educação do corpo, estão presentes desde o início, são complementadas por exercícios militares e pelas artes marciais. A esse ciclo – com o qual se completa a formação geral ou básica da maioria – sucede, para os que revelaram mais aptos, uma propedêutica matemática centrada na aritmética, na geometria do plano e do espaço, na astronomia e na harmonia. (GALLO, 2004 apud MACEDO, 2007, p. 33-34). Já Macedo (2007) explicita que a organização do conhecimento que perdurou desde a Antiguidade grega e romana até os fins da Idade Média se baseou na proposta de Marciano Capella41 denominada “trivium” (do latim: “três caminhos”), constituída por três das “sete artes liberais”42: gramática, retórica e a dialética (lógica); e “quadrivium” (do latim: “quatro caminhos”), composta por aritmética, geometria, astronomia e música. Goodson (2010) identifica a origem etimológica do termo currículo na palavra latina “Scurrere” que teria o significado de “correr”, no sentido de “curso” ou “carro de corrida”. De acordo com o autor: “As implicações etimológicas são que, com isso, o currículo é definido como um curso a ser seguido, ou, mais especificamente, apresentado” (GOODSON, 2010, p. 31). 40 Platão (427-347 a.C.) foi um filósofo grego da Antiguidade Clássica, discípulo de Sócrates e mentor de Aristóteles. Foi fundador da “Academia” em Atenas, uma das primeiras instituições educativas do Ocidente. Escreveu várias obras em forma de “diálogos”, o que influenciou grandemente o pensamento filosófico ocidental (MADJAROF, s/d). 41 Em latim original “Martianus Capella” (século V). Escritor da Antiguidade, escreveu uma importante obra chamada “Sobre o Casamento de Mercúrio e Filología” (no original: “De nuptiis Philologiae et Mercurii”, mais conhecida como “Satyricum”), composta de nove livros em prosa e verso. Esta obra apresenta as sete artes liberais sendo muito lida na Idade Média (MARTIANO..., 2011). 42 As “artes liberais” são utilizadas desde Aristóteles, porém foi no reinado de Carlos Magno que se tornaram um currículo disciplinar. Elas surgem a partir de ações cultivadas por “homens livres”, em oposição aos escravos e suas “artes servis”, “artes manuais” ou “artes menores”. O termo designa os conhecimentos gerais necessários (as artes) para a destreza intelectual do cidadão. As sete artes (gramática, retórica, dialética, aritmética, geometria, astronomia e música) conformou os conhecimentos selecionados no currículo das universidades medievais (AS SETE..., 2009). 51 Segundo ainda o mesmo autor, uma das fontes mais antigas da expressão “curriculum” está documentada em 1633, na Universidade de Glasgow43, onde o termo se apresenta associado à ideia de sequência de escolarização, classes escolares e matérias ou assuntos estudados por alunos ao longo de um curso. Tal acepção deve-se à influência do modo de vida disciplinar apregoado pelo Calvinismo44 (GOODSON, 2010). O autor demonstra ainda que desde o início, o pensamento sobre currículo esteve associado à organização de padrões em uma sequência estruturada (disciplinas), ou seja, o currículo era entendido como um plano de estudos voltado a questões de controle social, que inclui, por sua vez, a questão do poder, o poder de determinar e diferenciar níveis de ensino, conhecimentos, saberes, alunos. No início do século XX, o currículo passa a ser objeto de um campo especializado de estudos, principalmente nos Estados Unidos com o forte processo de industrialização que atravessou este país, o que trouxe consequências como: ondas de imigrações, extensão da escolarização para as amplas massas da população, preocupação na construção de uma identidade nacional, etc. Neste contexto, o currículo é pensado em uma perspectiva puramente técnica, cientificista, instrumental e neutra, pois deveria estar a serviço da eficiência de resultados tal como qualquer indústria capitalista. De acordo com Silva (2007), planejamento, organização, eficiência, objetivos, métodos de ensino e de aprendizagem são as principais preocupações do pensamento curricular nesta perspectiva de currículo. Tal concepção tem seus maiores representantes em Franklin Bobbit e Ralph Tyler e compõe as chamadas teorias tradicionais do currículo. Posteriormente, nas décadas de 1960 e 1970, correlacionado aos acontecimentos sociais e políticos no mundo (tais como os protestos na França de 43 A Universidade de Glasgow está localizada na cidade de mesmo nome, na Escócia e foi fundada em 1451. Está entre as quarenta universidades mais antigas do mundo. 44 O Calvinismo foi um movimento de origem religiosa, mas que trouxe repercussões tanto na forma de pensar ideologicamente a sociedade, a política e a economia no capitalismo emergente, quanto nas questões culturais do modo de vida e da moral desta nova organização social. João Calvino ou Jean Cauvin (1509-1564), como fora batizado, é seu principal representante, ele teve uma importante intervenção na chamada Reforma Protestante (movimento iniciado no século XVI por Martinho Lutero, que questionou diversos dogmas da Igreja Católica, propondo uma reforma no catolicismo, mas que de fato resultou em uma rebelião no interior da Igreja, inclusive com insurreições armadas de camponeses contra a nobreza imperial). Segundo Bernard Conttret (2000), “o calvinismo é o legado de Calvino e torna-se uma forma de disciplina, de ascese, que não raramente é levada ao extremo [...]” (CALVINISMO..., 2010). 52 maio de 1968, as massivas manifestações nos Estados Unidos contra a guerra do Vietnã e o fortalecimento de movimentos sociais feministas, de negros e de contracultura) e ao surgimento das teorias educacionais críticas, o campo do currículo é “sacudido” com as ideias de Louis Althusser, Pierre Bourdieau, Jean- Claude Passeron, Baudelot e Establet, Bowles e Gintis, Basil Bernstein, Michael Yong, Michael Apple, dentre outros. Estes personagens, mesmo com diferenças particulares importantes na forma de conceber e enfatizar o currículo (uns mais reprodutivistas, outros mais dialéticos; uns mais fincados na fenomenologia, outros no marxismo; uns mais gerais e outros mais específicos no trato com currículo), constituem o pensamento crítico sobre o currículo, em que se põem em evidência as questões ideológicas, de poder, de relações de classe, de seleção cultural manifesta e oculta no currículo (SILVA, 2007). Nesta perspectiva de pensamento, o currículo é entendido como uma reprodução das relações dominantes na sociedade, mas também como uma possibilidade de resistência e contra-hegemonia. Sobretudo em fins do século XX e início do século XXI, o campo do currículo é influenciado pelo pensamento pós-moderno em suas diferentes variantes: multiculturalista, pós-colonialista, pós-estruturalista, com ênfase em questões de gênero, de raça, de etnia, de diferenças de opções sexuais, etc. De acordo com Silva (2007): O pós-modernismo privilegia o pastiche, a colagem, a paródia e a ironia; ele não rejeita simplesmente aquilo que critica: ele, ambígua e ironicamente, imita, incorpora, inclui. O pós-modernismo não apenas tolera, mas privilegia a mistura, o hibridismo e a mestiçagem – de culturas, de estilos, de modos de vida. O pós-modernismo prefere o local e o contingente ao universal e ao abstrato. O pós-modernismo inclina-se para a incerteza e a dúvida, desconfiando profundamente da certeza e das afirmações categóricas. No lugar das grandes narrativas e do “objetivismo” do pensamento moderno, o pós-modernismo prefere o “subjetivismo” das interpretações parciais e localizadas (SILVA, 2007, p. 114). Autores como Michel Foucault, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Stuart Hall, Edgar Morin, Boaventura de Sousa Santos, William Doll Jr, o próprio Tomaz Tadeu da Silva, além de outros, contribuem para a concepção de uma perspectiva pós- moderna de currículo. Nesta perspectiva estão presentes as ideias de identidade, diferença, subjetividade, discurso, representação, cultura, sexualidade, etc. que permearão o chamado currículo pós-crítico (SILVA, 2007). 53 Assim, dentre os acordos e as divergências entre os autores que se debruçam sobre o campo curricular, estou inserido nas concepções teóricas críticas, pois a limitação da perspectiva técnica e funcionalista das teorias tradicionais do currículo, assim como o relativismo e subjetivismo do pensamento pós-crítico, não contribuem, no meu ponto de vista, para o entendimento do currículo como síntese de múltiplas determinações sociais, culturais, políticas, ideológicas e, principalmente, econômicas. O currículo, como práxis de uma construção social, cultural e histórica, em que interesses de grupos e classes sociais estão em disputa, não pode ser concebido como um objeto neutro, como fazem as teorias tradicionais do currículo, e nem limitado ao plano dos “discursos” ou “textos”, como pretendem as análises pós- críticas, pois como adverte Michael Apple, é importante lembrar que o mundo e a educação não são simplesmente ‘textos’. A realidade no mundo real é dura, uma realidade em que os poderes em ação se baseiam em relações estruturais não exclusivamente criadas pelo ‘sentido’ dado pelo observador. Parte do nosso esforço é não perder de vista a dura realidade na economia e Estado e, ao mesmo tempo, não perder de vista os perigos de reduzir a análise. (APPLE, 2006b, p. 106- 107). O currículo como parte da realidade concreta está inserido em meio a interesses econômicos e políticos. A conexão entre conhecimento curricular e poder é enfatizada pelas concepções críticas de currículo e particularmente explorada por Apple. Segundo esse autor: Essa relação entre distribuição cultural e a distribuição e controle do potencial econômico e político – ou, mais claramente, a relação entre conhecimento e poder – é admitidamente bem difícil de compreender. Entretanto a compreensão de como o controle das instituições culturais amplia o poder de determinadas classes sobre outras pode nos oferecer o insight necessário para que entendamos a maneira pela qual a distribuição da cultura se relaciona à presença ou ausência de poder nos grupos sociais. (APPLE, 2006a, p. 49-50). Desta feita, o conhecimento presente em um currículo e a seleção cultural que dele decorre não é um processo neutro, mas permeado por interesses de grupos sociais na seleção, organização e distribuição da cultura produzida pelo homem ao longo de sua história. Estes grupos podem ser identificados com as classes sociais dominantes interessadas em reproduzir o modelo desigual de 54 organização social vigente, modelo este baseado na exploração e opressão humana; mas podem também se identificar com os interesses das classes exploradas e oprimidas, na perspectiva de selecionar conhecimentos, conteúdos e valores que realcem perspectivas contra-hegemônicas, transformadoras e emancipatórias na sociedade; assim como podem se identificar também com interesses específicos de segmentos de classe45, tais como as preocupações com as questões de gênero, de raça, de etnia e de opção sexual. Assim, o currículo e o “corpus” de conhecimentos que o compõe podem expressar tanto uma orientação para a reprodução quanto para a transformação social. Esta direção para a reprodução ou para a transformação é determinada pela síntese das contradições e conflitos de classe que atuam efetivamente no campo educacional, ou seja, o currículo é uma prática de consensos e conflitos em torno de projetos de formação humana. “É produto das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo” (APPLE, 2008, p. 59). Neste sentido, o currículo não é um fenômeno educativo estático (como qualquer outro fenômeno social), mas está em constante movimentação, isto é, em um fluxo contínuo (ou descontínuo) que envolve diferentes sujeitos (responsáveis dos alunos, alunos, professores, administradores escolares, assessores pedagógicos, técnicos educacionais, avaliadores, agentes governamentais, parlamentares e governantes, no caso da educação formal), que não atuam individualmente, mas coesos com interesses históricos de uma determinada classe social, em diferentes situações e contextos. O entendimento dos diferentes contextos em que o currículo é decido, selecionado, organizado e influenciado por esses sujeitos ou grupos sociais permite identificar o desenvolvimento de fases ou contextos do currículo. Brophy (1982 apud 45 Utilizo a expressão classes sociais e segmentos ou frações de classe, com base na teoria marxista que concebe a organização básica da sociedade em duas classes fundamentais, opostas e de interesses antagônicos, os trabalhadores e a burguesia, além da flutuante pequena-burguesia. Contudo, considero que as classes não são homogêneas, ou seja, existem setores, grupos, frações ou subclasses no interior das duas classes principais, com especificidades próprias, tais como as mulheres, os negros, os homossexuais e outros. Tal característica se acentua ainda mais em tempos de trabalho desproletarizado, subproletarizado e heterogeneizado (ANTUNES, 2000). No entanto, não concordo com o pensamento pós-moderno de particularizar o indivíduo ou os grupos locais em detrimento do coletivo maior (a classe social). Assim, vislumbro que há uma distinção muito nítida nas relações sociais de exploração e opressão, por exemplo, entre negros, mulheres e homossexuais pertencentes à classe trabalhadora, e negros, mulheres e homossexuais que pertencem à classe que domina econômica e politicamente a sociedade. 55 SACRISTÁN, 2000) distingue sete contextos curriculares: o currículo oficial, o currículo em nível local, o currículo de uma determinada escola, o currículo transformado pelos professores, o currículo realizado pelos professores, o currículo do processo de ensino e o currículo que os alunos realmente aprendem. Já Pacheco (2005) explica que: Enquanto processo contínuo de decisão, o currículo é uma construção que ocorre em diversos contextos a que correspondem diferentes fases e etapas de concretização e que se situam entre perspectivas macro e microcurriculares. De um modo global, consideram-se três os contextos/ níveis de decisão curricular: político/administrativo – no âmbito da Administração central; de gestão – no âmbito da escola e da administração regional; de realização – no âmbito da sala de aula. (PACHECO, 2005, p. 49-50). Com base nesses contextos de decisão curricular, Pacheco (2005) e Sacristán (2000) delimitam seis fases complementares em que o currículo é selecionado, organizado e transformado, a saber: 1) Currículo prescrito, oficial ou escrito: é o currículo sancionado pela “Administração central”, ou seja, pelo Estado Nacional e adotado pelas instituições educativas. Envolve os planos, programas e diretrizes curriculares globais para a educação de uma nação. 2) Currículo apresentado: é o meio em que o currículo prescrito é apresentado aos professores, sendo o caso, por exemplo, de manuais escolares, livros textos, cd-rons, programas televisivos, sítios virtuais, etc. Esta fase é sujeita às interpretações de quem analisa o currículo prescrito e existe somente se os professores não trabalham diretamente com o currículo oficial. 3) Currículo programado, planificado, moldado ou percebido: é o currículo materializado no Projeto Político Pedagógico da instituição escolar. Nesta fase, o currículo prescrito ou o apresentado é percebido e moldado pelos professores e demais agentes que atuam diretamente na instituição escolar. É o modelamento do currículo prescrito pelos professores, o que se traduz em um plano para a instituição escolar, o que normalmente equivale ao PPP da instituição. 4) Currículo real, em ação, operacional ou como atividade de sala de aula: é o currículo que se situa no contexto direto da prática pedagógica, do cotidiano da escola e da sala de aula. 56 5) Currículo realizado: são os resultados vivenciados pelos alunos e professores do currículo real, porém estando além de uma relação direta com este último, pois envolve aspectos cognitivos, sociais, afetivos e morais e está permeado por outras relações educativas que não necessariamente as que se dão no âmbito da escolarização formal. 6) Currículo avaliado: é a fase em que o currículo operacional, programado, apresentado ou prescrito é avaliado por alunos, professores, pais e demais agentes educacionais. Pacheco (2005) e Sacristán (2000) apresentam ainda uma figura46 ilustrativa das relações entre estas distintas fases descritas. Para melhor visualização do leitor, apresento, na figura 2 a seguir, uma adaptação47 da representação construída por esses autores, em que cada círculo representa uma fase ou contexto curricular: Figura 2 – Fases de desenvolvimento do currículo 46 Na figura apresentada pelos autores, o currículo é representado por retângulos contidos um no outro, como um fluxograma. 47 Nesta adaptação, as fases são representadas por círculos não concêntricos, entrelaçados entre si, numerados na ordem hierárquica em que foram apresentados. Nesta perspectiva de visualizar o desenvolvimento curricular, as fases não são totalmente inclusas uma na outra, ou seja, há “partes” do currículo que “ficam de fora” da fase curricular precedente. Assim, pode-se aferir que o currículo prescrito não necessariamente pode se manifestar na íntegra no currículo programado; que o currículo programado pode não corresponder totalmente ao currículo real; e que este último pode expressar pouco do currículo prescrito, assim como uma maior aproximação dos cícurlos, ou seja, das fases, também é possível. 5 4 3 2 1 Fonte: adaptado de Pacheco (2005) e Sacristán (2000). 57 Os autores explicam ainda que vários modelos de contextos curriculares ou níveis de decisões curriculares podem coexistir mutuamente. Pacheco (2005) sintetiza duas perspectivas de organização destas fases ou contextos: uma prescritiva, linear ou diferenciada, outra flexível, interdependente ou colaborativa. Quando o currículo implementado na instituição educativa (currículo real) não corresponde às decisões das esferas ou fases superiores (currículo prescrito, apresentado ou programado), tem-se, neste caso, o que se denomina currículo oculto. O currículo oculto ocorre justamente quando surgem lacunas entre o que foi prescrito ou programado e a realidade da práxis curricular, quando o currículo real não corresponde ao currículo oficial, ou seja, quando os efeitos previstos na planificação do currículo não foram alcançados ou resultaram em efeitos não previstos. De acordo com Pacheco (2005): Sobre o currículo oculto é possível identificar quatro significados principais nos discursos curriculares: expectativas não oficiais; resultados de aprendizagem não previstos; mensagens implícitas presentes na estrutura escolar; intervenção dos alunos. (PACHECO, 2005, p. 54) O currículo oculto ocorre sem que professores, alunos e demais agentes envolvidos no processo educacional saibam da sua existência e como ocorre essa existência. De acordo com Apple (2006a), o ensino oculto é uma prática de conflitos entre a reprodução cultural e social e a resistência aos modelos oficiais de conhecimento curricular. Entretanto, mais do que identificar a presença de um ensino oculto e o seu caráter em uma instituição educativa, é necessário entender como se dá essa reprodução e esse controle em nível de conhecimentos selecionados no currículo manifesto, pois, como Apple afirma: O controle social e econômico ocorre nas escolas não somente sob a forma das disciplinas ou dos comportamentos que ensinam – as regras e rotinas para manter a ordem, o currículo oculto que reforça as normas de trabalho, obediência, pontualidade, etc. O controle é também exercido por meio das formas de significado que a escola distribui: o “corpus formal do conhecimento escolar” pode tornar-se uma forma de controle social e econômico. (APPLE, 2006a, p. 103). Assim, neste estudo optei por averiguar sobre o currículo prescrito e o currículo programado pelos professores, o que corresponde as fases 1 e 3 do 58 modelo de desenvolvimento curricular de Pacheco (2005) e Sacristán (2000)48. Os outros contextos de seleção e decisão curricular (as fases do currículo real, realizado e avaliado) não compõem o objeto deste estudo pela complexidade de relações que perfazem e pelas limitações temporais impostas nesta pesquisa. No Brasil, o currículo prescrito ou oficial é composto por um conjunto de normas, resoluções e legislações que delimita parâmetros e diretrizes que orientam sua construção nas instituições educativas. De acordo com Rocha (2001), o currículo prescrito possui várias funções: a) estabelecer uma cultura comum para toda a sociedade por meio de um projeto unificado de educação nacional, contribuindo para uma homogeneização e normalização cultural; b) garantir igualdade de oportunidades propiciadas pelos mínimos curriculares que deve expressar a cultura válida pelo Estado; c) organizar o saber e a sequência de progresso pela escolarização e especialidades; d) controlar a prática de ensino na sala de aula, ou ainda, pré-condicionar esta prática aos interesses de quem prescreve o currículo oficial; e) controlar a qualidade do sistema educativo na ótica do que é selecionado e culturalmente válido, seja por normatizações dos procedimentos da prática de ensino ou por avaliações oficiais externas às instituições educativas. O currículo oficial delimitado neste estudo se restringe às normatizações e diretrizes que orientam a formação de professores de Educação Física. Já o currículo programado, planificado ou moldado pelos professores equivale às interpretações, adequações e modificações realizadas no currículo oficial e materializadas nas propostas curriculares dos PPP dos seis cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará selecionados para esta pesquisa. Em ambas as situações, o currículo desenvolve uma prática de seleção cultural, em que os conhecimentos científicos, filosóficos e culturais, os valores, os hábitos, os comportamentos e a atitudes são selecionados e organizados em conhecimentos escolares. De acordo com Santomé (1998): 48 A fase 2, o currículo apresentado, não existe no caso particular dos cursos de licenciatura em Educação Física, uma vez que os professores e os demais agentes das instituições formativas trabalham diretamente com o currículo prescrito via Diretrizes Curriculares oficiais. 59 A tarefa educacional efetuada na instituição escolar é realizada mediante uma seleção, organização, análise crítica e reconstrução dos conhecimentos, crenças, valores, destrezas e hábitos, que são conseqüências do desenvolvimento sócio-histórico, isto é, construídos e aceitos como valiosos por uma sociedade determinada. (SANTOMÉ, 1998, p. 95). Os princípios para a seleção e organização dos conhecimentos curriculares têm sido uma questão de bastante interesse para os estudiosos do campo do currículo, pois estes princípios envolvem questões políticas, ideológicas, sociais e econômicas. Goodson (2010) demonstra em sua pesquisa histórica sobre o currículo como este fora utilizado para diferenciar classes sociais, a partir da diferenciação dos conhecimentos selecionados para cada classe ou segmento de alunos. Em uma passagem interessante sobre o século XIX, o autor explicita nitidamente as diferenças dos conhecimentos curriculares entre os filhos das classes mais abastadas da sociedade e os filhos da classe proletária: Em 1868, a escolarização até os 18 ou 19 anos de idade destinava-se aos filhos das famílias de boa renda, independentemente da atividade desenvolvida pelos pais, ou aos filhos de profissionais e homens de negócio, cujas rendas os situassem no mesmo nível. Tais alunos seguiam um currículo essencialmente clássico. O segundo grau, até os 16 anos de idade, destinava-se aos filhos das “classes mercantis”. Parta esses, o currículo tinha orientação menos clássica e já um tanto prática. O terceiro grau, para alunos de até 14 anos, era destinado aos filhos dos “pequenos proprietários agrícolas, pequenos comerciantes e artesãos superiores”. O currículo, nesta graduação, baseava-se nos três erres (“R”): (ler, escrever, contar), mas ministrava conhecimentos em nível bastante elevado. Essas três graduações abrangiam a escolarização secundária completa. Entrementes, a maior parte da classe operária permanecia na escola elementar, onde os alunos aprendiam os rudimentos referentes aos três “R”. Nessa época da história, o currículo funcionava, a um tempo, como principal identificador e mecanismo de diferenciação social. Este poder de determinar e aplicar a diferenciação conferiu ao currículo uma posição definitiva na epistemologia da escolarização. (GOODSON, 2010, p. 34-35). Como demonstra o autor, esse processo de diferenciação curricular, ou seja, as diferenças do tempo e do conteúdo curricular selecionado, estava umbilicalmente relacionado às diferenças de classes sociais, o que trazia consequências para o projeto de escolarização da sociedade e para o domínio de uma classe social por outra, a partir do poder de seleção do currículo. Também para Apple (2006a), a seleção curricular é uma questão de poder, pois envolve decisões de interesses particulares de classes e grupos. Ao se 60 selecionar determinado conteúdo ou conhecimento em detrimento de outro, está se legitimando o conhecimento de um grupo ou de uma classe em detrimento de outras que passam a ser consideradas ilegítimas ou marginais. Do mesmo modo, para Sacristán (2000): A seleção cultural que compõe o currículo não é neutra. Buscar componentes curriculares que constituam a base da cultura básica, que formará o conteúdo da educação obrigatória, não é nada fácil e nem desprovida de conflitos, pois diferentes grupos e classes sociais se identificam e esperam mais de determinados componentes do que de outros. Inclusive os mais desfavorecidos vêem nos currículos acadêmicos uma oportunidade de redenção social, algo que não vêem tanto nos que têm como função a formação manual ou profissionalizante em geral. (SACRISTÁN, 2000, p. 62). Silva (2007, p. 15) também afirma que o currículo “[...] é sempre o resultado de uma seleção”, seja de conhecimentos ou saberes, o que remete ao currículo a tarefa de modificar ou moldar as pessoas. Para esse autor, cada modelo de ser humano corresponde a uma determinada seleção curricular, ou seja, o currículo, por meio dos conhecimentos e valores que o constituem, forja a nossa identidade e subjetividade humana. Por fim, Santomé (1998) faz a seguinte observação: A questão é como selecionar e organizar a cultura e a ciência da humanidade para que possa ser assimilada e para que também sejam construídas as destrezas, habilidades, procedimentos, atitudes e valores que ajudarão esses alunos e alunas a incorporar-se à sociedade, como membros de pleno direito. (SANTOMÉ, 1998, p. 96). Assim, o estudo da seleção curricular, de seus mecanismos, dos sujeitos e grupos institucionais nele envolvidos e dos conteúdos selecionados é de fundamental importância para entender o projeto de dominação das elites burguesas no campo educacional e curricular, assim como para vislumbrar possibilidades alternativas de resistência, tendo em vista um amplo projeto de escolarização para a classe trabalhadora. Os currículos dos cursos de licenciatura em Educação Física também resultam de um processo de seleção curricular que é intencional e reflete os interesses de grupos e classes sociais na direção de um determinado projeto de formação humana, o que subjaz um determinado projeto histórico de sociedade. Destarte, na delimitação desta seleção curricular estão incutidas certas concepções 61 de Educação Física e determinados modelos de profissionalidade docente que serão discutidos nas seções subsequentes. A seguir, analiso de maneira mais detida a questão da seleção curricular por meio de conteúdos e, posteriormente, acerco-me dos conteúdos selecionados no currículo prescrito e programados dos cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará. 2.2 O QUE SÃO CONTEÚDOS CURRICULARES? O currículo como um conjunto de conhecimentos que são selecionados, organizados, tratados pedagogicamente, experimentados, vivenciados e avaliados, se efetiva na forma de conteúdos curriculares. “O conteúdo é a condição lógica do ensino, e o currículo é, antes de mais nada, a seleção cultural estruturada [...] dessa cultura que se oferece como projeto para a instituição escolar” (SACRISTÁN, 2000, p. 19). As relações entre currículo, sociedade e cultura são explicitadas por Pacheco (2005). Segundo esse autor, a cultura é o principal elo entre o currículo e a sociedade. A cultura se torna, na forma de conhecimentos ou conteúdos, o principal elemento de mediação entre a prática curricular e a sociedade. “É neste sentido que o conteúdo escolar tem sido uma das questões mais marcantes da teorização curricular” (PACHECO, 2005, p. 69). Desse modo, as diversas formas de teorização curricular, sejam elas tradicionais, críticas ou pós-críticas, se preocupam com a questão dos conteúdos curriculares, concebendo-os como um elemento técnico e racionalizante (teorias tradicionais do currículo); como formas ideológicas de dominação e controle ou formas críticas de apreender a realidade e a sociedade (teorias críticas); ou como um complexo de textos, temas, representações e práticas discursivas (teorias pós- críticas). De acordo com Sacristán (2000), o currículo possui duas dimensões que se complementam: a forma e o conteúdo. Segundo o mesmo autor, 62 o currículo é, antes de tudo, uma seleção de conteúdos culturais peculiarmente organizados, que estão codificados de forma singular. Os conteúdos em si e a forma ou códigos de sua organização, tipicamente escolares, são parte integrante do projeto [cultural]. (SACRISTÁN, 2000, p. 35, grifos do autor). Assim, apreender estes dois elementos do currículo, o conteúdo em si e a forma de sua organização, é fundamental para o entendimento do projeto cultural que se pretende para o país, para uma dada instituição educativa ou, no caso específico deste estudo, para os cursos de formação de professores de Educação Física. Em uma aproximação mais conceitual do conteúdo em si, valho-me inicialmente de José Carlos Libâneo, quando este define que conteúdos são [...] o conjunto de conhecimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos e atitudinais de atuação social, organizados pedagogicamente e didaticamente, tendo em vista a assimilação ativa e a aplicação pelos alunos na sua prática de vida. Englobam, portanto: conceitos, idéias, fatos, processos, princípios, leis científicas, regras; habilidades cognoscitivas, modos de atividade, métodos de compreensão e aplicação, hábitos de estudo, de trabalho e de convivência social; valores, convicções, atitudes. (LIBÂNEO, 1994, p. 128). O autor apresenta três elementos centrais que constituem o conteúdo: a) conhecimentos sistematizados: são conceitos, fatos, fenômenos, métodos e processos históricos das ciências, das leis fundamentais da realidade e do contexto econômico, político, social e cultural; b) habilidades e hábitos: são ações que se desenvolvem de modo a tornar o aluno mais eficaz em uma tarefa, por exemplo, destacar propriedades essenciais de objetos ou fenômenos, fazer relações, comparar, diferenciar, organizar, classificar, fazer sínteses e esquemas, etc. É crucial dizer que “hábitos podem preceder habilidades e há habilidades que se transformam em hábitos. Por exemplo, habilidade em leitura pode transformar-se em hábito de ler e vice-versa” (LIBÂNEO, 1994, p. 131); e c) atitudes e convicções: são comportamentos do aluno frente a situações e problemas concretos da vida real, são, portanto, “modos de agir, de sentir e de se posicionar frente a tarefas da vida social” (LIBÂNEO, 1994, p. 131). Para o pedagogo espanhol Antoni Zabala, o conteúdo deve expressar algo mais amplo do que conceitos, teorias e conhecimentos, devendo envolver também 63 outras naturezas como técnicas, atitudes e habilidades. De acordo com o mesmo autor, deve-se entender por conteúdo [...] tudo quanto se tem que aprender para alcançar determinados objetivos que não apenas abrangem as capacidades cognitivas, como também incluem as demais capacidades. [...] Portanto, também serão conteúdos de aprendizagem todos aqueles que possibilitem o desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e de inserção social. (ZABALA, 2007, p. 30). Por sua vez, o também educador espanhol Cézar Coll Salvador, um dos principais coordenadores da reforma do sistema educacional da Espanha na década de 1990 e inspirador de reformas curriculares em vários países da América Latina, incluindo o Brasil, onde realizou consultorias junto ao MEC para a elaboração dos atuais PCN, explicita a sua compreensão de conteúdo da seguinte forma: Em primeiro lugar, os conteúdos curriculares são uma seleção de formas ou saberes culturais em um sentido muito próximo, aquele que é dado a essa expressão na antropologia cultural: conceitos, explicações, raciocínios, habilidades, linguagens, valores, crenças, sentimentos, atitudes, interesses, modelos de conduta, etc. Em segundo lugar, são uma seleção de formas ou saberes culturais cuja assimilação é considerada essencial para que se produza um desenvolvimento e uma socialização adequada dos alunos e alunas dentro da sociedade a qual pertencem; isso quer dizer que nem todos os saberes ou formas culturais são suscetíveis de constar como conteúdos curriculares, mas somente aqueles cujas assimilação e apropriação são consideradas fundamentais. E, em terceiro lugar, aplica-se ainda um critério de seleção complementar, na medida em que somente os saberes e as formas culturais cuja assimilação correta e plena requer uma ajuda específica deveriam ser incluídos como conteúdos de ensino e de aprendizagem nas propostas curriculares (COLL et al., 1998, p. 13, grifos do autor). Estes dois autores, Zabala (2007) e Coll et al.(1998), classificam os conteúdos em três tipos: conceituais, procedimentais e atitudinais. Estes não são separados uns dos outros e se relacionam às questões de “saber”, “saber-fazer” e “ser”. De acordo com esta tipologia: a) os conteúdos conceituais se referem à apreensão de conceitos, fatos, princípios, acontecimentos, dados e fenômenos da realidade; b) os conteúdos procedimentais são ações ordenadas para uma determinada finalidade, ou seja, para a realização de um objetivo ou meta pré- estabelecida. Incluem-se como procedimentais as regras, técnicas, métodos, destrezas ou habilidades, estratégias, procedimentos, tais como, ler, desenhar, observar, classificar, calcular, etc. e; c) os conteúdos atitudinais referem-se a certas 64 disposições de agir com base em determinadas avaliações duradouras (emissão de juízos de valor) de situações, pessoas, fenômenos ou objetos. Como exemplos de conteúdos atitudinais, pode-se citar a solidariedade, o respeito ao próximo, o respeito ao meio ambiente, a cooperação em grupo, a participação social, etc. Identifico uma unidade entre os três autores mencionados acima sobre a definição de conteúdo. Libâneo (1994), Coll et al.(1998) e Zabala (2007) apontam três dimensões do conteúdo: conhecimentos, ações ou comportamentos e atitudes humanas. Estes são o objeto do conteúdo que precisa ser apreendido pelos alunos para o seu desenvolvimento, socialização e prática de vida. Entretanto, há uma diferença essencial entre esses autores: enquanto Libâneo (1994, p. 129) assume que “os conhecimentos e modos de ação são frutos do trabalho humano”, elevando o trabalho como categoria ontológica do ser humano49 e alicerçando-se assim em um referencial filosófico materialista; Coll et al. (1998) e Zabala (2007) consideram que os conteúdos advêm de “saberes culturais” frutos dos processos de socialização e individualização humana, aproximando-se de uma concepção idealista de mundo. Estas diferenças de aporte epistemológico têm consequências práticas, pois, em José Carlos Libâneo, os conteúdos escolares nas sociedades baseadas na divisão social do trabalho, como o modo de produção capitalista, o conhecimento ou saber escolarizado adquire um caráter de classe, ou seja, o saber é predominantemente reservado ao usufruto das classes sociais economicamente favorecidas as quais, freqüentemente, o transformam em idéias e práticas convenientes aos seus interesses e as divulgam como válidas para as demais classes sociais. (LIBÂNEO, 1994, p. 129) Desse modo, na concepção do autor, os conteúdos curriculares possuem um caráter de classe não pela sua origem em si, mas pela organização e contexto social no qual o processo educacional em geral (e os conteúdos selecionados em particular) se insere, isto é, pela apropriação dos conteúdos historicamente 49 O trabalho ontológico é uma categoria do materialismo histórico e dialético que explica como o ser humano surgiu, evoluiu e se desenvolveu enquanto ser histórico e social. Nesta perspectiva, o trabalho é a relação do homem com a natureza para produzir os meios de subsistência humana. Assim, o homem, ao se relacionar com a natureza para garantir sua sobrevivência, transforma a natureza e, ao transformá-la, transforma a si mesmo. De acordo com Engels (s/d, p. 1) o trabalho é “[...] a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem.” 65 desenvolvidos pela humanidade por uma classe e pela consequente negação deste mesmo conteúdo para a classe trabalhadora. Na perspectiva teórica deste autor, a Pedagogia Histórico-Crítica, que tem entre suas principais referências o professor Dermeval Saviani, a importância dada aos conhecimentos sistematizados é fundamental, pois a função primordial da escolarização é democratizar ou socializar o saber, principalmente o saber científico (conteúdos conceituais) ao conjunto da sociedade. Neste sentido: A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitem o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica devem organizar-se a partir dessa questão. Se chamarmos isso de currículo, poderemos então afirmar que é a partir do saber sistematizado que se estrutura o currículo da escola elementar. Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Daí que a primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber seja aprender a ler e a escrever. Além disso, é preciso conhecer também a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Esta aí o conteúdo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais (história e geografia humanas). (SAVIANI, 2005, p. 15). Assim, nesta concepção pedagógica, defende-se o acesso aos conteúdos clássicos como elemento fundamental na elaboração do currículo. Mas não só isto: para o acesso a esses conteúdos, faz-se necessário garantir o processo de transmissão-assimilação e, mesmo, o automatismo no processo de aprendizagem como condição sine qua non para a liberdade humana (SAVIANI, 2005). Tal perspectiva de entender o conteúdo em si e o papel deste em um projeto curricular não deve ser confundido com as concepções tradicionais e técnico- racionalizantes de currículo, uma vez que os conteúdos são analisados no contexto da divisão social de classes e na perspectiva de emancipação da classe trabalhadora. Para Libâneo (1994), o conteúdo deve ser tratado em uma dimensão crítico- social, ou seja, deve ser balizado por um tratamento científico, histórico e prático (prática social concreta de vida dos educandos), pois deste modo a apropriação dos conhecimentos pelos trabalhadores, na medida em que se articula com as condições e lutas concretas que se dão na vida prática, pode desenvolver determinadas condições subjetivas – isto é, consciência de seus interesses e necessidades – que, impulsionadas por processos objetivos de luta, podem conduzir à transformação das condições sociais presentes. (LIBÂNEO, 1994, p. 139). 66 Na outra perspectiva de entender o conteúdo em si, Coll et al. (1998) pretende superar a concepção tradicional de conteúdo presente na educação, normalmente associada às ideias mecânicas de transmissão-assimilação de conhecimentos cumulativos e à ênfase que este elemento (conteúdo) possui no trabalho pedagógico escolar. O autor se apropria de estudos com base em Jean Piaget50 e nas teorias cognitivistas e construtivistas para elaborar sua concepção de conteúdo. De acordo com a reforma curricular espanhola proposta por César Coll, os conteúdos continuam tendo sua importância no processo de escolarização. Porém, estes não podem mais estar baseados em uma interpretação transmissiva e acumulativa, devendo ser desenvolvidos a partir de uma perspectiva construtivista do ensino, ou seja, “tudo depende de quais conteúdos se quer ensinar e, sobretudo, de como eles são ensinados e como eles são aprendidos” (COLL et al., 1998, p. 12). Desse modo, o autor defende a ampliação e a diferenciação dos conteúdos curriculares para além do saber científico sistematizado, pois estes conhecimentos compõem apenas um tipo de conteúdo, que, segundo o autor, possui um peso excessivo no currículo escolar, o que deve ser revertido para outras atividades de aprendizagem, ou seja, para procedimentos, atitudes, valores e normas. Assim, os conteúdos clássicos tradicionais, aparentemente, não são totalmente negados na proposta do autor, mas deve haver “[...] uma redução ao tempo dedicado aos mesmos” (COLL et al., 1998, p. 19). Da mesma forma, Zabala (2007), seguidor das ideias de César Coll e do aporte teórico do construtivismo, também indica a não prioridade do ensino sobre os chamados conteúdos conceituais e defende o equilíbrio das diferentes tipologias de conteúdos no currículo escolar. Uma primeira consideração a respeito da concepção de Cézar Coll e Antoni Zabala sobre conteúdos curriculares está relacionada justamente à ideia de secundarização dos conteúdos de caráter conceitual, isto é, de conhecimentos 50 Sir Jean William Fritz Piaget (1896-1980) foi um estudioso suíço da aprendizagem e do desenvolvimento do ser humano. Piaget foi biólogo, doutor em ciências naturais e posteriormente se dedicou aos estudos da psicologia, epistemologia e educação. Sua grande contribuição ao pensamento educacional está relacionada à teoria da epistemologia genética e à teoria cognitiva. Foi professor de psicologia da Universidade de Genebra e possui mais de setenta livros publicados. Seus estudos influenciaram grandemente o desenvolvimento dos campos da psicologia e da educação, suas idéias conformaram a base teórica de sustentação do movimento escolanovista no Brasil. (JEAN..., 2011). 67 científicos e sistematizados, tidos como clássicos, em detrimento aos demais conteúdos. Ao igualar-se as diferentes tipologias de conteúdo, inverte-se a lógica do papel fundamental da escola: a socialização dos saberes sistematizados historicamente constituídos pela humanidade passa para segundo plano. Nas palavras de Saviani (2005, p. 16): “Com isso, facilmente, o secundário pode tomar o lugar daquilo que é principal, deslocando-se, em conseqüência, para o âmbito do acessório aquelas atividades que constituem a razão de ser da escola.” E qual é a razão de ser da escola? A resposta a esta pergunta é essencial para o entendimento dos conteúdos curriculares, uma vez que estes estão alicerçados em um determinado projeto de escolarização. Assim, recorro novamente a Savini (2005) para reafirmar minha posição: A escola é uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber sistematizado. Vejam bem: eu disse saber sistematizado; não se trata, pois, de qualquer tipo de saber. Portanto, a escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e não à cultura popular. Em suma, a escola tem a ver com o problema da ciência. Com efeito, ciência é exatamente o saber metódico, sistematizado. (SAVIANI, 2005, p. 12). Esta questão traz à tona e se relaciona a uma segunda consideração a respeito das ideias defendidas por Coll et al.(1998) e Zabala (2007): o processo de transmissão-assimilação dos conteúdos. Na proposta destes autores, esse processo é identificado com o ensino tradicional, por representar um esquema puramente mecânico na aprendizagem, devendo, portanto, ser abandonado por outras formas de aprendizagens significativas pelos alunos. Todavia, Newton Duarte (2008), baseado no psicólogo russo Alexei Leontiev, explica que [...] a transmissão do conhecimento pela escola não tem como produto necessário a passividade do aluno e a aprendizagem mecânica. É necessário definir mais claramente o que significa transmissão de conhecimentos indo além da visão negativa sobre essa transmissão, visão essa criada e difundida por construtivistas e escolanovistas. Até mesmo do ponto de vista antropológico essa negativa em relação ao ato de ensinar é algo questionável pois uma das características que distinguem os seres humanos das demais espécies animais é a capacidade de produção/ reprodução da cultura por meio de sua transmissão contínua às novas gerações (DUARTE, 2008, p. 210). 68 Desta feita, ao contrário do que os estudiosos espanhóis (Antoni Zabala e Cézar Coll) apresentam em termos de novidade sobre conteúdos curriculares, o que se percebe na concepção desses autores é a negação de uma das tarefas clássicas da escola, ou seja, a transmissão-assimilação do saber escolar. Para melhor elucidação desta questão, cito novamente Dermeval Saviani: Ora, clássico na escola é a transmissão-assimilação do saber sistematizado. Este é o fim a atingir. É aí que cabe encontrar a fonte natural para elaborar os métodos e as forma de organização do conjunto das atividades da escola, isto é, do currículo. E aqui nós podemos recuperar o conceito abrangente de currículo: organização do conjunto das atividades nucleares distribuídos no espaço e tempo escolares. Um currículo é, pois, uma escola funcionando, quer dizer, uma escola desempenhando uma função que lhe é própria. Vê-se, assim, que para existir a escola não basta a existência do saber sistematizado. É necessário viabilizar as condições de sua transmissão e assimilação. Isso implica dosá-lo e seqüenciá-lo de modo que a criança passe gradativamente do seu não-domínio ao seu domínio. Ora, o saber dosado e seqüenciado para efeitos de sua transmissão-assimilação no espaço escolar, ao longo de um tempo determinado, é o que nós convencionamos chamar de “saber escolar”. (SAVIANI, 2005, p. 18). Como se observa, para o autor, representante da Pedagogia Histórico-Crítica, o processo de transmissão-assimilação é central para o projeto curricular da escola. Assim, a forma de conceber os conteúdos curriculares a partir de Coll et al.(1998) e Zabala (2007) tem profundas consequências para o projeto de escolarização da classe trabalhadora, pois exclui esta classe do acesso ao conhecimento científico ou saber escolar e transfere a questão central da escola, o acesso ao conhecimento, para questões psicológicas da aprendizagem, causando um verdadeiro “esvaziamento” da instituição escolar. Não por acaso, tal entendimento de conteúdos curriculares esteve presente nas reformas curriculares implementadas na década de 1990 em diversos países do mundo (MIRANDA, 2000). Reformas estas, como no caso brasileiro (PCN e DCN), que visaram a readequação das tarefas educacionais às novas necessidades formativas da sociedade capitalista. Portanto, apesar da retórica discursiva destes teóricos espanhóis, aparentemente neutros, na constituição de um novo modismo educacional (ROSSLER, 2000), concordo com o prognóstico de que tais pensamentos estão vinculados “visceralmente” à ideologia da classe dominante e adequados à lógica do capitalismo contemporâneo (DUARTE, 2008). 69 Após este extenso e necessário debate sobre a compressão dos conteúdos curriculares em si, passo nesse momento à discussão sobre as formas de como estes conteúdos se materializam no âmbito curricular. Existem diversas formas de organizar os conteúdos em um currículo, o que remete a diferentes proposições curriculares. Macedo (2007) explicita várias destas propositivas: o currículo rizomático, com o foco no bios, multireferencial, por problemas, por projetos, por temas geradores, por problematizações, por módulos de aprendizagem, em rede ou hipertextual e por ciclos de formação. Pela grande variedade e complexidade teórica destas proposições, não há como discorrer nesta pesquisa sobre todas elas. Assim, para fins deste estudo, vou me deter particularmente ao “modelo disciplinar”, pois esta forma de organização tem sido historicamente utilizada no currículo escolar brasileiro. Além disso, tal modelo é o balizador das propostas curriculares atuais dos cursos de licenciatura em Educação Física selecionados nesta investigação. A forma mais comum de organização dos conteúdos curriculares é o clássico “modelo linear disciplinar”, caracterizado como um conjunto de disciplinas sobrepostas umas às outras, que representam diferentes parcelas ou fragmentos do conhecimento. Este modelo tem sido historicamente utilizado na organização curricular da Educação Básica e do Ensino Superior brasileiro. De acordo com Santomé (1998), uma disciplina é uma forma particular de organizar e delimitar o conhecimento que vem se desenvolvendo desde o início do século XIX nos países europeus desenvolvidos, a partir das transformações advindas do processo de especialização do trabalho produtivo industrial. Segundo o mesmo autor: As técnicas e saberes foram se diferenciando progressivamente; por sua vez, as linguagens que os caracterizavam foram se especializando e circunscrevendo a âmbitos específicos. Deste modo surge o conceito de disciplina com um objeto de estudo, marcos conceituais, métodos e procedimentos específicos. (SANTOMÉ, 1998, p. 56, grifo do autor). Santomé realiza diversas críticas aos conteúdos curriculares organizados por disciplinas. Para ele, as disciplinas são estruturas abstratas que legitimam uma forma de conceber o conhecimento e a realidade; possuem uma forte “classificação” 70 e “enquadramento” 51; conformam um tipo de conhecimento chamado “acadêmico” sem bases na realidade social; negam a capacidade crítica e de reflexão, assim como o entendimento da constituição dos conhecimentos por conflitos históricos e; possuem geralmente uma metodologia de trabalho ou “estética da apresentação” baseada na “aula magistral”, em que o professor detém a verdade, a autoridade e o poder absoluto no controle e na transmissão do saber (SANTOMÉ, 1998). Os conteúdos curriculares organizados em disciplinas fragmentam a realidade em blocos de conhecimentos fixos e estanques, o que prejudica o entendimento e a problematização da realidade social, econômica e política em que o aluno está inserido. Nesta forma de organizar os conteúdos, por exemplo, a disciplina Educação Física não possui relações com a Língua Portuguesa, com as Ciências Naturais, com a História, a Geografia ou a Matemática, nem mesmo com os problemas do meio ambiente, do trabalho, da economia e da política. Essa forma de conceber a Educação Física impede a utilização dos conhecimentos e conteúdos desta área do conhecimento na resolução de problemas concretos da vida voltados à superação das contradições da realidade social em que o aluno se insere. O mesmo exemplo é válido para as demais disciplinas. Desta forma, tal modo de organizar e selecionar os conteúdos curriculares tem trazido duas consequências que são pontuadas por Santomé (1998): a primeira é o amoldamento da forma de pensar o próprio saber ou conhecimento, que “[...] aparece como um fim a-histórico, como algo dotado de autonomia e vida próprias, à margem das pessoas” (p. 107); a segunda é a construção da lógica do fracasso como um dado natural da escolarização, ou seja, a culpabilidade do indivíduo pelo seu próprio fracasso na rede educacional, isentando a responsabilidade da forma e dos conteúdos curriculares apresentados no ensino formal. Para Santomé (1998): 51 Termos cunhados por Basil Bernstein, “classificação” é um conceito que indica a relação entre as diversas áreas de um conhecimento em um currículo. Quanto maior a separação e o isolamento das áreas do conhecimento, maior a classificação; “enquadramento” se refere às formas de transmissão do conhecimento. Quanto maior o controle do processo de transmissão, maior o enquadramento. (SILVA, 2007). 71 Ao apresentar a alunos e alunas o conhecimento, hábitos, normas de comportamento, valores, etc., considerados imprescindíveis para ser um bom cidadão e cidadã, se lhes transmite ao mesmo tempo que nem todos terão o mesmo acesso a eles. Mostra-se implicitamente aos estudantes que a razão desse fracasso reside exclusivamente nas peculiaridades individuais de cada um. A legitimidade e suposta neutralidade da escola nunca, ou dificilmente, chegará a ser questionada, como tampouco a estrutura competitiva e baseada no mérito que impregna toda a sua organização. (SANTOMÉ, 1998, p. 108). Outro modelo de organizar os conhecimentos e conteúdos curriculares está consubstanciado na ideia de interdisciplinariedade, que se concretiza na proposta de estabelecer maior integração entre os conhecimentos e conteúdos de disciplinas isoladas no currículo. De acordo com Santomé (1998): A interdisciplinariedade é um objetivo nunca completamente alcançado e por isso deve ser permanentemente buscado. Não é apenas uma proposta teórica, mas sobretudo prática. Sua perfectibilidade é realizada na prática; na medida em que são feitas experiências reais de trabalho em equipe, exercitam-se suas possibilidades, problemas e limitações. É uma condição necessária para a pesquisa e a criação de modelos mais explicativos desta realidade tão complexa e difícil de abranger (SANTOMÉ, 1998, p. 66-67). O autor apresenta várias modalidades e tipos de interdisciplinariedade classificadas pelos estudiosos do assunto: pseudo-interdisciplinariedade, interdisciplinariedade heterogênea, auxiliar, composta, complementar, unificadora, linear, estrutural, restritiva, disciplinariedade cruzada, pluridisciplinariedade, multidisciplinariedade e transdisciplinariedade. Estas modalidades e tipos refletem diferentes graus e níveis de integração das disciplinas (SANTOMÉ, 1998). O mesmo autor destaca ainda duas concepções diferenciadas de interdisciplinariedade: a vazia e a crítica. A primeira se reduz a uma aplicação mecânica e a uma integração superficial das informações provenientes das disciplinas, contudo, sem problematizar questões de conflitos sociais. Nesta perspectiva há uma seleção dos conhecimentos que podem ser integrados em detrimentos de outros que continuam isolados. Na segunda concepção, a interdisciplinariedade crítica, a integração dos conhecimentos disciplinares ocorre por uma deliberação coletiva dos sujeitos educacionais em função de problemas sociais públicos e do questionamento dos marcos conceituais, teóricos e metodológicos do próprio conhecimento (SANTOMÉ, 1998). Para além das formas disciplinares e interdisciplinares de organizar os conteúdos curriculares, outros autores realizam proposições de como selecionar e 72 organizar o conteúdo no currículo escolar. Apresento em seguida algumas destas proposições. Santomé (1998) apresenta as propostas de P. Hirst e R. Peters das sete formas de conhecimento que devem ser adquiridas, desenvolvidas e validadas, a saber: científico, matemático, religioso, moral, histórico, sociológico e estético. O autor leva em consideração que cada conhecimento desses possui conceitos centrais e peculiares, uma lógica interna própria, diferentes métodos, técnicas e destrezas particulares de exploração da realidade e da experiência humana. Outra proposição também exposta por Santomé (1998) é a realizada por P.H. Phenix, baseada em sistemas simbólicos e decodificações de significados classificados em: simbólico (que inclui disciplinas como a linguagem, a matemática e formas simbólicas não discursivas), empírico (ciências físicas, ciências da vida, psicologia e ciências sociais), estético (música, artes visuais, artes do movimento e literatura), sinóptico (história, religião e filosofia), ético (áreas com a preocupação moral e ética) e sinoético (aspectos existenciais da filosofia, psicologia, literatura e religião). Sacristán (2000) apresenta uma formulação sugerida por Skilbeck, composta das seguintes áreas: artes e ofícios (que incluem literatura, música, artes visuais, dramatização, trabalho com madeira, metal, plástico, etc.), estudos sobre o meio ambiente (aspectos físicos do ambiente, aspectos construídos pelo homem, forças que destroem e que mantêm o meio), habilidades e raciocínio matemático (que tem aplicações e relações com outras áreas, tais como a ciência e a tecnologia), estudos sociais, cívicos e culturais (engloba os sistemas políticos, ideológicos, de crenças e valores da sociedade), educação para a saúde (em seus aspectos físicos, mentais e emocionais), conhecimento científico e tecnológico (com aplicações sociais na vida produtiva dos indivíduos e da sociedade), comunicação (inclui códigos verbais e não verbais de conhecimentos ou sentimentos, ocupando-se também da comunicação audiovisual, dos meios de comunicação de massa, etc.), pensamento moral (inclui atos, valores e sistemas de crenças), mundo do trabalho, do ócio e estilo de vida. Sacristán (2000) e Santomé (1998) apresentam ainda a proposta de D. Lawton, que considera nove grandes parâmetros ou sistemas para a seleção cultural do currículo: a estrutura e o sistema social, o sistema econômico, os sistemas de comunicação, o sistema de racionalidade, de tecnologia, de moral, de crenças, o estético e o de amadurecimento. Esses parâmetros seriam invariáveis, isto é, 73 representariam características dos seres humanos independentemente do modelo de sociedade e, portanto, seriam universais; as “variáveis culturais” devem ser levadas em consideração a partir das particularidades de cada país. Nas propostas, modelos e princípios apresentados para selecionar conteúdos curriculares expostos pelos autores acima, percebo uma forma ainda fixa ou pouco flexível entre as distintas áreas e sistemas. Além disso, os conteúdos curriculares continuam fragmentados ou divididos por temas, campos, símbolos ou áreas de conhecimentos. Para exemplificar um conteúdo curricular concreto a partir das proposições expostas acima, utilizo novamente a disciplina Educação Física que abrange os conteúdos das manifestações da cultura corporal (esportes, ginásticas, jogos, danças, lutas, capoeira, mímica, práticas circenses, etc.). Na proposta de P. Hirst e R. Peters, a Educação Física estaria dividida nas formas de conhecimentos científico, moral, histórico, sociológico e estético; na elaboração de P.H. Phenix, estaria presente nas significações simbólicas, empíricas, estéticas, sinópticas e éticas; na proposição de Skilbeck, estaria presente nos estudos sociais, cívicos e culturais, na educação para a saúde, no conhecimento científico e tecnológico, na comunicação, no pensamento moral, no mundo do trabalho, do ócio e do estilo de vida e; na proposta apresentada por Lawton, a Educação Física estaria em todos os sistemas. Santomé (1998) também critica esses modelos por não atingirem o principal problema da seleção curricular, o problema principal continua sendo outro que costumam tornar óbvio: quem, como, quê e porquê se seleciona. O fato dessas estruturas serem universais não nos diz nada sobre o grau de conflito existente no interior de cada um desses sistemas. O lógico é pensar que não existe uniformidade no sistema cultural, moral, estético, de racionalidade, econômico, etc., mas diferenças mais ou menos similares, fruto de uma divergência de interesses e das posições dos diferentes grupos sociais, econômicos, culturais, políticos, religiosos, militares, que convivem em cada sociedade. Portanto, a verdadeira essência da questão consiste em como efetuar esse esvaziamento e essa seleção natural, respeitando a diversidade inerente a cada sistema. (SANTOMÉ, 1998, p. 99-100). O autor apresenta a contribuição do modelo de J. Banks, que leva em consideração a existência de diferentes classes ou tipos de conhecimentos, derivados de perspectivas, propósitos, experiências e valores determinados. Estes tipos de conhecimentos são (SANTOMÉ, 1998): 74 Conhecimento pessoal ou cultural: parte das experiências pessoais dos alunos, em seu ambiente familiar e no conjunto de relações sociais e práticas culturais que estabelecem em sua comunidade. Conhecimento popular: advém das redes de comunicação de massa, tais como televisão, filmes, vídeos, programas de rádio. Este tipo de conhecimento não é articulado e apresenta-se de forma oculta. Conhecimento acadêmico dominante: é construído a partir de conceitos, paradigmas, teorias e explicações compartilhadas pela academia e por organizações científicas; constitui os conhecimentos dominantes das ciências sociais e do comportamento. Conhecimento acadêmico transformador: resulta de conceitos, paradigmas, temas e explicações que influenciam e transformam o conhecimento acadêmico dominante. Conhecimento escolar: é elaborado nas instituições escolares e resulta de conceitos, fatos e generalizações apresentados nos materiais didáticos, manuais de professores e livros didáticos. Geralmente, apresenta-se de forma imutável, descontextualizada das diferentes esferas sociais e servem para reforçar o sistema econômico, social e político dominante. Estas classes de conhecimentos mantêm entre si uma inter-relação dinâmica própria das experiências, dos valores, saberes, propósitos e interesses dos seres humanos. Segundo Santomé (1998), devem ser levadas em consideração na organização de qualquer projeto curricular. Pela relevância teórica que possuem, considero pertinente também resgatar os critérios de seleção de conteúdos expostos na obra de Libâneo (1994): Correspondência entre objetivos gerais e conteúdos: os conteúdos devem estar ligados aos objetivos sociais e pedagógicos da escola na formação cultural e científica das camadas populares, visando a sua instrumentalização para a participação ativa na economia, na sociedade, na política e na cultura, tendo em vista a luta pela transformação social. Caráter científico: os conteúdos devem representar as noções básicas das ciências, transformadas em objetos de ensino, ou seja, o objeto de estudo das ciências deve ser tratado didaticamente para a assimilação e aprendizagem dos alunos. 75 Caráter sistemático: os conteúdos devem ter uma lógica interna de organização, não devem estar dispersos em temas genéricos, sem relações entre si e com a prática social do educando. Relevância social: incorporar os conteúdos às experiências, vivências e situações concretas de vida social dos educandos, no sentido de ampliar o conhecimento da realidade, de modo que eles possam intervir na realidade prática da sociedade. Acessibilidade e solidez: os conteúdos devem ser compatíveis com o nível de desenvolvimento intelectual dos alunos, sendo acessíveis e organizados didaticamente. Por fim, é pertinente pontuar que as recentes transformações do mundo do trabalho advindas da reestruturação produtiva do capital e da globalização dos mercados têm gestado novos modelos de organização do trabalho industrial, tais como os modelos de “acumulação flexível” e o “toyotismo”52, que trazem novas necessidades educativas para a sociedade. Estas novas necessidades do capital perfazem um conjunto de conhecimentos, hábitos, valores e normas que são remodelados ou exigidos nas reformas educativas do final do século XX. Santomé (1998) explicita que esta reordenação do mundo do trabalho tem resultado na ressignificação ou na criação de conceitos no campo da educação e, mais particularmente, no currículo, tais como: a noção de eficiência, rendimento, controle de qualidade, polivalência, flexibilidade, competitividade, competências e habilidades. De acordo com o mesmo autor: Os novos modelos de produção industrial, sua dependência das mudanças de ritmo nas modas e necessidades preferidas pelos consumidores e consumidoras, as estratégias de competitividade e de melhora na qualidade das empresas, exigem das instituições escolares compromissos para formar 52 Toyotismo ou ohnismo (de Taichi Ohno, engenheiro chefe da empresa Toyota) é um modelo de organização da produção industrial criada no Japão, na fábrica da Toyota. As características desse modelo são: produção flexível, ou seja, produzir somente o necessário; a multifuncionalização da mão de obra, em que o trabalhador deve operar várias máquinas simultaneamente; expansão da produção sem expansão do número de trabalhadores, com o aumento variável da intensidade do trabalho; produção diversificada em pequenas quantidades e personalizada; sistemas de controle de qualidade total, em que os próprios operários avaliam toda a produção em todos os pontos do processo produtivo e; a implantação do ideário de uma “Família Toyota” entre os trabalhadores, com o estabelecimento de um sindicalismo parceiro, em que o sindicato contribui para o fortalecimento da empresa. O toyotismo é o principal exemplo de acumulação flexível do capital. (ANTUNES, 2000). 76 pessoas com conhecimentos, destrezas, procedimentos e valores de acordo com esta nova filosofia econômica (SANTOMÉ, 1998, p. 20). Diante deste cenário, urge a necessidade de refletir sobre que conteúdos curriculares estão sendo selecionados e organizados para os cursos de formação de professores, pois tais conteúdos, além de explicitarem que conhecimentos estão sendo privilegiados e negados na formação, também introjetam concepções e modelos de formação docentes. Após esta breve discussão teórica e conceitual sobre currículo, seleção curricular e conteúdos curriculares, inicio as análises sobre os conteúdos curriculares selecionados no currículo oficial dos cursos de formação de professores de Educação Física e, em seguida, sobre as propostas curriculares programadas dos cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará. 2.3 CONTEÚDOS CURRICULARES SELECIONADOS PARA OS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: O QUE PRESCREVE A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL EM VIGOR? A proposta de currículo oficial para formar professores de Educação Física no Brasil está delimitada por vários documentos, leis, decretos, normas e resoluções em nível nacional. Alguns destes meios têm uma amplitude maior por abranger o campo da formação de professores de maneira geral e outros são mais restritos às especificidades dos cursos de graduação em Educação Física. Dentre os documentos oficiais que delimitam conteúdos curriculares para os cursos de formação de professores de maneira geral, alguns normatizam aspectos específicos de inclusão de determinados conteúdos curriculares e outros orientam diretrizes gerais para a construção do currículo na instituição educativa. Tais documentos são apresentados abaixo: Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96): estabelece as diretrizes nacionais da educação nacional no Brasil. Em seu Título V, “Dos Níveis e Modalidades da Educação e do Ensino”, contém um capítulo que trata da Educação Superior, delimitando finalidades, abrangência de cursos e programas, características das instituições públicas e privadas e, em particular, das universidades. No artigo 53, estabelece 77 atribuições às universidades no exercício de sua autonomia, dentre as quais, anuncia no inciso II: “fixar os currículos de seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes” (BRASIL, 1996, grifo nosso), submetendo a definição dos currículos às DCN ainda a serem formuladas. Em seu Título VI, “Dos Profissionais da Educação”, a lei trata da formação docente e dos Institutos Superiores de Educação (ISE). Decreto n.º 3.276, de 6 de dezembro de 1999 (Decreto 3276/99): institui as disposições para a formação de professores em nível superior para atuar na Educação Básica, isto é, trata de requisitos, instituições e competências básicas da formação de professores. Resolução do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno n.º 01, de 18 de fevereiro de 2002 (Resolução CNE/CP 01/02): institui DCN para a formação de professores de Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Estas Diretrizes explicitam um conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos que orientam a construção do currículo em cada instituição formativa e que devem ser considerados na autorização de novos cursos e na reformulação dos currículos já existentes. Resolução do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno n.º 02, de 19 de fevereiro de 2002 (Resolução CNE/CP 02/02): institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior, de no mínimo de 2.800 horas com integralização curricular mínima em três anos letivos, nos quais são distribuídas da seguinte forma: • 400 horas de prática curricular distribuída ao longo do curso; • 400 horas de estágio curricular supervisionado, a partir da metade do curso; • 1.800 horas de conteúdos curriculares de natureza científico-cultural; • 200 horas de outras atividades acadêmico-científico-culturais. Portaria n.º 4.059, de 10 de dezembro de 2004 (Portaria 4059/04): permite a introdução de disciplinas na modalidade “semipresencial” na organização curricular e pedagógica dos cursos de nível superior. Define como modalidade semipresencial 78 qualquer atividade didática, módulo ou atividade de ensino centrada na “auto- aprendizagem” e com uso de recursos didáticos informacionais com base nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Tais disciplinas poderão ser ofertadas na íntegra ou parcialmente, devendo a sua carga horária máxima ter o limite de 20% da carga horária total do curso. Resolução do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno n.º 1, de 17 de junho de 2004 (Resolução CNE/CP 01/04): institui DCN para a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. A Resolução inclui nas disciplinas e atividades curriculares de cursos de formação de professores conteúdos vinculados às questões temáticas das relações étnico-raciais e afrodescendentes. A Resolução assume a adoção destas temáticas como quesitos para a avaliação das condições de funcionamento dos cursos ofertados pelas IES. Os objetivos anunciados nesta normativa são: divulgar e produzir conhecimentos, atitudes, posturas e valores para a educação pluriétnica e racial; educar para o respeito aos direitos legais e para a consolidação da democracia brasileira; reconhecer e valorizar a identidade, a história e a cultura dos afrobrasileiros e; garantir o reconhecimento e a igualdade de valorização das raízes africanas no Brasil. Lei n.º 9.795, de 27 de abril de 1999 (Lei 9795/99): dispõe sobre a Educação Ambiental e institui esta como política nacional e parte dos componentes essenciais e permanentes da educação em todos os níveis e modalidades de ensino, inclusive nos currículos dos cursos de formação de professores, dispensando, porém, a inserção deste conteúdo em forma disciplinar. De acordo com a referida Lei, a Educação Ambiental consiste em: desenvolver uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos; democratizar informações e conhecimentos ambientais; estimular a consciência crítica sobre a problemática ambiental e legal; incentivar a participação individual e coletiva na preservação do equilíbrio do meio ambiente; fomentar a integração da ciência com a tecnologia e; fortalecer a cidadania, a autodeterminação dos povos e a solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade. 79 Decreto n.º 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (Decreto 5626/05): institui a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como disciplina curricular obrigatória para os cursos de formação de professores e discorre sobre a formação de docentes para esta disciplina. Portaria Ministerial n.º 3.284, de 07 de novembro de 2003 (Portaria 3284/03): dispõe sobre os requisitos necessários para acessibilidade de pessoas com deficiências às IES. Vincula este quesito ao processo de autorização e reconhecimento de cursos, assim como ao processo de credenciamento de instituições. Nesta portaria, é estabelecido que os conteúdos e métodos de ensino dos cursos de nível superior devem se adaptar às necessidades de pessoas com deficiência auditiva. Nesses documentos, observo uma nítida preocupação com a inclusão de conteúdos relevantes socialmente no currículo oficial dos cursos de formação de professores, incluída a Educação Física. Tais conteúdos se referem às questões ligadas ao meio ambiente, à raça, à etnia, ao negro, ao respeito às diferenças e à inclusão de PNEE. Entretanto, destas temáticas, apenas o conteúdo sobre LIBRAS se insere de forma obrigatória e disciplinar no currículo oficial. Os demais temas são orientados para serem considerados no interior das disciplinas já existentes ou em atividades curriculares, sendo estas ponderadas quando da avaliação para a autorização, reconhecimento ou credenciamento dos cursos ou instituições. Vislumbro que a inclusão de tais conteúdos no currículo oficial, assim como a diferença na obrigatoriedade de LIBRAS em detrimento dos demais temas, esteja relacionada às pressões que os grupos e movimentos sociais representativos de cada tema, têm realizado junto às instâncias administrativas, judiciais e políticas da Educação Nacional. Da mesma forma, a LDB 9394/96, assim como a Resolução CNE/CP 01/02 e a Resolução CNE/CP 02/02, já tem sido objeto de investigação da comunidade acadêmica e científica da educação. Em razão disso, realizo uma incursão mais profunda neste estudo nas particularidades da normatização específica que constitui 80 o currículo oficial para os cursos de graduação em Educação Física, até mesmo por que, esta última normatização não contradiz aquelas primeiras, mas a incluem. A normativa oficial para a Educação Física está prescrita nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Educação Física (DCNEF), por meio da Resolução CNE/CES 07/04 e do Parecer CNE/CES 58/04 que o acompanha, antes, porém, cabe esclarecer o que é uma Diretriz Curricular. Uma DCN é a concretização de uma prescrição curricular oficial. Segundo Rocha (2006), baseado em Carlos Roberto Jamil Cury, ex-conselheiro do CNE, na ocasião presidente da Câmara de Educação Básica, [...] as Diretrizes Curriculares Nacionais são o conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos que devem orientar os sistemas e suas instituições de ensino, na organização, na articulação, no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas pedagógicas (ROCHA, 2006, p. 26). Outra conselheira do CNE que também presidiu a Câmara de Educação Básica e foi consultora de projetos educacionais do Banco Mundial, Guiomar Namo de Melo, estabelece a seguinte definição: ‘Diretriz’ refere-se tanto a direções físicas quando a indicação para ação. Linha reguladora do traçado de um caminho ou de uma estrada, no primeiro caso, conjunto de instruções ou indicações para se tratar e levar a termo um plano, uma ação, um negócio, etc., no segundo caso. Enquanto linha que dirige o traçado da estrada, a diretriz é mais perene. Enquanto indicação para ação, ela é objeto de um trato ou acordo entre as partes e está sujeito a revisões mais freqüentes (...). As diretrizes deliberadas pelo CNE estarão mais próximas da ação pedagógica, são indicações para um acordo de ações e requerem revisão freqüente (MELO, 1999 apud ROCHA, 2006, p. 26). O Parecer CNE/CES n.º 776/97, de 3 de dezembro de 1997, é o documento que orienta o próprio Conselho a respeito da conformação de DCN para os cursos de graduação. Nele consta: “As diretrizes curriculares constituem no entender do CNE/CES, orientações para a elaboração dos currículos que devem ser necessariamente respeitadas por todas as instituições de ensino superior” (BRASIL, PARECER 77, 1997, p. 2, grifo nosso), estabelecendo assim uma relação de obrigatoriedade dos currículos das IES frente às determinações das Diretrizes. 81 Para não deixar dúvida, o Parecer CNE/CES n.º 583/2001, de 4 de abril de 2001, que também tem por objetivo orientar o CNE a respeito da conformação de DCN, assim se pronuncia: Portanto, é fundamental não confundir as diretrizes que são orientações mandatórias, mesmo às universidades, [...] com parâmetros ou padrões – standard – curriculares que são referenciais curriculares detalhados e não obrigatórios. (BRASIL, 2001, p. 2, grifo nosso). Assim, as diferenças entre Parâmetros Curriculares e Diretrizes Curriculares estão postas, enquanto a primeira se apresenta como uma orientação curricular, a segunda são orientações “mandatórias”, possuindo uma condição de obrigatoriedade até mesmo frente ao princípio constitucional da autonomia universitária 53. Rocha (2001) concebe as DCN como o instrumento legal de intervenção direta do Estado na organização das instituições educacionais brasileiras, particularmente, na seleção dos conteúdos culturais que devem fazer parte destas instituições, constituindo uma verdadeira política do conhecimento oficial. O autor chama atenção para a seguinte reflexão: Tenho compreendido o currículo como sendo fruto de uma seleção, seleção sempre intencional. Acredito que tentarão nos fazer acreditar que as tais diretrizes curriculares e seus conteúdos mínimos são “o conhecimento de todos nós”, o que “de melhor há para ser ensinado e aprendido”. Mas quem foi chamado para selecionar? Que conhecimentos foram selecionados? Para quem foram selecionados? Com que intenção? Interessa a quem? Lembro que a história da seleção curricular tem sido a de se definir os conhecimentos de alguns grupos como sendo os mais dignos, os mais importantes, os mais relevantes para serem transmitidos às novas gerações em detrimento de conhecimentos de outros grupos que jamais sequer são lembrados nos currículos prescritos. Mais do que isto, há todo um esforço para que os currículos selecionados sejam tradição, naturalizados, cristalizados como se fossem construtos ahistórico (ROCHA, 2001, p. 120). Neste sentido, apresento a seguir os embates, os conflitos, os grupos envolvidos na definição das DCNEF, assim como a identificação e análise dos conteúdos curriculares selecionados nesta prescrição curricular. 53 A autonomia universitária é estabelecida pelo artigo 207 da Constituição Federal que afirma: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira [...]” (BRASIL, 1998, p. 38). De acordo com Rocha (2006), o artigo 211 da mesma Constituição, no qual consta que a União organizará o sistema federal de ensino, já provoca uma relativização desta autonomia, o que foi reforçado pela Lei n.º 9131, de 24 de novembro de 1995, ao estabelecer que o CNE possui a função de deliberar sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais. 82 A Educação Física foi uma das primeiras áreas que se anteciparam ao processo de formulação de DCN. Em 1987 é aprovada a Resolução do Conselho Federal de Educação n.º 03, de 16 de junho de 1987 (Resolução CFE 03/87), que dividiu os cursos de Educação Física em duas habilitações: licenciatura e bacharelado. Este movimento na legislação esteve relacionado à expansão do mercado informal das academias de ginástica e do setor do “fitness”54, que ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, ou seja, relacionado à pressão que esses grupos privatistas e empresariais exerceram junto aos sujeitos institucionais (os membros do CFE), que decidiam a política curricular oficial para essa área. A referida resolução também estendeu a carga horária do curso de 1.800 para 2.880 horas-aula, passando a integralização curricular de três para quatro anos de duração mínima, além de organizar os conteúdos curriculares em áreas de conhecimento, quais sejam: do ser humano, da sociedade, filosófico e conhecimento técnico. Estudiosos como Benites, Souza Neto e Hunger (2008) avaliam que a Resolução CFE 03/87 foi significativa para aumentar a qualidade da formação em Educação Física, pois na visão dos autores, a criação do bacharelado “[...] foi uma conquista em 1987, visando sedimentar um corpo de conhecimentos que desse maior legitimidade à própria profissão em seu processo de profissionalização” (BENITES, SOUZA NETO e HUNGER, 2008, p. 345). Entretanto, a respeito desta normativa, Taffarel e Santos Júnior (2010) se posicionam no sentido de afirmar que estas diretrizes “mantiveram acentuada a dicotomia e a divisão entre as áreas do conhecimento e, além disso, tal resolução não considerou o processo de trabalho pedagógico que é determinante na produção e apropriação do conhecimento” (TAFFAREL e SANTOS JÚNIOR, 2010, p. 29). Tal desacordo entre estes autores expressam divergências profundas de projetos formativos que dividiu os intelectuais da Educação Física a respeito do polêmico tema da formação de professores e da divisão dos cursos em licenciatura e bacharelado. Com a aprovação da LDB 9394/96 e da Lei 9696/98 (que 54 Fitness é um termo norte-americano que designa “o estado de se ter o corpo bem condicionado”, “ter aptidão física”. No jargão popular, a palavra representa “estar em forma” ou “malhado”. Esta “ideia” se transformou em um dos maiores mercados em expansão no mundo. Segundo a Revista Exame, a multinacional Les Mills, proprietária da rede de modalidades ginásticas conhecidas como “body system”, possui um lucro anual de 60 milhões de dólares, sendo considerada uma das empresas mais lucrativas do mundo (CORREA, 2004). 83 regulamentou a profissão de Educação Física e criou o sistema CONFEF/CREF), a polêmica e as disputas na área se aprofundaram ainda mais. Em 1997, a SESu/MEC lança o Edital n.º 4, de 10 dezembro de 1997 (Edital 4/97)55, em que solicita às IES de todo o país que contribuam na formulação de proposições para Diretrizes Curriculares de todos os cursos de nível superior. Estas propostas deveriam ser remetidas a uma Comissão de Especialistas (COESP) próprias de cada área do conhecimento. As COESP são compostas por especialistas reconhecidos em sua área de conhecimento e indicados pela sua comunidade acadêmica e científica. Elas teriam a função de elaborar e sistematizar propostas de DCN que seriam remetidas à SESu/MEC e encaminhadas para aprovação no CNE56. O Edital da SESu/MEC concretiza a ideia de conformar as DCN que orientarão os currículos de cada curso de nível superior, tal como está prevista no inciso II do artigo 53 da LDB 9394/96. Nele já se vislumbra como serão definidos os conteúdos curriculares dos distintos cursos de graduação: As Diretrizes Curriculares serão uma referência para as IES definirem seus currículos plenos, em termos de conteúdos básicos e conteúdos profissionais essenciais para o desenvolvimento de competências e habilidades requeridas para os egressos da área/curso. Estes conteúdos devem ser definidos nas Diretrizes Curriculares a partir das necessidades de formação de recursos humanos de cada área de conhecimento, de acordo com a especificidade de cada IES, e justificando-se a importância de tais conteúdos em relação aos objetivos definidos na formação de diplomados em cada área. A presença de conteúdos essenciais garante uma uniformidade básica para os cursos oferecidos, porém, as Diretrizes Curriculares devem garantir que as IES tenham liberdade para definir livremente pelo menos metade da carga horária mínima necessária para a obtenção do diploma, de acordo com suas especificidades de oferta de cursos (BRASIL, EDITAL 4, 1997, p. 2, grifo nosso). Como destaco, a definição dos conteúdos curriculares já se encontra delimitado em torno do desenvolvimento de competências e habilidades. Este mote 55 O Edital 4/97, publicado em 10 de dezembro, estabelecia o prazo limite de até 03 de abril de 1998 para envio de propostas de DCN junto à SESu/MEC, ou seja, menos de quatro meses. Um novo edital (Edital n.º 5/99) foi publicado em 06 de março de 1999, estabelecendo um novo prazo para envio de propostas. 56 A Portaria SESu/MEC n.º 972, de 22 de agosto de 1997, estabeleceu os critérios para composição das comissões, a saber: a) mínimo de três e máximo de cinco integrantes; b) docentes de alto nível de formação acadêmica ou renomada atividade profissional, com reconhecida experiência de atuação no ensino de graduação; c) indicação pelas coordenações dos cursos de graduação reconhecidos e que ofertam programas de pós-graduação stricto sensu, na mesma área de atuação da comissão e; d) análise dos currículos. 84 também se fez presente como categoria central nas DCN para os cursos de licenciaturas (Resolução CNE/CP 01/02) e ainda, como demonstrarei mais adiante, nas Diretrizes específicas dos cursos de graduação em Educação Física, o que evidencia a centralidade que esta ideia ganha no conjunto das reformas curriculares de todos os cursos de nível superior no Brasil. A primeira COESP da área de Educação Física (COESP-EF)57 foi instituída pela Portaria Ministerial n.º 146, de 10 de março de 1998, e apresentou no final de 1999 sua proposta preliminar de DCNEF. Nesta proposta, a orientação geral foi a constituição de um curso que formaria o graduado em Educação Física, com aprofundamento em um ou mais campos definidos de atuação profissional, tais como docência em educação básica/licenciatura, treinamento/condicionamento físico, atividades físico-esportivas de lazer, gestão/administração de empreendimentos de atividades físico-esportivas, aptidão física/saúde/qualidade de vida, além de outros. Os currículos foram divididos em duas partes: o Conhecimento Identificador da Área (que se dividia em básico e específico) e o Conhecimento do Tipo de Aprofundamento. Os conhecimentos básicos seriam concernentes aos seguintes eixos: o homem e a sociedade, conhecimentos científico-tecnológico e conhecimentos do corpo humano e desenvolvimento; os específicos abrangeriam: conhecimentos didático-pedagógicos, técnico-funcionais aplicados e conhecimento sobre a cultura do movimento. O Conhecimento do Tipo de Aprofundamento seria responsável pelos campos definidos de aplicação profissional, considerando as peculiaridades regionais e os perfis profissionais almejados. Nesta proposta de Diretrizes, os cursos teriam duração mínima de quatro anos (8 semestres letivos) e máximo de sete (14 semestres), possuindo uma carga horária mínima de 2.880 horas-aula, incluídos a prática de ensino, o estágio curricular supervisionado com carga horária mínima de 300 horas e o trabalho de conclusão de curso (TCC). A respeito da proposição desta DCNEF, Nozaki (2003) assim enfatiza: Ao sugerir a divisão do currículo em Conhecimento Identificador da Área e os Conhecimentos Identificadores do Tipo de Aprofundamento, tal documento não fez outra coisa senão aprofundar os pressupostos da 57 Os integrantes desta primeira COESP-EF foram os professores Elenor Kunz (UFSC), Emerson Garcia (UFMG), Helder Guerra de Resende (UGF), Wagner Wey Moreira (UNIMEP) e Iran Junqueira de Castro (UnB). 85 Resolução 03/87 no que diz respeito à divisão licenciatura/bacharelado. O que se viu foi a divisão, a partir dos Conhecimentos Identificadores do Tipo de Aprofundamentos, de vários campos de atuação no interior do bacharelado e a licenciatura como uma possibilidade isolada. Ou seja, os vários campos de atuação, a exceção da licenciatura, não eram mais do que vários bacharelados disfarçados, agora com o nome de graduação em educação física (NOZAKI, 2003, p. 11). Em 2000, antes dessa proposta de Diretrizes serem aprovadas pelo CNE, uma nova modificação ocorreu por meio da Portaria Ministerial SESu/MEC n.º 1.518, de 16 de junho de 2000, que destituiu a comissão anterior e designou novos membros para compor a COESP-EF58 para elaborar uma nova proposta de DCNEF. Em 2001, foi aprovada a Resolução CNE/CP 01/02 que instituiu DCN para a formação de professores da Educação Básica, em nível superior, de cursos de licenciatura. A respeito desta resolução, vários pesquisadores, grupos de pesquisas, entidades e organizações do movimento docente e da sociedade civil se manifestaram. A respeito desta Resolução, Rocha (2006) esclarece: Promovendo em definitivo o divórcio entre os cursos de formação de educadores e os bacharelados, estas diretrizes impõem regras para a organização institucional dos cursos de formação. Estas deverão obrigatoriamente oferecer processo autônomo de formação a ser realizado em licenciaturas plenas, que deverão possuir estrutura com identidade própria (ROCHA, 2006, p. 39-40). Em meio às polêmicas sobre as novas DCN para os professores de educação básica e seus impactos no campo do currículo e na formação de professores de maneira geral, ocorrem as discussões na área da Educação Física em torno da aprovação das DCNEF. Em 2002, é aprovado o Parecer CNE/CES n.º 138, de 03 de abril de 2002 (Parecer CNE/CES 138/02), que trata das Diretrizes para os cursos de Educação Física, formuladas pela COESP-EF constituída em 2000. Este Parecer vinha ao encontro dos interesses do sistema CONFEF/CREF em manter a legitimação institucional da regulamentação da profissão e avançar na ingerência da formação de professores de Educação Física, a partir do delineamento da concepção de Educação Física, do perfil profissional e do modelo de 58 Esta comissão foi composta pelos professores Antônio Roberto Rocha Santos (UFPE), Claudia Maria Guedes (USP), Iran Junqueira de Castro (UnB), Maria de Fátima da Silva Duarte (UFSC), Roberto Rodrigues Paes (UNICAMP). Pelos seus integrantes, esta COESP-EF é identificada como vinculada aos interesses do grupo político que compõe o sistema CONFEF/CREF (NOZAKI, 2003; TAFFAREL, LACKS e SANTOS JÚNIOR, 2006). 86 profissionalidade docente almejados na organização curricular para os cursos de graduação em Educação Física. O Parecer CNE/CES 138/2002 indicava a formação do “graduado” em detrimento do licenciado em Educação Física; estabelecia as seguintes competências e habilidades gerais para o perfil do formando: atenção à saúde, atenção à educação, tomada de decisões, comunicação, liderança, planejamento, supervisão e gerenciamento e educação permanente. Os conteúdos curriculares deste Parecer contemplavam os seguintes conhecimentos: biodinâmicos da atividade física/movimento humano, comportamentais da atividade física/movimento humano, socioantropológicos da atividade física/movimento humano, científico-tecnológicos, pedagógicos, técnico- funcionais aplicados, cultura das atividades físicas/movimento humano e equipamentos e materiais didáticos. Diante deste Parecer, diversas entidades, intelectuais, professores e alunos de Educação Física se manifestaram contrariamente à sua aprovação: o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE)59 deliberou o envio de uma carta ao CNE solicitando a não aprovação do projeto de resolução contida no Parecer e a revogação do mesmo; a ExNEEF, entidade nacional representativa dos estudantes de Educação Física, também não reconheceu o Parecer CNE/CES 138/02 e denunciou os interesses do sistema CONFEF/CREF em se fortalecer diante desta proposta de Diretrizes, realizando diversos debates e manifestações contrárias a esta normatização, juntamente com o MNCR60; outra manifestação importante foi a deliberação de uma carta assinada por 90 diretores e especialistas de renome, reunidos no II Fórum Nacional de IES em Educação Física (fórum este organizado pelo próprio CONFEF) que também reivindicou a não publicação do projeto de resolução de DCNEF, contida no Parecer. Diante de tais polêmicas e pressões exercidas no CNE por setores progressistas da Educação Física contra o Parecer CNE/CES 138/02. O CNE 59 O CBCE é uma entidade científica fundada em 1979 e congrega pesquisadores das Ciências do Esporte (Educação Física, Medicina, Nutrição, Fisiologia, Biomecânica, Fisioterapia, Lazer, Sociologia, História, Direito, Jornalismo, dentre outras áreas). O CBCE tem se destacado por ser uma das principais representações de pesquisadores e intelectuais da Educação Física brasileira. 60 O MNCR é um movimento criado em 1999, com o objetivo de revogar a Lei que regulamentou a profissão de Educação Física e instituiu a existência do CONFEF. Este movimento é contrário à tese de reserva de mercados e de conselhos profissionais, defendendo a regulamentação do trabalho. 87 revogou este e por meio da Portaria n.º 1.985, de 21 de julho de 2003, instituiu uma nova comissão de especialistas. A terceira COESP-EF foi constituída com a intenção de construir uma proposta consensual entre os distintos setores que vinham intervindo no processo de formação das DCNEF, sendo composta pelos professores Helder Guerra de Resende (SESu/MEC), Maria de Fátima da Silva Duarte (SESu/MEC), Iran Junqueira de Castro (INEP), Zenólia Christina Campos Figueiredo (CBCE) e João Batista Andreotti Gomes Tojal (CONFEF). Com base nesta nova reordenação, elaborou-se uma proposta substitutiva ao Parecer CNE/CES 138/02, que foi submetida a críticas de diretores e coordenadores de cursos de Educação Física em alguns Estados brasileiros61. Este substitutivo também polemizou a comunidade acadêmica e científica da Educação Física, porém com muitas crises internas. No interior do CBCE, o Grupo de Trabalho Temático (GTT) Formação de Professores e Mundo do Trabalho publicou em dezembro de 2003 a “Carta de Vitória”62, no qual realiza cobranças da direção nacional do CBCE, que já havia manifestado o seu apoio ao substitutivo da COESP-EF à revelia deste GTT (que estava responsável pela elaboração de um parecer da entidade sobre o substitutivo) e do coletivo de pesquisadores que compõe esta instituição. A posição da direção nacional do CBCE foi de retroceder de algumas posições teóricas e históricas já acumuladas pela comunidade científica sobre esta temática, para construir uma proposta de consenso no interior da COESP-EF. Tal posição foi expressa pela professora Zenólia Cristina Campos Figueiredo, na época, coordenadora do GTT Formação Profissional e Mundo do Trabalho: Apesar de ter clareza de que as Diretrizes Curriculares da Educação Física, elaboradas pela Comissão de Especialistas da SESu/MEC, não representam uma mudança esperada por parte significativa dos professores da área, sou favorável a proposta apresenta por considerá-la o avanço possível para o atual momento histórico porque passa a Educação Física brasileira. Penso que a proposta avança bastante se comparada ao Parecer n. 138 (EDUCAÇÃO FÍSICA..., 2009, p. 16). 61 Nesta ocasião se formou o Conselho de Dirigentes das Instituições de Ensino Superior em Educação Física (CONDIESEF), nos dias 10 e 11 de novembro, no Fórum de São Lourenço, Minas Gerais. 62 Esta carta foi elaborada na cidade de Vitória, Espírito Santo, nos dias 12, 13 e 14 de dezembro de 2003, na reunião nacional de trabalho deste GTT para discutir e assumir posicionamento diante das DCNEF. A carta pública foi endereçada à direção nacional do CBCE e aos sócios desta entidade científica. 88 Contrariamente à posição desta entidade, a ExNEEF se manifestou no sentido de negar a formação de um “consenso possível” sobre este tema. A entidade estudantil denunciou a impossibilidade de construir um documento em comum com os representantes do sistema CONFEF/CREF na comissão, colocando-se contrária à proposta do substitutivo, por esta manter a desqualificação da formação, o currículo fragmentado e o objeto de estudo da Educação Física no âmbito de concepções não críticas. Nas últimas audiências públicas realizadas pelo CNE para debater o assunto, realizadas nos dias 15 e 16 de dezembro de 2003, foi apresentada a formulação da COESP-EF das DCN para os cursos de Bacharelado em Educação Física, consensuada entre CONFEF, INEP, SESu/MEC, ME, CBCE e CONDIESEF. Nesta audiência, a proposta de bacharelado foi criticada pelo próprio representante do CNE, Efren Maranhão, que “manifestou suas posições e preocupações criticando o termo BACHARELADO por ser um termo que tem uma tradição na Europa ligada com cursos curtos de caráter técnico e defendeu o termo Licenciando que significa graduado em” (TAFFAREL, s/d., p. 18, grifo do autor). A representação estudantil se posicionou criticamente sobre o conteúdo do documento e à forma de sua elaboração, rejeitou a fragmentação da Educação Física em licenciaturas e bacharelados, defendeu a proposta da licenciatura ampliada e a necessidade de um amplo processo democrático de discussão das Diretrizes na comunidade acadêmica. Ao final da audiência, o representante do CNE constituiu um novo grupo de trabalho para consensuar novamente as divergências existentes nos dois documentos (o Parecer CNE/CES 138/02 e o seu substitutivo apresentado pela terceira COESP-EF). A comissão instituída seria composta por uma representação de cada instituição: SESu/MEC, CONFEF, CONDIESEF, ME, CBCE e ExNEEF. De todas estas, apenas a ExNEEF se recusou a participar desta comissão, pois esta apenas legitimaria um falso consenso sobre as DCNEF. A mesma entidade relatou ainda não reconhecer o CONFEF enquanto organismo de representação da Educação Física e ressaltou a necessidade de uma discussão mais ampla e com maior tempo na comunidade acadêmica da área. Em 29 de janeiro de 2004, esta comissão apresentou o resultado do seu trabalho, aprovado em torno do Parecer CNE/CES n.º 058, de 18 de fevereiro de 2004 (Parecer CNE/CES 058/2004) e promulgado pela Resolução CNE/CES 07/04, 89 que, por fim, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Educação Física. Após esta descrição histórica das DCNEF atualmente em vigor e da localização dos grupos institucionais e de seus posicionamentos diante da definição das Diretrizes, passo à identificação e à análise dos conteúdos curriculares indicados na Resolução CNE/CES 07/04 e no Parecer CNE/CES 058/04. O documento da Resolução possui quinze artigos que estão dispostos em cinco páginas. A Resolução menciona como princípios para os projetos pedagógicos dos cursos, no tocante aos conteúdos curriculares, a abordagem interdisciplinar do conhecimento, a indissociabilidade teoria-prática e a articulação entre os conhecimentos de formação ampliada e específicos. O percurso formativo está dividido em dois níveis: formação ampliada e formação específica. A formação ampliada abrange três dimensões: “Relação ser humano-sociedade”, “Biológica do corpo humano” e “Produção do conhecimento científico e tecnológico”. A formação específica ou conhecimento identificador da área também se divide em três dimensões: “Culturais do movimento humano”, “Técnico-instrumental” e “Didático-pedagógico”. Segundo a Resolução, cada curso poderá realizar a articulação entre estes dois níveis de formação, além de definir as denominações, ementas e cargas horárias dispostas para tanto. O documento possibilita a constituição de “núcleos temáticos de aprofundamento”, utilizando 20% da carga horária total do curso e 40% da carga do estágio curricular supervisionado para estes fins. Os conteúdos correlatos às especificidades regionais, à identidade cultural local, à educação ambiental, aos PNEE e aos “grupos e comunidades especiais” são mencionados no quarto parágrafo do artigo sete, como temas que devem ser tratados ao longo do curso, porém sem especificações sobre a forma deste tratamento, como se vê abaixo: As questões pertinentes às peculiaridades regionais, às identidades culturais, à educação ambiental, ao trabalho, às necessidades das pessoas portadoras de deficiência e de grupos e comunidades especiais deverão ser abordadas no trato dos conhecimentos da formação do graduado em Educação Física. (BRASIL, 2004, p. 03). 90 Já os conhecimentos e conteúdos específicos vinculados à cultura negra, indígena, assim como as questões de gênero e de sexualidade não são mencionados nestas DCNEF. O desenvolvimento de competências deve compor o núcleo central da formação dos projetos curriculares. Estas competências devem ser de natureza político-social, ético-moral, técnico-profissional e científica. Apresento no quadro 2 abaixo, as competências e habilidades indicadas nas DCNEF: 91 Quadro 2 – Competências e habilidades indicadas nas DCNEF COMPETÊNCIAS E HABILIDADES Dominar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais específicos da Educação Física e aqueles advindos das ciências afins, orientados por valores sociais, morais, éticos e estéticos próprios de uma sociedade plural e democrática. Intervir acadêmica e profissionalmente de forma deliberada, adequada e eticamente balizada nos campos da prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, da formação cultural, da educação e reeducação motora, do rendimento físico-esportivo, do lazer, da gestão de empreendimentos relacionados às atividades físicas, recreativas e esportivas, além de outros campos que oportunizem ou venham a oportunizar a prática de atividades físicas, recreativas e esportivas. Pesquisar, conhecer, compreender, analisar, avaliar a realidade social para nela intervir acadêmica e profissionalmente por meio das manifestações e expressões do movimento humano, tematizadas, com foco nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte, da luta/arte marcial, da dança, visando a formação, a ampliação e enriquecimento cultural da sociedade para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável. Participar, assessorar, coordenar, liderar e gerenciar equipes multiprofissionais de discussão, de definição e de operacionalização de políticas públicas e institucionais nos campos da saúde, do lazer, do esporte, da educação, da segurança, do urbanismo, do ambiente, da cultura, do trabalho, dentre outros. Diagnosticar os interesses, as expectativas e as necessidades das pessoas (crianças, jovens, adultos, idosos, pessoas portadoras de deficiência, de grupos e comunidades especiais) de modo a planejar, prescrever, ensinar, orientar, assessorar, supervisionar, controlar e avaliar projetos e programas de atividades físicas, recreativas e esportivas nas perspectivas da prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, da formação cultural, da educação e reeducação motora, do rendimento físico-esportivo, do lazer e de outros campos que oportunizem ou venham a oportunizar a prática de atividades físicas, recreativas e esportivas. Conhecer, dominar, produzir, selecionar e avaliar os efeitos da aplicação de diferentes técnicas, instrumentos, equipamentos, procedimentos e metodologias para a produção e a intervenção acadêmico-profissional em Educação Física nos campos da prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, da formação cultural, da educação e reeducação motora, do rendimento físico-esportivo, do lazer, da gestão de empreendimentos relacionados às atividades físicas, recreativas e esportivas, além de outros campos que oportunizem ou venham a oportunizar a prática de atividades físicas, recreativas e esportivas. Acompanhar as transformações acadêmico-científicas da Educação Física e de áreas afins mediante a análise crítica da literatura especializada com o propósito de contínua atualização e produção acadêmico-profissional. Utilizar recursos da tecnologia da informação e da comunicação de forma a ampliar e diversificar as formas de interagir com as fontes de produção e de difusão de conhecimentos específicos da Educação Física e de áreas afins, com o propósito de contínua atualização e produção acadêmico-profissional. Fonte: Resolução CNE/CES 07/04. 92 Além destas, o texto da Resolução flexibiliza às IES a elaboração e incorporação de outras competências e habilidades pertinentes e adequadas as suas realidades locais. Alerta ainda que as competências e habilidades que conformam o perfil profissional dos professores de Educação Básica deverão se fundamentar em legislação própria do CNE (Resolução CNE/CP 01/02 e outras). Outra consideração importante sobre os conteúdos curriculares nas DCNEF é a relevância que a prática deve assumir nos projetos pedagógicos, por meio de três formas distintas: a) prática como componente curricular, que deve ser vivenciada nos diversos contextos acadêmico-profissionais e desde o início do curso; b) estágio profissional curricular supervisionado, que representa o momento de vivência e consolidação das competências nos seus diferentes campos de atuação, a partir da segunda metade do curso e sob supervisão de profissional “habilitado” e; c) atividades complementares, sendo o aproveitamento de conhecimentos extra- curriculares e experiências vivenciadas pelo aluno ao longo do curso. Por fim, as DCNEF estabelecem que a avaliação institucional deve se basear no domínio dos conteúdos e das experiências com vistas a garantir as competências já delineadas acima. Com base nos dados apresentados, Inicialmente, é pertinente destacar a noção de competências como balizadora das DCNEF e da política curricular atual do Estado, o que já fora confirmada pelos próprios membros do CNE, como na afirmação de Efrém Maranhão, representante deste conselho, registrada na audiência pública de 15 de dezembro de 2003, em que o conselheiro afirma que “[...] as diretrizes decorrem do PNE e por isto são baseadas nas competências gerais e especificas conforme indica o PNE. Ressalta que a Lógica é a das competências.” (TAFFAREL, s/d, p. 11). Diversos autores, como Rocha (2006), ao analisarem as DCN dos cursos de formação de professores de Educação Básica, já identificavam a noção de competências como concepção nuclear de orientação para todos os cursos de graduação. As competências “passam a ser a meta comum a ser alcançada por todos os cursos, independente das características que eles venham possuir” (ROCHA, 2006, p. 36). Ainda de acordo com o mesmo autor, esta nova orientação para os currículos parte das novas necessidades da reorganização do mundo do trabalho produtivo 93 que têm influenciado o caráter das reformas educacionais implementadas no Brasil, perspectivando um novo paradigma curricular na educação, o que tem balizado vários níveis e modalidades do ensino. Em um minucioso estudo, Mônica da Silva (2008) esclarece: Esse grupo de teorias expressa uma concepção instrumental e mecanicista da formação humana, pois compreende competência como o resultado da interação entre o indivíduo e a sociedade, sem tomar, porém, a dimensão – histórica – da cultura como elemento de mediação nessa formação (SILVA, 2008, p. 14-15). De acordo com esta autora, a noção de “competências” enquanto balizadora dos processos formativos tem sua origem epistemológica na Antropologia Estruturalista de Claude Lévi-Strauss, nas elaborações da Psicologia Genética de Jean Piaget e na Sociolingüística de Chomsky. A autora observa ainda que a justificativa predominante utilizada nas prescrições curriculares tem sido a necessidade de adaptação das escolas e da formação às mudanças decorrentes das necessidades do mercado de trabalho capitalista. De acordo com ela: O estudo dos textos oficiais mostrou que os dispositivos normativos foram sendo compostos à medida que se foi implementando um conjunto de prescrições, por vezes desencontradas. O resultado desse movimento, complexo e contraditório, foi a produção de um conjunto de prescrições fragmentadas que em muito tem dificultado a compreensão dos próprios dispositivos normativos. A fragmentação presente no discurso oficial não quer dizer, no entanto, que se trate de um discurso desarticulado. Como se há de se observar, o conjunto das prescrições expressa intenções semelhantes quando se trata, por exemplo, de adaptar o currículo às disseminadas mudanças tecnológicas e organizacionais relativas à produção e ao trabalho; as proposições estão articuladas, ainda, ao discurso internacional, explicitado, sobretudo, em documentos e ações de organismos multilaterais, como o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Oficina para Educação e Cultura da Organização das Nações Unidas (UNESCO) e a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL). (SILVA, 2008, p. 21-22). Esta análise, na qual se insere as DCNEF, corrobora com as investigações de Rocha (2001 e 2006) e com as tendências apontadas por Santomé (1998), já explicitadas anteriormente, sobre a relação das novas demandas do capital internacional e as políticas impostas à educação de maneira geral e as políticas curriculares em particular. 94 Santos Júnior (2005), cujo ponto de vista assumo, baseado em vários estudos que têm debatido criticamente a noção de competências, sintetiza que esses trabalhos indicam que tal referência constitui-se no braço pedagógico do neoliberalismo à medida que tem como características – latentes ou patentes – a ênfase no individualismo (responsabilizando cada um por sua formação); exacerbação da competição (quebrando a noção de categoria, visto que já não há uma política global de formação, mas sim, um rol de competências para se disputar a fim de estar “melhor qualificado” no sentido da empregabilidade); o fetiche do indivíduo (esta crença bizarra de que é possível tomar o indivíduo deslocado das relações sociais); a flexibilização e o aligeiramento da formação (entendido como radicalização da desqualificação da formação dos professores); a idéia do mercado como grande regulador da qualidade (posto que é “quem” vai dizer, ao final, quem é mais e quem é menos competente) e a simetria invertida (desenvolver habilidades que o mercado exige já no processo de formação acadêmica) (SANTOS JUNIOR, 2005, p. 56-57). De forma mais específica, a noção das competências e habilidades selecionadas na Resolução CNE/CES 07/04, assim como as seis dimensões da formação explicitadas nele, é fortemente criticada por Celi Taffarel, que se pronuncia em uma entrevista da seguinte forma: O que diz a Resolução 07? Que a instituição do ensino superior vai cuidar de formar a partir do desenvolvimento de “competências e habilidades” com um marco conceitual confuso. E para que formar segundo a resolução do CNE? Para atuar no mercado de trabalho. E com que base de conhecimento? Com base no conhecimento geral sobre “relação ser humano sociedade; biológica do ser humano; produção do conhecimento cientifico” e no conhecimento especifico sobre “culturais do movimento humano; técnico-instrumental; didático pedagógico”. Isto não tem lógica, não tem consistência teórica. (DIRETRIZES, s/d., p. 10-11). As divisões do percurso formativo nos níveis e dimensões apresentados por estas DCNEF não possuem bases ontológicas, históricas e nas relações concretas dos homens, sendo, portanto, dimensões abstratas. Como exemplo, o conhecimento ginástica pode ser tratado no currículo no seu sentido biológico, social, cultural, técnico-instrumental, didático-pedagógico, ou ainda, nas formas de produção do conhecimento científico. Porém, em nenhuma destas dimensões se compreende a ginástica na sua formação ontológica, história e concreta. Em síntese, o conteúdo nesta forma de organização curricular perde a noção de totalidade, prejudicando uma análise de seus nexos internos, de crítica e, consequentemente, de suas 95 possibilidades de intervenção na realidade para a sua transformação radical. Assim, concordo com Celi Taffarel quando esta sustenta: O estudo somente da dimensão biológico, como funcionam os músculos, as articulações, os sistemas cardiovascular e respiratório, o sistema reprodutor, o sistema digestivo, o sistema neurológico como se dá o funcionamento neurofisiológico, não consegue explicar o ser humano e a construção da cultura e muito menos, a necessidade histórica da transformação social. O homem só se explica localizado historicamente, construindo cultura, nas relações com os outros homens, com a natureza, nas organizações sociais, enfim na vida concreta. É ali que vamos localizar o que é educação física, como é que ela nasce, sua gênese, como é que ela surge enquanto uma produção cultural e como poderemos e devemos construí-la, transformá-la, redimensioná-la considerando um dado projeto histórico. (DIRETRIZES, s/d., p. 9). No que toca ao perfil profissional, tanto Celi Taffarel (DIRETRIZES, s/d) quanto Santos Júnior (2005) identificam que a fragmentação da licenciatura e do bacharelado traz graves prejuízos para a área em questão. Este último sustenta que esta divisão rompe com uma base comum nacional da formação, tal como defendida pela ANFOPE. Já Brito Neto (2009) esclarece que a Resolução CNE/CES 07/04 não menciona o bacharelado, mas cursos de graduação e de licenciatura, o que tem causado interpretações confusas nas definições dos cursos. Segundo este último autor, o termo “graduado” tem sido interpretado por diversos pesquisadores e grupos como sinônimo de “bacharelado”, o que seria um grave equívoco, pois de acordo com a LDB 9394/96, em seu artigo 44, a licenciatura é uma modalidade da graduação, não estando, portanto, apartada desta última. Assim, Brito Neto (2009) revela que as interpretações em torno do bacharelado nas DCNEF têm favorecido as posições do Sistema CONFEF/CREF de intervir na formação de professores com a lógica voltada para a criação de mercados e nichos capitalistas, vide a criação de cursos de bacharelado. O mesmo autor afirma ainda que a possibilidade oficial de cursos de bacharelado, enquanto formação profissional para a Educação Física, surgiu com a Resolução CNE/CES n.º 04, de 6 de abril de 2009. Este documento estabelece a carga horária mínima e os procedimentos de integralização para cursos na área das ciências biológicas, na modalidade bacharelado presencial, incluindo nestes o curso de Educação Física. Segundo Brito Neto (2009), a inclusão da Educação Física neste documento institui oficialmente a divisão entre bacharelado e licenciatura nos cursos desta área de conhecimento. 96 É importante considerar ainda na análise das DCNEF, a ausência de conteúdos relevantes socialmente, como a Capoeira, que sintetiza a história, os saberes, as tradições e as práticas culturais e corporais dos negros no Brasil, além de temáticas concernentes às questões de PNEE, raça, gênero, etnia e orientação sexual. A Resolução, no parágrafo segundo do artigo seis, deixa em aberto que os cursos adotem outras competências e habilidades além das já apontadas, o que pode ser interpretado como a expressão do princípio da flexibilidade curricular que tem caracterizado as diretrizes dos diversos cursos de graduação (ROCHA, 2006). O “consenso” em torno desta Resolução e do seu Parecer, que instituíram as DCNEF, mesmo passados sete anos de sua implementação, ainda não abrandou as críticas e os questionamentos que ainda perduram na área. Em 2004, o MEEF realizou uma grande manifestação em Brasília com ocupação de prédio público (CNE/MEC), trazendo grandes repercussões na mídia nacional. Atualmente, este movimento desenvolve uma campanha intitulada “Formação Unificada Já!” em que contrariam a perspectiva fragmentadora entre licenciatura e bacharelado, interpretada pelos documentos oficiais citados, e apresentam uma proposta alternativa de texto de Diretrizes63. Já o CBCE, por pressão de professores e pesquisadores em seu último Congresso, realizado em 2009, deliberou em assembleia a reabertura de diálogo junto ao CNE para realização de novas audiências públicas com o objetivo de rever estas DCNEF. Os conteúdos curriculares selecionados nesta Diretriz Curricular, assim como as demais normatizações anunciadas mais acima, conformam um currículo oficial que orienta e prescreve a construção de currículos em cada instituição formativa. Cabe analisar a seguir como estes preceitos advindos das instâncias oficiais se materializam na seleção curricular dos projetos pedagógicos das instituições formativas paraenses. 63 Esta proposta alternativa de DCNEF foi formulada pela “Linha de Estudos e Pesquisa em Educação Física, Esporte & Lazer” (LEPEL), vinculada a Universidade Federal da Bahia, e foi referendada por fóruns dos movimentos sociais do MEEF e do MNCR, encontrando-se no anexo G desta dissertação. 97 2.4 CONTEÚDOS CURRICULARES SELECIONADOS PELOS CURSOS DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA PARAENSE Os cursos das seis instituições que ofertam licenciatura em Educação Física no Estado do Pará (CEDF-UEPA, CEDF-UFPA-Belém, CEDF-UFPA-Castanhal, CEDF-ESMAC, CEDF-ESAMAZ e CEDF-CEULS-ULBRA) organizam e estruturam os seus conteúdos curriculares com base no modelo disciplinar. Todos eles dividem e classificam as disciplinas ou atividades curriculares por eixos, módulos temáticos, áreas ou dimensões do conhecimento. Estas formas de organização possuem algumas diferenças que levam a um maior peso em determinado campo, eixo ou dimensão do conhecimento em detrimento de outros. Entretanto, há mais convergências do que divergências nestas formas de organização curricular aqui analisadas, pois todas seguem as orientações das DCNEF (Resolução CNE/CES 07/04 e Parecer CNE/CES 58/04), já discutidas na subseção anterior. Estas orientações indicam a organização do currículo em torno de três eixos: ampliado, específico e de aprofundamento, e seis dimensões do conhecimento. Esta coincidência intencional dos modelos curriculares dos cursos selecionados neste estudo me permite analisá-los a partir das categorias das dimensões do conhecimento explicitadas pelas DCNEF. O aproveitamento desta estrutura me possibilita utilizar os mesmos critérios para realização de inferências nos conteúdos curriculares apresentados pelas diferentes instituições e, por sua vez, também facilita o acompanhamento e a visualização da exposição por parte do leitor. Com base nesta metodologia, os currículos foram reorganizados em três eixos: básico ou ampliado, específico ou identificador da área e de aprofundamento (caso das disciplinas ou componentes curriculares optativos ou núcleos temáticos de aprofundamento permitidos pelas DCNEF). A maioria das instituições já adota esta mesma forma de organização, que por sua vez reflete as obrigatoriedades das Diretrizes Curriculares nos cursos. Nesta organização curricular, a formação ampliada envolve as ciências de base e os conhecimentos que sustentam uma formação mais ampla, generalizada e de intervenção multidisciplinar do professor de Educação Física, sendo o caso das 98 ciências sociais, humanas, filosóficas, biológicas e da saúde, da antropologia, da psicologia, da história, da legislação educacional em geral e da produção do conhecimento científico e tecnológico. A formação específica abrange os conteúdos específicos clássicos da cultura corporal, ou seja, o esporte, a ginástica, o jogo, a dança, as lutas, a capoeira e outras manifestações corporais; os conhecimentos necessários à organização do trabalho pedagógico docente; e os conhecimentos específicos dos campos de intervenção do professor, tais como o lazer, a saúde, o treinamento desportivo, as políticas públicas, etc. O eixo de aprofundamento representa os conteúdos permitidos pela flexibilização curricular. Este nível da formação se materializa de duas formas: pelos núcleos temáticos de aprofundamento sugeridos pelas DCNEF, que se apresentam na forma de disciplinas optativas ofertadas ao longo do percurso formativo, e pela participação e vivências em atividades complementares e não disciplinares do currículo (estágios, oficinas, cursos, eventos, monitorias, pesquisa, extensão, etc.). Apresento abaixo as características e conteúdos que compõe cada dimensão do conhecimento no currículo da formação de professores de Educação Física, de acordo com a divisão nos eixos da formação ampliada e específica das próprias Diretrizes: • Eixo da formação ampliada: 1- Relação ser humano-sociedade: abrange os conhecimentos científicos e filosóficos da história, da própria filosofia, da antropologia, da sociologia, da psicologia, da cultura geral, da política e da legislação educacional. 2- Biológica do corpo humano: engloba os conhecimentos que têm por base as ciências biológicas e da saúde, ou seja, as disciplinas de base que se propõem a organizar a intervenção do professor de Educação Física no campo da saúde. 3- Produção do conhecimento científico e tecnológico: inclui as disciplinas curriculares que instrumentalizam o futuro professor de Educação Física para a produção da pesquisa acadêmica e científica na área. 99 • Eixo da formação específica: 4- Didático-pedagógico: contém as disciplinas que se preocupam com a especificidade da ação pedagógica docente expressa nos componentes da organização do trabalho pedagógico e com as diferentes vivências pedagógicas da prática curricular sistematizada na forma de disciplinas. 5- Culturais do movimento humano: abrange os conteúdos considerados clássicos da Educação Física (esporte, jogo, ginástica, dança, lutas, capoeira e outras manifestações da cultura corporal), que devem assumir um caráter de ensino teórico-metodológico disciplinar na formação de professores. 6- Técnico-instrumental: engloba as disciplinas que se debruçam sobre conteúdos que objetivem a instrumentalização do aluno para a intervenção docente em seus diferentes campos de ação profissional, tais como os campos da saúde, do lazer, da estética corporal, do treinamento desportivo, da gestão de políticas públicas, etc. A partir da exposição destas dimensões, apresento no quadro, tabela e gráfico que seguem abaixo, os conteúdos curriculares disciplinares selecionados por dimensão do conhecimento e por eixo da formação, com suas respectivas cargas horárias, presentes nos seis PPP dos cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará. Em seguida, realizo as inferências analíticas pertinentes à problemática desta pesquisa. 100 Quadro 3 – Conteúdos curriculares selecionados pelos CEDF do Estado do Pará. DIMENSÃO UEPA UFPA (Belém) UFPA (Castanhal) ESMAC ESAMAZ CEULS-ULBRA F O R M A Ç Ã O A M P L I A D A Relação Ser Humano- Sociedade - Fund. Antropológicos da EF. - Fund. Filosóficos da EF . - Fund. Históricos na EF & Esportes. - Fund. Psicológicos da EF. - Fund. Sociológicos da EF. - Legisl. da Educação e da EF. - Estudos Antropológicos da MH. - Estudos Filosóficos da MH. - Estudos Sociológicos da MH. - História dos Esportes e da EF. - Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento. - Antropologia Educacional. - Estudos Filosóficos e MH. - Estudos Sociológicos e MH. - História dos Esportes e da EF. - Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento. - Fund. Psico-sociais da EF. - Fund. Sócio- antropológicos da EF. - Introdução à EF. - Legislação da Educação Básica para a EF. - Psicologia Educacional e da Aprendizagem. - Políticas Educacionais. - Sociologia da Educação. - Bases Filosóficas Aplicadas à EF Escolar. - Bases Psicológicas Aplicadas à EF Escolar. - Bases Sociológicas Aplicadas à EF Escolar. - Corporeidade, Cultura e Sociedade. - Direito e Legislação da EF Escolar. - Identidade, Diversidade e EF. - História da EF. - Cultura Religiosa. - Currículo e Gestão em Ambientes Educativos. - Fundamentos da EF. - Fund. da Ação Pedag. I - Fund. da Ação Pedag. II - Sociedade e Contemporaneidade. CH (%) 460 (12,2%) 340 (10,8%) 300 (10,0%) 400 (11,7%) 300 (8,9%) 612 (23,1%) Biológica do Corpo Humano - Anatomia Sistêmica e Funcional. - Biologia Aplicada à EF. - Cinesiologia. - Fisiologia Aplicada à EF. - Anatomia Humana. - Bases Biológicas Aplicada à EF. - Fisiologia Geral. - Fisiologia do Esforço. - Neuro-Anantomia. - Nutrição Aplicada à EF e Esportes. - Anatomia Humana. - Bases Biológicas Aplicada à EF. - Fisiologia Geral. - Fisiologia do Esforço . - Neuro-Anatomia. - Noções de Bioquímica e Farmacologia. - Nutrição Aplicada a EF e Esportes. - Anatomia Humana. - Fisiologia das Atividades Físico-Esportivas I - Fisiologia das Atividades Físico-Esportivas II - Anatomia Humana Aplicada a EF. - Fisiologia das Práticas Corporais. - Estudos do Movimento Humano I - Estudos do Movimento Humano II - Fisiologia do Exercício I - Fisiologia do Exercício II CH (%) 320 (8,5%) 408 (13,0%) 420 (14,0%) 160 (4,7%) 144 (4,3%) 272 (10,2%) Produção do Conhec. Científico e Tecnol. - Pesq. e Prática. Ped. em EF I - Pesq. e Prática. Ped. em EF II - Pesq. e Prática. Ped. em EF III - Pesq. e Prática. Ped. em EF IV - Tópicos Especiais da Produção do Conhec. I - Tópicos Especiais da Produção do Conhec. II - Estatística Aplicada à EF. - Pesquisa Educacional em EF. - Seminário de Pesquisa (TCC). - Tecnologias em Inform. e Educação. - Estatística Aplicada à EF. - Laboratório de Pesquisa. - Pesquisa Educacional. - Seminário de Pesquisa (TCC). - Estatística. - Introdução à Informática. - Metodologia da Pesquisa. - Técnicas e Práticas de Leitura e Produção de Textos. - Técnicas de Estudo. - TCC em EF. - Leitura e Produção de Texto. - Teoria e Metod. da Pesq. I - Teoria e Metod. da Pesq. II - Seminário de TCC. - TCC. - Técnicas de Estudos Científicos. - Comunicação e Expressão. - Instrumentalização Científica. CH (%) 760 (20,2%) 221 (7,0%) 225 (7,5%) 320 (9,4%) 396 (11,8%) 136 (5,1%) 101 DIMENSÃO UEPA UFPA (Belém) UFPA (Castanhal) ESMAC ESAMAZ CEULS-ULBRA F O R M A Ç Ã O E S P E C Í F I C A Didático- pedagógica - Didática Aplicada à EF. - Estágio Cur. Superv. I - Estágio Cur. Superv. II - Estágio Cur. Superv. III - Estágio Cur. Superv. IV - EF Adaptada. - LIBRAS. - Didática e Formação Docente Aplicada à EF. - Estágio Superv. I - Estágio Superv. II - Estágio Superv. III - Estágio Superv. IV - EF Adaptada. - Fund. da Educação Inclusiva. - Metod. do Ensino da EF. - Avaliação e Medidas em EF. - Didática e Formação Docente. - Planejamento Educacional. - Prática de Ensino I - Prática de Ensino II - Prática de Ensino III - Prática de Ensino IV - Metod. do Ensino da EF. - Aprendizagem, Crescimento e Desenvolvimento Motor. - Avaliação do Ensino-Aprend. - Conhec. Organiz. Curricular e EF. - Didática. - EF para Pessoas Portadoras de Deficiência. - Estágio Superv. I - Estágio Superv. II - Estágio Superv. III - Metod. do Ensino EF. - Desenv. e Aprend. Motora - Didática Aplicada à EF - EF para PPNEE. - Estágio Superv. I - Estágio Superv II - Estágio Superv. III - Estágio Superv. IV - Prática Pedag. I - Prática Pedag. II - Prática Pedag III - Prática Pedag IV - Pensamento Pedag. da EF Brasileira. - Atividade Motora Adaptada. - Desenv. e Aprend. Motora. - Estágio em EF I - Estágio em EF II - Estágio em EF III - Estágio em EF IV - Organiz. do Trabalho Pedagógico. CH (%) 720 (19.1%) 663 (21,2%) 600 (20,1%) 840 (24,7%) 1064 (31,8%) 680 (25,6%) Culturais do Movimento Humano - Fund. e Mét. da Dança. - Fund. e Mét. do Esporte. - Fund. e Mét. da Ginástica. - Fund. e Mét. do Jogo. - Fund. e Mét. das Lutas. - Ginástica Contemporânea - BTM do Ensino das Ativ. Aquáticas. - BTM do Ensino das Ativ. Rítmicas. - BTM do Ensino do Esporte. - BTM do Ensino da Ginástica. - BTM do Ensino do Jogo. - Cultura Popular e EF: BTM. - Ludicidade e Educação. - BTM do Ensino das Ativ. Aquáticas. - BTM do Ensino das Ativ. Rítmicas. - BTM do Ensino do Esporte. - BTM do Ensino do Folclore Aplicado à EF. - BTM do Ensino da Ginástica. - BTM do Ensino do Jogo. - Ensino do Atletismo. - Ensino do Basquetebol. - Ensino da Capoeira. - Ensino do Futsal. - Ensino do Folclore. - Ensino da Ginástica Escolar. - Ensino da Ginástica de Solo e Acrobática. - Ensino do Handebol. - Ensino da Natação. - Ensino do Voleibol. - Ginástica Geral. - Teoria e Ensino do Jogo. - Teoria e Ensino da Dança. - Fund. do Esporte. - Folclore, Educação e EF. - Ginástica Escolar. - Práticas Corporais Amazônicas. - Teoria e Ens. do Atletismo. - Teoria e Ens. do Basquetebol. - Teoria e Ens. da Capoeira. - Teoria e Ens. da Dança. - Teoria e Ens. do Futsal. - Teoria e Ens. do Handebol. - Teoria e Ens. do Jogo. - Teoria e Ens. das Lutas. - Teoria e Ens. da Natação. - Teoria e Ens. do Voleibol. - Atletismo. - Basquete. - Dança. - Futsal. - Futebol de Campo. - Ginástica Olímpica. - Handebol. - Lutas. - Natação. - Ritmo, Ludicidade e Motricidade. - Voleibol. CH (%) 580 (15,4%) 476 (15,2%) 360 (12,0%) 1040 (30,5%) 840 (25,1%) 340 (12,8%) Técnico- instrum. - EF e Saúde Coletiva. - Estudos do Lazer. - Trein. Desportivo. - Medidas e Avaliação. - Políticas Públicas de EF & Esporte e Lazer no Brasil. - Admin. e Organiz. Esportiva. - Avaliação e Medidas em EF. - EF com Cuidados Especiais. - EF em Academias. - Políticas Púb. em EF e Esportes. - Recreação e Lazer na Sociedade. - Saúde Coletiva e Soc. Urg. - Teoria e Prática do Trein. Desp. - Fund. da Fisioterapia Aplicados à EF e Esportes. - Gestão de Sistemas e Unidades Educacionais. - Recreação e Lazer na Sociedade. - Saúde Coletiva e Soc. Urg. - Ativ. Físico-Esportivas e Atendimento de Emergência. - Ativ. Físicas e Promoção da Saúde. - BTM do Condicion. Físico - Cineantropometria. - Organ. de Eventos Escolares. - Saúde Coletiva. - Fund. Teóricos e Metod. da Promoção da Saúde. - Lazer, Sociedade e Educação. - Organiz. de Eventos Escolares. - Atividade Física e Saúde. - Recreação e Lazer. - Trein. e Avaliação Física. CH (%) 360 (9,5%) 510 (16,3%) 240 (8,0%) 320 (9,4%) 168 (5,0%) 204 (7,7%) 102 UEPA UFPA (Belém) UFPA (Castanhal) ESMAC ESAMAZ CEULS-ULBRA A P R O F U N D A M E N T O Disciplinas Optativas - Admin. e Marketing das Atividades Físicas. - Atletismo. - Basquetebol. - Bases Metodológicas da Musculação. - Biomecânica. - Educação Nutricional. - Esporte Adaptado. - Estatística. - Estudos do Lazer II. - Fisiologia do Exercício. - Fisiopatologia. - Folclore. - Futebol de Campo. - Futsal. - Ginástica Olímpica. - Ginástica Rítmica. - Handebol. - Natação. - Pólo Aquático. - Saltos Ornamentais. - Tênis de Quadra. - Teorias do Movimento. - Trein. das Ativ. Físicas. - Voleibol. - Atletismo. - Avaliação Educacional. - Basquetebol. - Biomecânica. - Fund. Aplicados da Fisioterapia à EF e Esportes. - Futsal. - Futebol de Campo. - Ginástica Rítmica. - Handebol. - Natação. - Noções de Bioquímica e Farmacologia. - Voleibol. - Admin. e Organiz. Esportiva. - Atletismo. - Avaliação Educacional. - Basquetebol. - Biomecânica. - Concepções Metod. da EF Adaptada. - Educação e Problemas Regionais. - EF em Academias. - EF com Cuidados Especiais . - Fund. Teórico-Metod. da Educação Infantil. - Fund. da Educação Especial. - Futebol de Campo. - Futebol de Salão. - Ginástica Rítmica Desportiva. - Handebol. - Ludicidade e Educação. - Natação. - Política Educacional. - Políticas Públicas em EF e Esportes. - Tecn. Inform. e Educação. - Teorias do Desenvolvimento e Meio Ambiente. - Teoria e Prática do Trein. Desportivo. - Voleibol. - EF na Educação Infantil. - EF para a Terceira Idade. - Ensino dos Esportes Alternativos. - Ensino das Lutas. - Ensino da Musculação. - Nutrição e Ativ. Física. - Vivências Corporais. - Biomecânica Aplicada à EF Escolar. - Cinesiologia. - Estatística Aplicada à EF Escolar. - Futebol de Campo. - Jogos Cooperativos. - LIBRAS. - Qualidade de Vida e Educação. - Seminário de Elaboração de Projetos. - Ritmo e Música na EF. - Atividades Aquáticas. - Esportes da Natureza. - Nutrição Aplicada à EF. CH (%) 320 (8,5%) 306 (9,7%) 840 (28,1%) 120 (3,5%) 144 (4,3%) 204 (7,7%) Ativ. Comp. 240 (6,3%) 200 (6,4%) - 200 (5,8%) 288 (8,6%) 200 (7,5%) CH TOTAL 3.760 3.124 2.985 3.400 3.344 2.648 Fonte: elaborado pelo autor a partir dos PPP dos cursos. 103 Tabela 1 – Síntese do peso percentual da carga horária dos currículos do CEDF do Estado do Pará. Fonte: elaborado pelo autor a partir dos dados dos PPP dos cursos. EIXOS DIMENSÕES CH/ Porc. UEPA UFPA- Belém UFPA- Castanhal ESMAC ESAMAZ CEULS- ULBRA F o r m a ç ã o A m p l i a d a Relação Ser Humano - Sociedade CH 460 340 300 400 300 612 Porc. 12,2% 10,8% 10,0% 11,7% 8,9% 23,1% Biológica do Corpo Humano CH 320 408 420 160 144 272 Porc. 8,5% 13,0% 14,0% 4,7% 4,3% 10,2% Produção do Conhec. Cient. e Tecnol. CH 760 221 225 320 396 136 Porc. 20,2% 7,0% 7,5% 9,4% 11,8% 5,1% F o r m a ç ã o E s p e c í f i c a Didático-Pedagógico CH 720 663 600 840 1.064 680 Porc. 19,1% 21,2% 20,1% 24,7% 31,8% 25,6% Culturais do Movimento CH 580 476 360 1.040 840 340 Porc. 15,4% 15,2% 12,0% 30,5% 25,1% 12,8% Técnico-Instrumentais CH 360 510 240 320 168 204 Porc. 9,5% 16,3% 8,0% 9,4% 5,0% 7,7% A p r o f u n d . Disciplinas Optativas CH 320 306 840 120 144 204 Porc. 8,5% 9,7% 28,1% 3,5% 4,3% 7,7% Atividades Complementares CH 240 200 - 200 288 200 Porc. 6,3% 6,4% 0,0% 5,8% 8,6% 7,5% CH Disciplinar 3.520 2.924 2.985 3.200 3.056 2.448 CH TOTAL 3.760 3.124 2.985 3.400 3.344 2.648 104 Gráfico 1 – Comparação dos percentuais de cargas horárias curriculares dos CEDF do Estado do Pará nas dimensões do conhecimento. Fonte: elaborado pelo autor a partir dos dados dos PPP dos cursos. 12,2 10,8 10 11,7 8,9 23,1 8,5 13 14 4,7 4,3 10,2 20,2 7 7,5 9,4 11,8 5,1 19,1 21,2 20,1 24,7 31,8 25,6 15,4 15,2 12 30,5 25,1 12,8 9,5 16,3 8 9,4 5 7,7 8,5 9,7 28,1 3,5 4,3 7,7 6,3 6,4 0 5,8 8,6 7,5 0% 20% 40% 60% 80% 100% UEPA UFPA-Belém UFPA Castanhal ESMAC ESAMAZ CEULS-ULBRA Ativ. Complementares Disciplinas Optativas Técnico-Instrumental Culturais do Movimento Didático-Pedagógico Produção do Conhec. Cient. e Tec. Biológica do Corpo Humano Relação Ser Humano-Sociedade 105 Com base nos dados apresentados acima, realizo algumas inferências analíticas, para em seguida tecer comentários sobre os conteúdos curriculares selecionados nos currículos analisados. No eixo da formação ampliada, a dimensão da “Relação ser humano- sociedade” possui maior peso nos currículos dos cursos analisados, sendo o CEDF- CEULS-ULBRA o que maior destinou carga horária para esta dimensão (23,1%). Esta dimensão reflete as discussões em torno da área das ciências sociais, humanas e filosóficas no interior do currículo, o que contribui para que os cursos se fundamentem em uma consistente base teórica em torna das ciências humanas, possibilitando uma formação mais crítica e transformadora. Curiosamente, nesta dimensão o CEDF-ESMAC e o CEULS-ULBRA não possuem disciplinas específicas para tratar dos conteúdos relacionados aos conhecimentos da história e da filosofia de sua própria área de conhecimento, sendo que no curso da ULBRA, o conteúdo da filosofia é trabalhado juntamente com os conteúdos da estatística em uma disciplina denominada “Fundamentos da Ação Pedagógica I” e, considerando filosofia como uma visão de mundo, também na disciplina “Cultura Religiosa”, que se propõe a discutir o seguinte: Visão global da importância do fenômeno religioso e suas implicações na formação do ser humano e da sociedade, através do conhecimento, análise e pesquisa das principais religiões universais e pela reflexão crítica dos valores humanos, sociais, éticos e espirituais legados pelo cristianismo. (PPP CEDF-CEULS-ULBRA, 2007, p. 15). Com uma tendência cristã, esta disciplina incute uma visão religiosa de mundo, o que afronta o princípio da laicidade em um projeto educacional formativo, pois a vinculação do processo educacional a dogmas e crenças religiosas não contribui para a formação de professores na perspectiva crítica e científica. A seleção deste conteúdo curricular atende apenas aos interesses particulares dos dirigentes desta instituição – ULBRA, que é uma instituição religiosa vinculada à Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Por sua vez, o CEDF-ESAMAZ é o curso que menos prioriza esta dimensão (“Relação ser humano-sociedade”) em seu currículo, destinando apenas 8,9% do total de sua carga horária, o que é seguido pelo CEDF-UFPA-Castanhal (10%) e pelo CEDF-UFPA-Belém (10,8%). Isso reflete uma opção na seleção curricular, em 106 não priorizar estes conteúdos no currículo para o projeto formativo dos professores destas instituições. Na dimensão “Biológica do corpo humano” em que predominam as ciências biológicas e da saúde. Observei que os cursos da UFPA (Belém e Castanhal) dão bastante ênfase nesta dimensão do conhecimento em seus currículos, estabelecendo, respectivamente, 13% e 14% de suas cargas horárias para esta dimensão. Em menor grau, o currículo do CEDF-CEULS-ULBRA também possui um peso considerável nesta dimensão (10,2%). Já os cursos de Educação Física da ESMAC e da ESAMAZ são os que menos se preocupam com esta dimensão, delimitando, respectivamente, 4,2% e 4,3% de carga horária de seus currículos para tal, o que é seguido um pouco distante pelo CEDF-UEPA (8,5%). A prioridade nesta dimensão contribui para que estas ciências se tornem o conhecimento de base no currículo, o que possibilita fortalecer o engajamento do curso a determinadas concepções de Educação Física mais vinculadas ao ramo biológico. Ainda no interior do eixo da formação básica ou ampliada, a dimensão intitulada “Produção do conhecimento científico e tecnológico” é a menos priorizada pelos currículos investigados, o que demonstra a pouca preocupação dos cursos de Educação Física paraenses na instrumentalização dos caminhos da pesquisa científica e da formação de um professor com uma consistente base epistemológica- científica e teórico-metodológica. O CEDF-UEPA é uma exceção a este quadro, pois destina 20,2% de sua carga horária total para os conteúdos pertencentes a esta dimensão, o que representa mais que o dobro da média dos outros cursos aqui analisados. Já o CEDF-CEULS-ULBRA é o que menos prioriza esta dimensão, ofertando apenas 5,1% de seu currículo para os conteúdos vinculados a esta dimensão do conhecimento. Na formação específica, em que se define o conhecimento identificador da área da Educação Física, a dimensão mais priorizada nos currículos dos cursos foi a “Didático-pedagógica”. Tal constatação não é de causar surpresas, uma vez que todos os cursos analisados se caracterizam como de licenciatura. De forma particular, os CEDF da ESAMAZ, da CEULS-ULBRA e da ESMAC dão maior peso de carga horária em seus currículos a esta dimensão (respectivamente 31,8%, 25,6% e 24,7%), em detrimento dos cursos da UEPA e da UFPA Belém e Castanhal 107 (19,1%, 21,2% e 20,1%, respectivamente), ou seja, observo que as IES privadas dão maior ênfase aos conteúdos vinculados especificamente à organização do trabalho pedagógico docente, fortalecendo o seu caráter de licenciatura, quando comparadas com os cursos das universidades públicas aqui analisados. A meu ver, esta constatação precisa ser melhor explicada. Pereira (2006) já havia constatado um desprestígio das universidades às licenciaturas, aos conhecimentos didático-pedagógicos e às tarefas ligadas ao ensino, em função da hierarquia das atividades em torno da pesquisa e da produção científica neste tipo de instituição. Um dos trabalhos em que o autor se fundamenta relata: A Universidade não tem assumido a formação do professor como uma de suas tarefas centrais. Há, mesmo, autoridades universitárias (inclusive na UFMG) que julgam poder a Universidade declinar dessa tarefa, passando a se preocupar apenas com a formação do pesquisador, deixando as Licenciaturas a cargo das instituições particulares. (ALVARENGA, 1991 apud PEREIRA, 2006, p. 37). Já os estudos de Corrêa (2002 e 2006) sobre a situação do Ensino Superior no Estado do Pará revelam, por um lado, uma significativa expansão e diversificação das IES privadas e, por outro, indicam a existência de um promissor mercado nos cursos de formação de professores no Estado (com especial destaque para o curso de Pedagogia) que também abrange as demais licenciaturas. Deste modo, avalio que a ênfase nestes conteúdos mais ligados ao caráter da docência, manifestada com maior intensidade pelos CEDF da ESMAC, ESAMAZ e CEULS-ULBRA, se encaixa nas formulações dos autores aqui apresentados, tendo- se em vista a busca por consumidores cada vez mais dispostos a se “qualificarem”. Este elemento pode estar combinado com outros, como o encarecimento dos cursos privados, com necessária aquisição de infra-estrutura e material técnico e didático exigidos para o desenvolvimento de habilitações em outros campos, que não a docência em sala de aula. Na dimensão “Culturais do movimento humano”, que contém os conteúdos clássicos da Educação Física, os conhecimentos devem estar organizados de forma a propiciar as bases teóricas, didáticas e metodológicas do seu ensino na Educação Básica. Nos dados apresentados, considero que o CEDF-ESMAC e o CEDF- ESAMAZ priorizam bastante esta dimensão, destinando a ela respectivamente 108 30,5% e 25,1% de suas carga horárias. Estes dois cursos junto com o CEDF- CEULS-ULBRA possuem uma demasiada fragmentação disciplinar em torno do conteúdo “Esporte”. Este não é concebido em sua totalidade como um fenômeno social e cultural que possui particularidades e relações, mas é tratado nos currículos a partir de suas especificidades em torno das diferentes modalidades esportivas, abandonando-se assim uma visão ampliada e integral do Esporte em detrimento de uma perspectiva fragmentadora, especialista, técnica e desportivizante deste conteúdo curricular. Já os cursos da UEPA, UFPA-Belém e UFPA-Castanhal (juntamente com o CEULS-ULBRA) são os que menos enfatizam esta dimensão, o que indica, por um lado, um esforço de síntese da totalidade dos conteúdos da cultura corporal, sendo este o caso principal do CEDF-UEPA; mas, por outro lado, também implica uma negação de determinados conteúdos históricos da Educação Física, sendo este o caso, principalmente, do CEDF-CEULS-ULBRA, ao não ofertar em seu currículo, conteúdos disciplinares como o “Jogo” e a “Ginástica” não competitiva em seu percurso formativo. Quanto à dimensão “Técnico-instrumental”, identifico que os cursos das universidades públicas são os que dão maior ênfase neste tipo de conhecimento, com exceção do CEDF-ESMAC. O CEDF-UFPA-Belém é a instituição que maior destina carga horária para esta dimensão (16,3%); já o CEDF-ESAMAZ é o que menos destina carga horária a ela (3,2%). Os dados apresentados indicam que os conteúdos curriculares desta dimensão se apresentam de forma inversamente proporcional aos conteúdos dos conhecimentos “Didático-pedagógicos”, porém, esta simplória afirmação precisa de elementos mais consistentes para sua explicação. Sobre os conteúdos privilegiados na dimensão “Técnico-instrumental”, observo ainda que os campos da Saúde, do Treinamento Desportivo, do Lazer, da Estética, da Política Pública e da Gestão/Administração estão presentes nos cursos de Educação Física paraenses. O campo da Saúde é o que possui maior peso e recorrência nos currículos analisados no Estado, estando presente em todos os cursos, seguido pelos campos do Lazer e do Treinamento Desportivo. Já os campos da Estética, das Políticas Públicas e da Gestão/Administração são os menos priorizados no Estado. Do mesmo modo, no eixo de aprofundamento da formação, em particular nas disciplinas optativas, as instituições públicas são as que maior ofertam carga 109 horária e diversidade de conhecimento nas disciplinas ofertadas. Nas instituições privadas, a oferta de carga horária e diversidade de disciplinas e campos de conhecimentos ou de atuação são bastante reduzidas, o que ratifica o prognóstico de que tais IES optam pelo barateamento dos custos da formação do professor, uma vez que a oferta de mais disciplinas exige mais professores, mais laboratórios, mais infra-estrutura, etc. Algumas inovações curriculares foram anunciadas ou se manifestaram nos cursos investigados. No CEDF-CEULS-ULBRA, a organização curricular apresentada em seu PPP se estabelece por “módulos temáticos”, estes sugerem temas comuns para um determinado campo de saber, o que deveria resultar na aglutinação dos componentes curriculares em uma proposta interdisciplinar. Entretanto, não encontrei esta proposta de organização curricular materializada no currículo desta instituição, a não ser pelos conteúdos específicos descritos na ementa programática das disciplinas “Fundamentos da Ação Pedagógica I e II”. Nestas disciplinas, estão aglutinados conhecimentos de áreas distintas (Filosofia e Estatística) ou próximas (Educação Inclusiva/Especial e Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem) em um mesmo programa disciplinar, sem haver, contudo, indícios de que estes conteúdos se desenvolvem de forma integrada. Assim, analiso que esta inovação apresenta-se mais como uma interdisciplinariedade vazia ou uma pseudo-interdisciplinariedade (SANTOMÉ, 1998), do que um trabalho integrado dos componentes curriculares propriamente dito. Outra particularidade se encontra no CEDF-UEPA. Este curso possui um conteúdo curricular que acompanha o percurso formativo do educando ao longo de seu desenvolvimento. As disciplinas “Pesquisa e Prática Pedagógica I, II, III e IV”, que são ofertadas desde o primeiro semestre do curso até o último, tratam sobre os conhecimentos referentes à prática de pesquisa relacionada à prática pedagógica do professor de Educação Física em seus diferentes campos de intervenção (escola, saúde, treinamento, lazer, etc.). Esta organização curricular permite que o curso se aproprie de aspectos epistêmicos e metodológicos da pesquisa científica, como também de elementos didático-pedagógicos, fortalecendo a concepção de um professor também pesquisador. Identifico nesta proposta a maior inovação curricular encontrada nos currículos de Educação Física paraense. 110 Pelas particularidades destas disciplinas (“Fundamentos da Ação Pedagógica I e II” do CEDF-CEULS-ULBRA e “Pesquisa e Prática Pedagógica I, II, III e IV” do CEDF-UEPA), elas não se encaixam em apenas uma dimensão do conhecimento, o que revela a fragilidade destas dimensões indicados pelas DCNEF em uma proposta interdisciplinar, porém, acomodei tais disciplinas em determinada dimensão já enunciada acima, pela maior proximidade de sua proposta ementaria, ainda que esta aproximação seja limitada. Ao realizar uma análise geral dos conteúdos curriculares não selecionados ou pouco privilegiados nos cursos investigados, observo uma grande secundarização, ou mesmo exclusão, dos conhecimentos vinculados a temáticas como Educação Inclusiva, Educação Especial e PNEE. Dos seis cursos de Educação Física analisados, apenas dois (UFPA-Belém e CEULS-ULBRA) dispõem de uma disciplina para discutir Educação Inclusiva64; cinco cursos (UFPA-Belém, UEPA, ESMAC, ESAMAZ e CEULS-ULBRA) dispõem de apenas uma disciplina curricular obrigatória para tratar de Educação Especial ou de PNEE, sendo que dois deles (CEDF- ESMAC e CEDF-ESAMAZ) ainda se referem ao termo “Pessoas Portadoras” (o que remete à visão de tal questão como uma situação e não uma condição de vida). O CEDF-UFPA-Castanhal somente trata deste conteúdo de forma disciplinar no rol de conhecimentos optativos. Mas ainda assim, poder-se-ia argumentar que a legislação educacional não orienta o trato destes conteúdos na forma disciplinar, pois apenas flexibilizam para a sua tematização ou transversalidade ao longo percurso formativo. Tal argumentação não justifica a opção das instituições em não igualarem esses conteúdos nos mesmos critérios de seleção dos demais conhecimentos. Além do mais, esta justificativa também não tem respaldo normativo, uma vez que o Decreto 5626/05 que institui a LIBRAS como disciplina obrigatória nos currículos dos cursos de formação de professores, somente está sendo cumprido no PPP pelo CEDF- UEPA65. Isto demonstra o descaso da formação de professores de Educação Física paraense para com estas questões socialmente relevantes. 64 Como já dito um pouco mais acima, o CEDF-CEULS-ULBRA trata deste conteúdo na disciplina “Fundamentos da Ação Pedagógica II”, porém associada a outros conteúdos relacionados à Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem. 65 O CEDF-ESAMAZ oferta esta disciplina na condição de disciplina optativa, o que também foge à legislação. Sabe-se também da readequação do currículo na prática, em função do atendimento à esta normatização no CEDF-ESMAC. Porém, não tenho conhecimento deste “improviso” nos outros cursos. 111 Do mesmo modo, os temas concernentes à Educação das Relações Étnico- Raciais e à Educação Ambiental encontram-se praticamente excluídos dos cursos de Educação Física no Pará. Sobre o primeiro tema, como parte do objeto de estudo da Educação Física, a Capoeira, foi selecionada em apenas dois cursos (CEDF- ESMAC e CEDF-ESAMAZ), como parte da dimensão “Culturais do movimento”. A segunda temática, Educação Ambiental, foi selecionada por dois cursos (CEDF- UFPA-Castanhal e CEDF-CEULS-ULBRA) na forma de disciplinas optativas, estando, portanto, excluída do currículo obrigatório. Nesta seção, meu objetivo foi decifrar os conteúdos curriculares selecionados no percurso formativo dos cursos de licenciatura em Educação Física no Estado do Pará. Assim, realizei uma incursão teórica e conceitual na literatura para desvendar os enigmas sobre currículo, seleção curricular e conteúdos curriculares, para identificar os conteúdos curriculares presentes nas prescrições oficiais dos cursos de Educação Física paraense. Constatei que o currículo prescrito nas DCNEF está centralizado pela noção de competências, conceito este que adentra nesta área de conhecimento por força dos interesses mercadológicos e empresariais, representados principalmente pela instituição CONFEF, e pelas instâncias governamentais preocupadas em implementar políticas de reformas educativas e curriculares que visam transformar a educação em um serviço vinculado às necessidades do capitalismo contemporâneo. Sobre estas DCNEF, também concluo que são produtos tanto de conflitos quanto de consensos no interior da área, prevalecendo este último aspecto, devido ao papel que determinados agentes, instituições e segmentos da Educação Física assumiram na construção desse projeto curricular, refiro-me principalmente ao CBCE, que renunciou ao enfrentamento coerente contra o Sistema CONFEF/CREF, restando o movimento de resistência apenas nas mãos do movimento estudantil organizado. Nos currículos programados em torno dos PPP dos seis cursos de licenciatura em Educação Física investigados no Estado do Pará, identifico que todos os cursos materializam seus conteúdos curriculares no tradicional modelo disciplinar; que organizam seus currículos na lógica da orientação das DCNEF em seis dimensões de conhecimento e três eixos de formação; que há poucas inovações curriculares, manifestadas apenas no CEDF-CEULS-ULBRA, com a proposta de módulos temáticos nas disciplinas “Ação Pedagógica I e II”, e no CEDF- UEPA, com as disciplinas “Pesquisa e Prática Pedagógica I, II, III e IV”, que integram 112 a formação do pesquisador à prática docente em todo o percurso formativo desta instituição. Constato que os cursos das IES privadas possuem maior conotação do aspecto docente em seus conteúdos, quando comparados com os cursos das IES públicas. Esta ênfase no caráter de licenciatura nas IES privadas está relacionada ao surgimento de um mercado de formação de professores no Estado, o que tem resultado em uma “explosão” de criação de cursos de pedagogia e de licenciaturas no Pará por parte do setor privado. Contudo, esta hipótese precisa ser melhor explorada, tendo em vista a necessidade de identificar as múltiplas determinações que podem explicar este fenômeno, como a opção dos empresários destas instituições no investimento de um serviço (o curso de formação de professores de Educação Física) que lhe seja mais rentável, considerando a relação custo- benefício. Sobre os conteúdos curriculares selecionados, apresento que os conhecimentos vinculados às dimensões “Relação ser humano-sociedade”, “Didático-pedagógica” e “Culturais do movimento humano” são os mais privilegiados nos cursos; que os conteúdos curriculares vinculados às dimensões “Biológicas do corpo humano”, “Produção do conhecimento científico e tecnológico” e “Técnico- instrumental” são pouco privilegiados; que este quadro geral possui algumas exceções, caso do CEDF-UEPA, que destina a maior parte do seu currículo para a “Produção do conhecimento científico e tecnológico”, do CEDF-UFPA-Belém, que dedica um peso significativo de seu currículo à dimensão “Técnico-instrumental”, e dos dois cursos da UFPA, que privilegiam a dimensão “Biológica do corpo humano”. Por fim, discorro ainda que os temas ligados à Educação Inclusiva, Educação Especial, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Ambiental estão praticamente negados nos currículos de Educação Física investigados. Com a circunscrição dos conteúdos selecionados, pouco privilegiados e negados nos currículos dos cursos de Educação Física do Estado do Pará apresentados nesta pesquisa, cabe resgatar a afirmação de Sacristán (2000): 113 Numa sociedade avançada, o conhecimento tem um papel relevante e progressivo cada vez mais decisivo. Uma escola “sem conteúdos” culturais é uma proposta irreal, além de descomprometida. O conhecimento, e principalmente a legitimação social de sua possessão que as instituições escolares proporcionam, é um meio que possibilita ou não a participação dos indivíduos nos processos culturais e econômicos da sociedade, ou seja, que a facilita num determinado grau ou numa direção. [...] A obsolescência das instituições escolares e dos conteúdos que distribuem pode levar a negar essa função, mas não nega tal valor, e sim a possibilidade de que se realize, deixando que operem outros fatores exteriores, ainda que nenhum currículo, por obsoleto que seja, é neutro. A ausência de conteúdos valiosos é outro conteúdo, e as práticas para manter os alunos dentro de currículos insignificantes para eles são todo um currículo oculto. (SACRISTÁN, 2000, p. 19-20, grifos nossos). Neste sentido, mesmo a negação de determinados conteúdos ou sua pouca prevalência nos projetos formativos investigados indica uma determinada opção em termos curriculares. Estes conteúdos, por estarem negados ou pouco privilegiados, orientam a formação do professor de Educação Física para uma determinada intervenção na sociedade, ou seja, direcionam para um determinado projeto de sociedade, de educação e de Educação Física. Assim, os conteúdos curriculares selecionados e negados nesses cursos expressam determinadas concepções de Educação Física e modelos de profissionalidade docentes. Nas seções seguintes, adentro nestas discussões tomando como referência os conteúdos já expostos nesse momento, os quais complemento com as análises das ementas e dos referenciais bibliográficos das disciplinas. 114 Figura 3 – Hércules e a Hidra, Antonio Pollaiuolo, c. 1475. Fonte: 115 3 A HIDRA DE CINCO CABEÇAS: AS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO FÍSICA MANIFESTADAS NOS PROJETOS POLÍTICOS PEDAGÓGICOS DOS CURSOS DE LICENCIATURA PARAENSE Falsos valores e palavras ilusórias: são estes os piores monstros para os mortais; longamente e à espera, dorme neles a fatalidade. Friederich Nietzche Nesta seção, analiso as concepções de Educação Física presentes nos PPP dos seis cursos de licenciatura selecionados para este estudo. Inicio o debate sobre tais concepções a partir da visão crítica do Movimento Renovador da Educação Física e sigo dialogando com os autores que têm estudado esse assunto nos últimos anos, apresentando as características das concepções anunciadas pela literatura e o meu posicionamento a respeito de determinados autores e concepções. Posteriormente, avalio as DCNEF com o intuito de identificar as concepções pedagógicas de Educação Física predominantes nas prescrições curriculares desta área de conhecimento e, por fim, analiso as concepções presentes nos projetos formativos de professores de Educação Física das instituições paraenses. Uma hidra66 é um ser mitológico de muitas cabeças. Segundo o mito grego, assim que uma cabeça era cortada de seu corpo outras nasciam em seu lugar, tornando este animal imortal. Ao analisar as concepções pedagógicas da Educação 66 A Hidra de Lerna recebeu este nome porque vivia no lago Lerna, em Argólida (Grécia). Segundo a mitologia, o monstro foi criado pela deusa Hera para destruir o herói Héracles (Hércules, em romano). Outra versão diz que a Hidra é filha de duas criaturas, Tifão e Equidna, que geraram também outros monstros (Cérbero, Ortro e Gérion). A Hidra é descrita como uma gigantesca serpente com várias cabeças (cinco, sete, nove ou até cem cabeças) que exalam um vapor destrutivo; quando uma cabeça é cortada, nasce imediatamente outra ou duas em seu lugar, sendo a cabeça central imortal. A Hidra é citada na mitologia como o segundo dos doze trabalhos de Héracles. Este, ao tentar cortar as cabeças do monstro com uma espada, não conseguia derrotá-lo em função do mágico poder regenerador que o ser possuía. O herói então mudou sua tática, solicitou a Iolau, o sobrinho que o acompanhara nesta jornada, para fazer uma tocha e com o fogo cauterizar as as decapitações, antes delas regenerarem. Assim, o herói conseguiu decepar todas as cabeças da Hidra, restando apenas a imortal. Héracles então a esmagou com uma rocha, matando por fim o mostro. Diz ainda a lenda que o herói banhou suas flechas no sangue da criatura, tornando-as venenosas. Este monstro mitológico seria a representação de um rio com suas várias nascentes. “A interpretação do mito é de que se trata de um rito aquático. A hidra com as cabeças, que renasciam, seria, na realidade, o pântano de Lerna, drenado pelo herói. As cabeças seriam as nascentes, que, enquanto não fossem estancadas, tornariam inútil qualquer drenagem.” (A HIDRA..., 2009). Simbolicamente, o mito da luta de Héracles contra a Hidra é identificado à dificuldade em combater os defeitos, os vícios e a “podridão” humana, que insistem em retornar, mesmo que se cortem alguns desses males. A espada é o símbolo do combate espiritual, que é combinada com a purificação pelo fogo; o sangue que envenena as flechas e o hálito mortal do bicho indicam a força desses vícios em corromper e destruir o ser humano. 116 Física nas instituições paraenses, deparei-me com as cabeças deste monstro extraordinário e com a sua formidável insistência em permanecer vivo. Este monstro nada mais representa do que um conjunto de ideias, teorias e valores que na Educação Física tomam a forma de concepção pedagógica. 3.1 O DEBATE SOBRE CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO FÍSICA Uma concepção é um modo de conceber as coisas, os fenômenos, a realidade, o mundo; um ponto de vista baseado em experiências, conhecimentos e valores, permeado por princípios filosóficos e epistemológicos, sejam estes conscientes ou não. Para fins deste estudo, não vou fazer distinções entre concepções, abordagens, tendências, correntes, teorias, ideias, perspectivas e escolas de pensamento, mesmo reconhecendo que há diferenças conceituais nestas terminologias. Esta opção resulta que uma determinada visão de homem, sociedade, educação e Educação Física que a literatura da área apresente como tal, será considerada como uma concepção. Desse modo, qualquer um dos termos apresentados acima será equivalente a uma concepção pedagógica de Educação Física. Ao acrescentar o adjetivo “pedagógico” às concepções, estou considerando a possibilidade de que tais concepções materializem propostas metodológicas concretas de atuação docente na Educação Física. Assim, compartilho do conceito de Saviani (s/d), segundo o qual: A expressão “concepções pedagógicas” é correlata de “idéias pedagógicas”. A palavra pedagogia e, mais particularmente, o adjetivo pedagógico têm marcadamente ressonância metodológica denotando o modo de operar, de realizar o ato educativo. Assim, as idéias pedagógicas são as idéias educacionais entendidas, porém, não em si mesmas, mas na forma como se encarnam no movimento real da educação orientando e, mais do que isso, constituindo a própria substância da prática educativa. [...] Portanto, em termos concisos, podemos entender a expressão “concepções pedagógicas” como as diferentes maneiras pelas quais a educação é compreendida, teorizada e praticada (SAVIANI, s/d, s/p, grifo nosso). Neste sentido, as concepções pedagógicas podem expressar diferentes níveis de abrangência da realidade socioeducacional, desde a compreensão mais geral e filosófica da educação até a organização da prática pedagógica do professor. 117 Saviani (s/d) apresenta três níveis de concepções pedagógicas. O primeiro, o “nível da filosofia da educação”: realiza uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre a educação, apontando as finalidades e os valores de uma determinada visão geral de homem, mundo e sociedade. O segundo, o “nível da teoria da educação”: sistematiza os conhecimentos sobre vários aspectos da questão educacional, permitindo compreender o lugar e o papel da educação na sociedade; pode ser identificado com a pedagogia, quando sistematiza métodos e procedimentos, objetivando dar intencionalidade ao ato educativo. E o terceiro, o “nível da prática pedagógica”: sistematiza o modo como é organizado e realizado o ato educativo, ou seja, concretiza as metodologias de ensino da educação. Do mesmo modo, Taffarel (apud PALAFOX e NAZARI, 2007) utiliza três critérios para caracterizar uma concepção pedagógica na Educação Física: a natureza filosófica, a política e a pedagógica. O primeiro critério está relacionado às “proposições epistemológicas”, ou seja, à resolução de questões sobre o que é ciência, o que é Educação Física e qual seu objeto de estudo. O segundo envolve a “direção política para o processo de formação humana”, o que pode ser observado pelas proposições curriculares e suas relações com um dado projeto histórico de sociedade. O terceiro utiliza as categorias que fundamentam as “proposições teórico-metodológicas”, as quais podem ser identificadas por meio das práticas pedagógicas que as concepções propõem. Assim, identifico uma grande aproximação entre Dermeval Saviani e Celi Taffarel nas formas de categorização das concepções pedagógicas. Entretanto, esta última vai além, quando pontua a possibilidade de identificar e desvendar os fundamentos ontológicos, epistemológicos e a direção do projeto histórico de sociedade presente em cada concepção. De acordo com o nível de abrangência das proposições teóricas e metodológicas, a autora estabelece dois tipos de concepções pedagógicas: propositivas e não propositivas, as quais serão utilizadas nesse presente estudo. Ao iniciar a exposição sobre as diferentes concepções de Educação Física construídas historicamente no Brasil, é pertinente resgatar que desde as primeiras sistematizações dos exercícios físicos na Europa dos séculos XVIII e XIX que originaram a própria Educação Física, os chamados métodos ou escolas de 118 ginástica67, as distintas proposições metodológicas destes exercícios possuíam extremas semelhanças em suas bases epistemológicas, políticas, sociais e pedagógicas, ou seja, em suas concepções pedagógicas. Tais métodos fundamentavam-se no cientificismo positivista, concebiam a sociedade como extensão da natureza, o homem como um ser anátomo-fisiológico e o corpo como uma máquina. Por fim, sistematizavam sua prática pedagógica com base na repetição de movimentos analíticos (partes e segmentos corporais) ou sintéticos, sob a autoridade absoluta do professor-instrutor. Segundo Soares (1994), as primeiras sistematizações da Educação Física (os métodos ginásticos) são criadas em função das necessidades da expansão industrial capitalista e do imperativo da nova ordem burguesa em controlar o conjunto da sociedade. A preocupação central da Educação Física foi a construção de um novo homem, mais forte, resistente, vigoroso e que aceitasse os valores, os hábitos, a moral e a direção política da nova sociedade emergente. Assim: A Educação Física será a própria expressão física da sociedade do capital. Ela encarna e expressa os gestos automatizados, disciplinados e, se faz protagonista de um corpo “saudável”; torna-se receita e remédio ditada para curar os homens de sua letargia, indolência, preguiça, imoralidade, e, desse modo, passa a integrar o discurso médico, pedagógico... familiar (SOARES, 1994, p. 10). A Educação Física foi trazida para o Brasil por imigrantes alemães, mesmo este país não sendo mais oficialmente uma colônia européia. Ela adentra nos estabelecimentos de ensino a partir da reforma Couto Ferraz de 1854 e teve seu conteúdo centrado no chamado Método Alemão68 de ginástica (DARIDO, 2003). Porém, este método sofreu uma forte resistência de intelectuais liberais, tais como 67 De acordo com Soares (1994), os métodos ou escolas de ginástica, conhecidos pelas denominações dos países que os sistematizaram (Francês, Alemão e Sueco), tiveram significativa influência na implantação da Educação Física no Brasil. A autora destaca que, apesar das diferenças e especificidades de cada método, todos eles possuíam objetivos gerais comuns: regenerar a raça, promover a saúde, desenvolver a vontade, a coragem, a força e a moral para uma nova sociedade emergente (capitalista). Esclareço que no contexto histórico mencionado, o termo ginástica era equivalente à Educação Física. 68 O Método Alemão é caracterizado pela ênfase no patriotismo e nacionalismo, com um acentuado caráter militar; utiliza-se das ciências biológicas, como anatomia e fisiologia, para a sua fundamentação; seus principais precursores são Guts Muths (1759-1839) e Friederich Jahn (1778- 1825). Este último criou obstáculos artificiais para a prática do “Turnen” (ginástica), que originou os “aparelhos de ginástica” da modalidade olímpica conhecida atualmente como Ginástica Artística. De acordo com Goellner (1992), o Método Alemão se estabeleceu de forma hegemônica nas escolas brasileiras até aproximadamente 1920, porém com muitas dificuldades advindas da falta de estrutura e espaço físico nas escolas da época. 119 Rui Barbosa e Fernando de Azevedo, que defenderam a adoção do Método Sueco69. De acordo com Soares (1994): Estes pensadores atribuem à Ginástica Sueca uma maior adequação aos estabelecimentos de ensino, dado o seu caráter essencialmente pedagógico. Esta defesa por parte destes intelectuais de épocas subseqüentes serviu para disseminar a Ginástica Sueca no Brasil. Com isso, lentamente, a ginástica alemã vai se restringindo aos estabelecimentos militares e a ginástica sueca vai se tornando a mais adequada para a Educação Física civil, quer seja no âmbito escolar, quer seja fora dele (SOARES, 1994, p. 74). Assim, em 1879, na Reforma Leôncio de Carvalho (Decreto n.º 7.247, de 19 de abril de 1879), o ensino da ginástica (sinônimo de Educação Física) já compunha o currículo obrigatório das escolas primárias e secundárias dos municípios da Corte. Dando continuidade, o Parecer n.º 224 de Rui Barbosa70 sobre o assunto indicava a ginástica como prática obrigatória nas escolas primárias e, inclusive, na formação de professores (BARBOSA, 1946). Segundo o mesmo Parecer, o Método Sueco deveria ser implementado no Brasil em função de sua dimensão pedagógica mais adequada à formação das crianças. Goellner (1992) faz, entretanto, a seguinte observação sobre tal método: Porém, na realidade o Método Sueco, no Brasil, sustentou os mesmos objetivos que o Método Alemão e que estavam ligados ao fortalecimento da raça e à conseqüente preparação do indivíduo necessário à produção. Mesmo tendo conquistado a simpatia dos médicos e intelectuais como Rui Barbosa e Fernando de Azevedo, não obteve concretamente na instituição escolar muita legitimidade. Este espaço acabou sendo ocupado de forma mais efetiva pelo Método Francês que não apenas popularizou-se no país como ainda foi adotado oficialmente e, mais que isso, tornou-se obrigatório para todas as instituições de ensino (GOELLNER, 1992, p. 121-122). 69 O Método Sueco é voltado para a questão da saúde do indivíduo, possuindo uma característica acentuadamente higienista. O higienismo foi uma ideologia formulada pelo liberalismo na Europa do século XIX que apregoava cuidados higiênicos, tais como práticas de assepsia corporal, políticas de sanitarismo e urbanização públicas. Para além da preocupação com as epidemias, as doenças e os vícios sociais, que ameaçava a nova ordem econômica, o higienismo pressupunha a adoção de um conjunto de regras, comportamentos, hábitos e valores próprios do liberalismo, como a responsabilização do indivíduo perante as “doenças” e mazelas sociais. No Método Sueco, a preocupação está em aspectos ortopédicos, de desvios posturais, combate a enfermidades e vícios sociais (alcoolismo, indolência, vagabundagem, etc.) pela prática de exercícios físicos, além de ter finalidades puramente estéticas. Seu precursor foi o poeta e escrito sueco Pehr Henrick Ling (1776-1839). Segundo Santos e Sá (s/d), a adoção do Método Sueco no Brasil esteve relacionado às necessidades da realidade brasileira em desenvolver nas crianças o vigor físico, a preservação da pátria e da saúde, segundo o pensamento dos liberais brasileiros. 70 O documento intitulado “Reforma do Ensino Primário e várias Instituições complementares da Instrução Pública” (1883), é um calhamaço de 1.352 páginas, organizado em quatro tomos e discorre sobre o posicionamento de Rui Barbosa acerca da Reforma Leôncio de Carvalho. 120 O Método Francês71 chegou ao Brasil em 1907 com a vinda de uma missão militar francesa ao país contratada para instruir a Força Pública do Estado de São Paulo. Com a nova ordem republicana brasileira e o incipiente processo de industrialização no país, este método se difunde nas instituições militares e atinge instituições civis e escolares, até ser adotado nacionalmente como o método oficial e obrigatório para todos os estabelecimentos de ensino72. Após este breve panorama, esclareço que não é meu objetivo debruçar-me sobre às especificidades do desenvolvimento histórico da Educação Física no Brasil. No entanto, é necessário situar que desde a construção da Educação Física e sua transmutação para as terras tupiniquins, os distintos métodos ginásticos que constituíram esta disciplina escolar estavam permeados por concepções filosóficas, políticas e pedagógicas voltadas aos interesses do capitalismo, em seus desiguais estágios de desenvolvimento. Como afirma Soares (1994): Fruto da biologização e medicalização das práticas sociais, a Educação Física foi estruturada a partir do ideário burguês de civilidade, significando, de um lado conquista individual e mágica de saúde física, e de outro disciplinarização da vontade e, desse modo, constituindo-se em importante instrumento de construção da ordem (SOARES, 1994, p. 158). Deste modo, ao analisar as concepções pedagógicas da Educação Física, alerto que tais concepções também não são abnegadas de interesses de classes sociais. A classe burguesa desde que chegou ao poder, há 300-350 anos na França e depois no conjunto da Europa e do mundo, elaborou e tem elaborado um conjunto de teorias, ideias, valores e hábitos para a sua reprodução sociometabólica. Nas teorias filosóficas, educacionais e pedagógicas desenvolvidas por esta classe, encontram-se também as concepções pedagógicas de Educação Física. Com esta premissa, estabeleço a discussão sobre as concepções de Educação Física, partindo da década de 1980, quando se inicia a construção dos alicerces das primeiras concepções críticas desta área de conhecimento. 71 O Método Francês teve como precursor o militar espanhol e naturalizado francês D. Francisco de Amorós y Ondeano (1770-1848). Influenciado pelo Método Alemão e Sueco, Amorós sistematizou sua ginástica em função de quatro finalidades: civil e industrial, militar, médica e cênica ou funambulesca. Da mesma forma que os outros, o Método Francês se embasa nos pressupostos de uma ciência biologicista e funcionalista. A ginástica civil, pela possibilidade de sua massificação, foi a mais disseminada no Brasil. 72 Em 1921, o Decreto 14.784, de 12 de abril do ano mencionado, implantou oficialmente o Método Francês no Exército brasileiro e; em 1927, o documento intitulado “Regulamento Geral da Educação Física” instituiu este método como obrigatório para todos os estabelecimentos de ensino no Brasil. 121 Na década de 1980, diversos autores e intelectuais da Educação Física se esforçam para caracterizar as concepções que têm prevalecido historicamente na área e, paralelamente, para constituir concepções alternativas ao status quo dominante. Esse movimento inicial na produção científica e literária da área, conhecido como Movimento Renovador da Educação Física (MUNIZ, RESENDE e SOARES, 1998; BRACHT, 1999; SOARES, 2004), somente foi possível pelo contexto peculiar da realidade social e política que caracterizou esta década. Em tal contexto, o Brasil passou por profundas mudanças que levaram ao chamado processo de redemocratização e de abertura política. Na Educação Física, foram criados cursos de pós-graduação que influenciaram professores com outros referenciais; houve uma significativa ampliação da produção do conhecimento específico na área; ocorreu um movimento de retorno de professores que estavam no exterior; além de haver a influência das teorias pedagógicas críticas, em particular daquelas de cunho marxista, que se espraiam nas discussões acadêmicas da área. Sobre este contexto, Marta Genú Soares (2004) assim explica: O Movimento Renovador na Educação Física não surge isolado, faz parte de um cenário político-social que abrange diferentes segmentos. Há um processo de redemocratização do país: a classe trabalhadora se organiza com a criação do Partido dos Trabalhadores; na Igreja Católica se dá o movimento de renovação com a Teologia da Libertação; no setor político os exilados começam a retornar ao país com o AI-5 (Ato Institucional de número cinco). Na Educação Física ele surge simultaneamente ao movimento da Pedagogia (SOARES, 2004, p. 13). O Movimento Renovador, que se debruçou na crítica das concepções historicamente existentes na Educação Física e no anúncio de novas possibilidades para repensar as bases filosóficas, pedagógicas e a prática docente desta disciplina escolar, foi produto desse contexto histórico, social, político e acadêmico. Dentre os autores73 que compuseram as críticas e as elaborações em torno da Educação Física nesse período, selecionei aqueles que apresentam e discutem classificações de concepções pedagógicas existentes até então na Educação Física, a saber: João Paulo Medina (1983), Apolônio Abadio do Carmo (1985), Lino Castellani Filho (1994) e Paulo Guiraldelli Júnior (2007)74. 73 Esses autores já foram mencionados na Introdução desta pesquisa. 74 As obras de Castellani Filho e Paulo Guiraldelli Júnior foram publicadas pela primeira vez em 1988 e 1987, respectivamente. 122 Medina (1983) é um dos primeiros autores a questionar as concepções pedagógicas existentes na Educação Física e a vislumbrar uma nova concepção para esta área. O autor apresenta três concepções: a Educação Física Convencional, a Educação Física Modernizadora e a Educação Física Revolucionária. O autor relaciona estas concepções aos três níveis de consciência desenvolvidos na teoria pedagógica de Paulo Freire 75. A “Educação Física Convencional” apóia-se no senso comum, influenciada pela pedagogia tradicional, trabalha o corpo de forma fragmentada. O papel da Educação Física é cuidar do corpo, restringindo-se ao seu aspecto biológico; limita- se mais a um adestramento do que uma educação; não respeita diferenças individuais, uma vez que as atividades são comuns a todos; possui um grau de percepção da realidade bastante limitado, relacionando-se com a chamada consciência Intransitiva. A “Educação Física Modernizadora” possui uma compreensão mais ampla de Educação Física em relação à concepção anterior. Entretanto, ainda assim, possui uma visão dualista de corpo, considerando o ser humano dividido em corpo e mente. O papel da Educação Física é cuidar do corpo e da mente, ou seja, além do biológico, esta concepção considera o aspecto psicológico do ser humano (a mente); entende a Educação em nível individual, acreditando que os indivíduos devem moldar-se às funções da sociedade; relaciona-se à consciência Transitiva Ingênua. A “Educação Física Revolucionária” compreende a realidade de forma dinâmica e em sua totalidade. O ser humano é entendido em todas as suas dimensões e relações; o corpo é concebido como o próprio homem. Propõe-se a uma “educação do movimento” e a uma “educação pelo movimento”; pauta-se por uma educação que visa a libertação; representa a consciência Transitiva Crítica de Paulo Freire. Medina (1983) também sustenta que não há uma separação nítida entre uma concepção e outra na prática concreta de atuação dos professores. Ele aponta uma nova perspectiva para a Educação Física, já que a Educação Física 75 Os três níveis de consciência formulados por Paulo Freire são: Intransitiva, Transitiva Ingênua e Transitiva Crítica. A primeira está no campo das superstições, do senso-comum. É um estado estreito na capacidade de captação da realidade; a segunda é simplista, tende a aceitar comportamentos massificados, satisfaz-se com as experiências do dia a dia, possuindo forte conteúdo passional; a terceira é a que busca a essência dos problemas, não se satisfazendo com aparências e superficialidades, é questionadora e possibilita mudanças na realidade social (FREIRE, 2007). 123 “verdadeiramente revolucionária” ainda não existe na realidade, mas como possibilidade, como uma concepção. Esta nova Educação Física, segundo o autor, deve pautar-se por uma metodologia questionadora, crítica, combativa e comprometida com o projeto de libertação, ou seja, deve assumir um papel revolucionário na sociedade. Carmo (1985) realiza um apanhado histórico desde o período colonial, relacionando as teorias da educação à Educação Física. Assim, o autor explicita três modelos pedagógicos que tem influenciado de alguma maneira a Educação Física brasileira: a Escola Tradicional, a Escola Nova e a Escola Tecnicista. A “Educação Física na Escola Tradicional” tem por modelo o ensino centrado no professor, ao aluno caberia a repetição mecânica de gestos e movimentos; o professor desempenha uma atuação de instrutor ou condicionador; tal modelo possui uma tendência militarista; preocupa-se com o domínio corporal e a transmissão acrítica de conteúdos. A “Educação Física na Escola Nova” desloca o centro de ensino do professor para o aluno; preocupa-se com os métodos e os processos de aprendizagem, com forte ênfase nos elementos psicológicos. Todavia, Carmo (1985) ressalta que, mesmo com a influência escolanovista no projeto educacional brasileiro, a Educação Física não conseguiu se libertar totalmente de sua origem tradicionalista, continuando sua ação pedagógica rígida e baseada na organização e disciplina advindas do meio militar. A “Educação Física na Escola Tecnicista” tem por base a técnica de ensino do movimento norte-americano denominado “tecnologia educacional”; fundamenta- se nos princípios da administração científica do Taylorismo, que prega a racionalidade técnica, a eficiência, a eficácia e o rendimento. O autor afirma que os professores de Educação Física também não conseguiram superar completamente o autoritarismo e a diretividade alienante do método tradicionalista. Carmo (1985) conclui que a concepção tradicional acompanhou a prática pedagógica dos professores de Educação Física das escolas até o presente momento. Ele problematiza a questão da competência técnica nas aulas de Educação Física, articulando-a em uma perspectiva classista. O autor propõe uma “Educação Física Transformadora”, a qual deve se vincular a uma visão histórico- cultural de classe, que estimule o espírito crítico, o conflito, a contra-educação e a relação do “como fazer” ao “por que fazer”. 124 Castellani Fillho (1994), após uma profunda análise histórica da Educação Física no Brasil, aponta a existência de três concepções: a “Biologização”, a “Psicopedagogização” e a “Concepção Histórico-Crítica de Filosofia da Educação”. Esta última defendida pelo autor. A “Biologização” ou concepção biológica de Educação Física concebe o homem apenas em seu aspecto biológico; enfatiza a performance esportiva na lógica da produtividade/eficiência/eficácia; reduz a saúde a uma dimensão meramente biofiosiológica e; sua principal característica é o forte peso de disciplinas da área da saúde nos currículos dos cursos superiores de Educação Física. A “Psicopedagogização” da Educação Física reduz a tarefa educacional apenas à dimensão psicopedagógica, limitando-se a formulações abstratas de homem, educação e sociedade; decorre de uma pedagogia do tipo tecnicista, pautando-se em uma formação acrítica, voltada apenas à capacitação de mão de obra qualificada para o capital. A “Concepção Histórico-Crítica de Filosofia da Educação” entende que educar é um ato político; objetiva possibilitar às classes populares a apropriação do saber produzido, sistematizado e acumulado historicamente; entende que o movimento reveste-se de uma dimensão humana, e sendo o homem um ser cultural, o movimento humano compreende um fator da cultura. A Educação Física é concebida como o estudo dos aspectos socioantropológicos do movimento humano, balizados por uma consciência corporal. Segundo Castellani Filho (1994), esta concepção não é a hegemônica na Educação Física, mas vem ganhando espaço nas instituições educacionais. Por último, Guiraldelli Júnior (2007) identifica cinco concepções de Educação Física presentes na literatura da área desde o período do Brasil Imperial. São elas: Educação Física Higienista, Educação Física Militarista, Educação Física Pedagogicista, Educação Física Competitivista e Educação Física Popular. A “Educação Física Higienista” (1889-1930) foi concebida no Brasil já nas primeiras preocupações com a “educação do físico” no final do Período Imperial até o início da Era Vargas. Possui forte ênfase na saúde individual; concebe a formação de homens e mulheres sadios, fortes e dispostos à ação; objetiva um projeto de “assepsia social” e, para tal, propõe-se a disciplinar hábitos e disseminar padrões de conduta. Tal concepção de Educação Física foi produto do pensamento liberal burguês no contexto histórico mencionado. 125 A “Educação Física Militarista” (1930-1945) abrangeu a Era Vargas e teve em vista a imposição de padrões de comportamentos próprios da conduta militar; enfatizou idéias nacionalistas e o sentimento patriótico; objetivou contribuir com o processo de “seleção natural”, eliminando os fracos e incapazes e construindo o “mais forte”, a coragem, a bravura, o heroísmo e a disciplina. Inspirada nas ideias fascistas, tal concepção orientou-se pelo autoritarismo, pela eugenia, pela obediência e pelo adestramento. A “Educação Física Pedagogicista” (1945-1964) advoga uma “educação do movimento”, tanto para a saúde quanto para a disciplina, ou seja, não se distingue dos objetivos estratégicos das concepções anteriores, diferenciando-se apenas pela preocupação didática do fazer pedagógico. A Educação Física nesta concepção deve contribuir para a formação do cidadão em uma sociedade democrática, sendo, portanto, neutra nos conflitos sociais de classes. Também é resultado de matizes liberais, principalmente sob as variantes da teoria escolanovista de John Dewey e da sociologia de Émile Durkheim. A “Educação Física Competitivista” (pós-64) foi utilizada pela burocracia militar e tem por objetivo principal a competição e a superação individual como valores fundamentais da sociedade; cultua o mito do atleta-herói; baseia-se na ciência da fisiologia do exercício, da biomecânica e do treinamento desportivo, tendo um caráter puramente tecnicista. A Educação Física nesta concepção se reduz ao deporto de alto nível e à massificação esportiva, que está a serviço do entretenimento para a desmobilização social. A “Educação Física Popular” é uma concepção vinculada às organizações dos movimentos populares e operário. Desenvolvendo-se com e contra as ideologias dominantes, preocupa-se com a ludicidade, a solidariedade e a cooperação, e está a serviço da mobilização social. Não se pretende disciplinadora, voltada para a saúde ou para a educação formal e não se configura no quadro das concepções hegemônicas da Educação Física. De acordo com o autor, uma concepção predominante em um determinado período histórico pode estar presente de forma embrionária no período anterior, assim como concepções de períodos históricos anteriores podem ter sido absorvidas ou incorporadas por outras concepções em períodos subsequentes. Guiraldelli Júnior (2007) aponta ainda a necessidade de uma nova concepção de Educação Física, que deve lutar pela socialização da política, a partir do 126 entrelaçamento do “trabalho corporal e o movimento”, do combate à ideologia liberal- burguesa e ao conservadorismo, que pretenda continuar a concepção da Educação Física Popular, mas também superá-la. O professor de Educação Física deve ser um intelectual progressista e transformador da sociedade, um intelectual que vise a construção de uma nova hegemonia e uma nova cultura. Apesar de não batizar esta concepção, o título de sua obra sugere uma “Educação Física Progressista”. Para sintetizar as concepções pedagógicas de Educação Física apresentadas por Medina (1983), Carmo (1985), Castellani Filho (1994) e Guiraldelli Júnior (2007), apresento o quadro 6 abaixo, em que realizo algumas aproximações e distanciamentos entre essas concepções, com base nas caracterizações já expostas por esses autores. Quadro 4 – Síntese das concepções de Educação Física identificadas na década de 1980 MEDINA (1983) Educação Física Convencional Educação Física Modernizadora - Educação Física Revolucionária CARMO (1985) Escola Tradicional Escola Nova Escola Tecnicista Educação Física Transformadora CASTELLANI FILHO (1994) Biologização Psico pedagogização - Concepção Baseada na Pedagogia Histórico-Crítica GUIRALDELLI JUNIOR (2007) Educação Física Higienista Educação Física Militarista Educação Física Pedagogicista Educação Física Competitivista Educação Física Popular e Progressista Fonte: elaborado pelo autor a partir das obras mencionadas. Assim, identifico uma grande aproximação entre a “Educação Física Convencional” descrita por Medina (1983) e as concepções pedagógicas identificadas por Carmo (1985) como “Escola Tradicional”; por Castellani Filho (1994) como “Biologização” e; por Guiraldelli Júnior (2007) como “Educação Física Higienista” e “Educação Física Militarista”. Encontro também uma equivalência entre o que Medina (1883) chama de “Educação Física Modernizadora” e as concepções pedagógicas da “Escola Nova” (CARMO, 1985), da “Psicopedagogização” (CASTELLANI FILHO, 1994) e da “Educação Física Pedagogicista” (GUIRALDELLI JUNIOR, 2007). Por sua vez, a “Escola Tecnicista” (CARMO, 1985) pode ser identificada com a “Educação Física Competitivista” (GUIRALDELLI JÚNIOR, 2007). 127 Por fim, as concepções alternativas anunciadas têm em comum a crítica ao paradigma hegemônico da Educação Física e a sustentação de uma concepção crítica, humana e transformadora das relações sociais. Ainda no quadro 6, aprecio as considerações de Medina (1983) que na prática pedagógica dos professores de Educação Física não se encontra uma concepção “pura”, mas a influência de várias destas concepções aqui anunciadas. Da mesma forma, Guiraldelli Júnior (2007) pontua a possibilidade de inclusão de algumas características de determinadas concepções em outras, sendo o caso da Educação Física Militarista que absorveu a concepção Higienista e o caso da Educação Física Competitivista que recebeu influências das concepções Higienista, Militarista e Pedagogicista. Outra observação importante é a unidade teórico-epistemológica entre as distintas concepções hegemônicas historicamente existentes na Educação Física: Militarista, Higienista, Pedagogicista, Competitivista, Convencional, Modernizadora, Tradicional, Escolanovista, Tecnicista, Biologizante ou Psicopedagogizante. Todas estas concepções estão fundamentadas em uma concepção filosófica idealista, positivista, a-histórica, funcionalista, liberal-burguesa, reacionária e bonapartista76. Já as concepções não hegemônicas ou não predominantes (Educação Física Revolucionária, Transformadora, Popular, Progressista e a Concepção Baseada na Pedagogia Histórico-Crítica) se sustentam em aportes teóricos e filosóficos progressistas, críticos e transformadores, sob influência marxista e humanista. O Movimento Renovador da Educação Física, no que pese algumas diferenças de matrizes teóricas, concebe a Educação Física vinculada a um projeto social classista. Esta compreensão é devida às determinações sociais e políticas do contexto histórico de tal conjuntura, marcada pela onda de manifestações e greves operárias que ocorreu no país desde fins dos anos 1970; pela reorganização77 76 Termo cunhado por Marx em “18 de Brumário de Luís Bonaparte” para designar formas de governos em que o poder executivo subordina todos os outros poderes políticos do Estado. O poder executivo, no caso, estaria representado por um grande líder carismático e chefe de toda a Nação (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 1998). Na linguagem corrente, o termo possui o significado de autoritário, centralizador, ditador. 77 Esse processo de reorganização resultou na refundação da União Nacional dos Estudantes (UNE), em maio de 1979; na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), em fevereiro de 1980; e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em agosto de 1983; baluartes da organização e da luta classista desencadeada na década de 1980. 128 sindical e política do movimento operário e estudantil; e pela organização78 de professores e intelectuais da educação brasileira comprometidos com a luta por uma sociedade democrática, socialmente justa e igualitária. Assim, a década de 1980 foi de grande importância para o debate sobre as concepções existentes historicamente na Educação Física brasileira. Foi um período em que se refletiu o que é, para que e para quem serve a Educação Física. Ao realizarem estas reflexões, os autores tiveram a necessidade de começar a vislumbrar novos horizontes para esta área do conhecimento, tais perspectivas se articularam com os projetos e interesses das classes populares e trabalhadora. Este foi, a meu ver, a principal tônica das concepções anunciadas por estes autores. Todavia, tais concepções ainda não se materializaram em propostas sistematizadas de atuação na prática pedagógica, restringindo-se aos níveis das proposições filosóficas e teóricas no campo educacional. A constituição de concepções pedagógicas mais preocupadas com a sistematização curricular e com a prática da Educação Física se deu nos anos seguintes, combinada com uma significativa mudança social e política na realidade mundial. A restauração do capitalismo nos ex-Estados operários burocratizados79, para além do estabelecimento de uma nova ordem mundial sob a liderança do imperialismo norte-americano, causou um grande rebuliço na esquerda socialista mundial, fazendo com que muitas organizações, movimentos e intelectuais80 abandonassem os seus referenciais de projeto histórico. Não poucos aceitaram a ideologia de Fukuyama81 da superioridade do sistema capitalista e do fim do socialismo, da luta de classes e da história. Esse movimento no pensamento das 78 Tal como a fundação da ANPED, em 1976; do Comitê Nacional Pró-Formação do Educador, em 1980 (que originaria 10 anos depois a ANFOPE); do ANDES, em 1981; e do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, em 1987, entre outros. 79 Utilizo a expressão “Estados operários burocratizados” a partir dos escritos de Leon Trotsky (1983 e 2010). O líder da Oposição de Esquerda do partido bolchevique combateu veementemente a burocracia stalinista e sua teoria do “socialismo em um só país”. Após sua expulsão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1928, continuou sua campanha contra a burocratização do Estado Soviético, porém defendendo-o como um Estado Operário que necessitava de uma revolução política (e não social) até a sua morte em 1940, provocada por um agente de Stálin. 80 Sobre esse tema, um importante debate ocorreu no Fórum Social Mundial de 2005, envolvendo dirigentes, ex-dirigentes e intelectuais de várias organizações da esquerda socialista da América Latina. (DAS TRINCHEIRAS..., 2005). 81 Francis Fukuyama é economista e cientista político, um dos principais intelectuais do neoconservadorismo norte-americano. Foi um importante ideólogo dos governos Reagan e Bush (pai e filho). Autor do livro “O fim da história e o último homem” (1992), em que defende a tese de que o fim da URSS expressou a supremacia do capitalismo e da democracia liberal ocidental como última forma de organização social da humanidade. 129 “esquerdas”, que Hernández (2008) chamou de “vendaval oportunista”, além das profundas consequências no plano das organizações políticas e sociais, também trouxe implicações para o campo das elaborações teóricas e epistemológicas. De acordo com Freitas (2005), uma das consequências deste acontecimento no campo das epistemologias está relacionada à expansão das denominadas teorias pós-modernas82. Segundo o autor, normalmente os pós-modernos83 fazem alusão ao fracasso da experiência soviética para justificar sua negação à chamada “metanarrativa” socialista. Em meu entendimento, tal acontecimento e suas consequências para o pensamento também encontraram eco nas concepções pedagógicas da Educação Física elaboradas ou desenvolvidas a partir do marco histórico da derrubada do muro de Berlim e do Leste europeu, ainda que não de maneira direta e linear. Contrária a esta hipótese, todavia, encontram-se vários trabalhos sobre a produção do conhecimento em Educação Física, dentre estes, por exemplo, o de Souza (2009) que afirma que, na década de 1990, “a teoria marxista avança na sua produção no sentido teórico-prático” (SOUZA, 2009, p. 56). Esta suposta contradição pode ser explicada pelo próprio método marxista, que sustenta que, apesar de haver uma relação de determinação entre a realidade e o pensamento, esta relação não é mecânica e linear, mas intricada por diversos mecanismos de mediações e contradições, como atesta, por exemplo, o estudo de Silva (1997)84 que indica haver 82 Utilizo Duarte (2004, p. 219) para delimitar o pensamento pós-moderno como um conjunto de elaborações heterogêneas que possuem em comum o ceticismo em relação à razão, à ciência, ao marxismo e “[...] à possibilidade de o capitalismo ser superado por uma sociedade que lhe seja superior”. O autor inclui no rol da pós-modernidade, as elaborações advindas do pós- estruturalismo, do neopragmatismo, do multiculturalismo, do pós-colonialismo e de seus similares. 83 O autor utiliza como exemplo Jean-François Lyotard (1924-1998), um dos principais pensadores do pós-modernismo. Lyotard nasceu na cidade francesa de Versalhes e se formou em filosofia na Sorbonne. Em 1950, militou em um grupo da Argélia que se organizava em tono do periódico “Socialisme ou Barbarie” (“Socialismo ou Barbárie”, de Claude Lefort e Cornelius Castoriadis). Em 1964, se inseriu em um grupo trotskista francês denominado “Poder Operário” (“Pouvoir Ouvrier”), do qual saiu dois anos depois. Em 1968, participou ainda de um movimento de origem estudantil e de inspiração libertária chamado “Movimento 22 de Março” (“Mouvement du 22 mars”). Foi professor da Universidade de Vincennes (Universidade de Paris VIII). Uma de suas principais obras é “A Condição Pós-Moderna” (1979), que, de acordo com Anderson (1999), surge por uma encomenda do conselho universitário do governo canadense para o estado do conhecimento contemporâneo. A trajetória de vida de Lyotard expressa bem o “vendaval oportunista” (HERNÁNDEZ, 2008) que se abateu na intelectualidade mundial. 84 Este estudo constata a predominância das pesquisas com base na abordagem empírico-analítica e uma tendência a expansão de pesquisas com a abordagem fenomenológica-hermenêutica, representando 21,6% das produções acadêmicas e uma relativa expressão da abordagem crítico- dialético, com 12,6% dos textos investigados (SILVA, 1997). 130 uma reorientação epistemológica-metodológica na produção do conhecimento científico da Educação Física. Esta reorientação no pensamento acadêmico também se manifestou nas concepções pedagógicas desenvolvidas no final da década de 1980 e início de 1990. A seguir, apresento o que alguns estudos têm apontado sobre concepções pedagógicas da Educação Física, para logo em seguida apresentar as características conceituais, epistemológicas e metodológicas destas concepções, e assim, posteriormente, retornar a este debate. Uma das primeiras tentativas em sistematizar estas concepções pedagógicas encontra-se no trabalho de Oliveira (1997), que apresenta como metodologias emergentes da Educação Física, as concepções: “Ensino Aberto”, “Crítico- Superadora”, “Construtivista” e “Crítico-Emancipadora”. O autor levanta dados a respeito do referencial teórico, do objeto de estudo, dos objetivos e conteúdos, da proposta de seriação escolar, do enfoque metodológico, da relação professor-aluno e do sistema de avaliação de cada concepção. Baseado em estudos anteriores, ele afirma que “as tendências metodológicas são propostas que sucumbem antes mesmo de serem testadas e colocadas efetivamente em prática.” (OLIVEIRA, 1997, p. 2). Tal denúncia apresentada pelo autor não encontra bases na realidade, principalmente após a divulgação dos PCN para a Educação Física (1997, 1998 e 2000), que têm orientado prescrições curriculares para a Educação Básica, desde as primeiras séries do Ensino Fundamental até o Ensino Médio, com base em muitas dessas concepções pedagógicas, ainda que mescladas ou distorcidas. Segundo esses Parâmetros Curriculares: Atualmente se concebe a existência de algumas abordagens para a Educação Física escolar no Brasil que resultam da articulação de diferentes teorias psicológicas, sociológicas e concepções filosóficas. Todas essas correntes têm ampliado os campos de ação e reflexão para a área e aproximado das ciências humanas, e, embora contenham enfoques científicos diferenciados entre si, com pontos muitas vezes divergentes, têm em comum a busca de uma Educação Física que articule as múltiplas dimensões do ser humano (BRASIL, MEC/SEF, 1997, p. 21-22). No estudo de Muniz, Resende e Soares (1998), identificam-se concepções pedagógicas a partir dos discursos de professores. Com base no ensino público do 131 Rio de Janeiro, os autores apresentam três categorias de concepções: “Humanistas”, “Híbridas” e “Tradicionais”. A concepção “Humanista” se caracteriza pela preocupação com as relações interpessoais no processo ensino-aprendizagem, ou seja, com as relações afetivas, pessoais, subjetivas e individuais; valoriza o crescimento pessoal dos educandos, as potencialidades de cada um, além de incorporar a preocupação com os menos habilidosos. Nela as aulas são estruturadas de modo a privilegiar atividades que despertem os interesses dos educandos, assegurando um clima de grande satisfação. Ressalta-se em tal concepção a exclusividade dos aspectos relacionados à afetividade e à interação social. Na concepção “Híbrida”, revelam-se cruzamentos sincréticos, difusos e pouco elaborados de diferentes concepções que se tornam contraditórias em si. Na estruturação da aula, os objetivos se fincam em uma determinada concepção, enquanto as metodologias e a avaliação vinculavam-se a outras. Segundo os autores: “Seu discurso, do ponto de vista teórico, assemelha-se a uma espécie de bricoler, onde a coerência talvez se construa subjetivamente tendo como referência sua prática.” (MUNIZ , RESENDE e SOARES, 1998, p. 18). Na concepção “Tradicional”, os conceitos e metodologias são identificados com os fundamentos biológicos e do esporte de rendimento. Nela há uma visão mecânica da intervenção pedagógica e o ensino está centrado no professor. Muniz, Resende e Soares (1998) constatam que há uma forte predominância da concepção “Tradicional” no grupo investigado. Por sua vez, nos discursos identificados com a concepção “Humanista” se limitavam à superficialidade de preceitos humanistas gerais, sem apropriação de consistentes bases teóricas e metodológicas. Em síntese, não houve evidências da apropriação, por parte dos professores que atuam nas escolas, das teorias e concepções discutidas nos meios acadêmicos e na produção científica da área. O trabalho dos autores é interessante por que parte da realidade dos professores das escolas públicas. Entretanto, a identificação de concepções pedagógicas da Educação Física não pode se limitar unicamente às representações e aos discursos dos professores, desconsiderando a produção acadêmica e científica em que estas concepções são elaboradas e anunciadas. Darido (1998) reconhece a existência de várias concepções de Educação Física, como a “Psicomotricidade”, a “Educação Física Fenomenológica” e a 132 “Educação Física Cultural”. Todavia, a autora analisa quatro principais tendências que julga serem as mais representativas, são elas: “Desenvolvimentista”, “Construtivista”, “Crítico-Superadora” e “Sistêmica”. A autora caracteriza em seu artigo cada uma destas tendências. Segundo a mesma autora, um modelo pedagógico que supere as concepções tradicionais de Educação Física precisa envolver tanto o viés biológico e psicológico da área (identificados com as concepções Desenvolvimentistas e Construtivistas), quanto o viés de cunho mais sociológico e o de cunho mais político (identificados com a “Crítico-Superadora” e a “Sistêmica”). Assim, a autora convida para um “[...] caminho na busca dos acordos, pelo qual somos todos responsáveis” (DARIDO, 1998, p. 65). Tal consideração revela uma compreensão idealista das concepções pedagógicas, pois as concebe como simples abstrações de opções aleatórias por bases mais biopsicológicas ou mais sociopolíticas. Esta mesma forma de conceber as concepções pedagógicas da Educação Física também se manifesta em outros autores como demonstrarei mais adiante. Azevedo e Shigunov (2001) consideram as concepções de maior expressão nacional, que seriam: “Concepção de Aulas Abertas”, “Atividade Física para Promoção da Saúde”, “Construtivista-Interacionista”, “Crítico-Emancipatória”, “Crítico-Superadora”, “Desenvolvimentista”, “Educação Física Plural”, “Educação Física Humanista”, “Psicomotricista”, “Sistêmica” e “Tecnicista”. Os autores apresentam um quadro, baseado no estudo mencionado acima (DARIDO, 1998) com as características destas concepções. Para Azevedo e Shigunov (2001, p. 1), a diversidade de concepções é resultado das “[...] disputas pela hegemonia no pensamento pedagógico e científico da Educação Física, como também, [d]a construção de seu campo acadêmico”. Contraria assim o pensamento de Darido (1998) acerca destas concepções, o qual também tenho acordo. Marta Genú Soares (2004) apresenta cinco principais concepções de Educação Física: “Psicomotricidade”, “Desenvolvimentista”, “Construtivista Interacionista”, “Crítico-Superadora” e “Crítico-Emancipatória”. Sobre estas, a preocupação da autora é refletir as seguintes questões: “houve implicações concretas? Quais os reflexos no cotidiano da escola? Os professores mudaram e mudam suas práticas, mas até que ponto essa mudança confere com as propostas? 133 Como os professores vêm incorporando as abordagens? Que trabalhos têm sido feito sobre isso?” (SOARES, 2004, p. 15). A autora explora algumas hipóteses e reflexões para responder essas questões. Para ela, a Educação Física escolar se encontra em um cenário de avanços e retrocessos, pois se evidencia uma confusão teórica na escola, muito em função dos modismos educacionais e da implementação de propostas pedagógicas pouco compreendidas pela comunidade escolar. Soares (2004) relata que as dificuldades no trabalho com a realidade da escola e dos alunos ainda contribuem para a existência do tradicionalismo nas aulas de Educação Física escolar. Esta realidade contrasta, segundo a autora, com a produção científica da área, em que emergem concepções mais críticas da Educação Física. De acordo com ela: “Isso revela uma mudança no trato com o conhecimento como também demonstra uma tendência a adoção da abordagem histórico-crítica nas escolas, de uma maneira geral.” (SOARES, 2004, p. 17). Valdanha Netto (2006) expõe cinco concepções de Educação Física: “Desenvolvimentista”, “Construtivista”, “Crítico-superadora”, “dos PCN” e “Cultural”. Esta última é a concepção defendida pelo autor. Em suas próprias palavras: Acredito que o grande número de abordagens que surgiram tem como ponto negativo a confusão que proporciona para os professores que trabalham nas escolas, sendo que ao estudar as propostas presenciei em uma ausência de propostas claras exemplificadas em planos de aula para que a tarefa da passagem desse conhecimento fosse facilitada, principalmente aos professores que estão a mais tempo fora do ambiente universitário. Outro ponto importante é que considero difícil julgar uma única abordagem como sendo a melhor, enxergo todas com discussões necessárias para a Educação Física, pecam quando negam o conhecimento das outras tentando garantir uma hegemonia. É por isso que apresento nesse artigo a abordagem cultural como sendo a melhor proposta para a delimitação dos conteúdos da educação física escolar. (VALDANHA NETO, 2006, p. 5, grifos nossos). Esta afirmação apresenta, a meu ver, algumas ambiguidades. O primeiro está relacionado à ideia simplista de que o número, a quantidade de abordagens (concepções) existentes na Educação Física proporciona confusões nos professores da Educação Básica (é como responsabilizar a existência dos números em um aluno que não sabe contar). Uma vez que cada concepção apresenta uma determinada visão de mundo, de homem e de sociedade, não há como limitar a quantidade de concepções. Assim, esta questão deve ser redirecionada para outro foco, por 134 exemplo: em que bases conceituais, epistemológicas e metodológicas vem se dando a formação inicial ou continuada desses professores? Quais as orientações dos PCN para Educação Física a respeito das concepções pedagógicas? Outro equívoco é pensar que uma concepção pedagógica deve orientar o professor tal qual uma receita culinária, com doses, temperos e o tempo certo para cada procedimento. Como demonstrei no início desta sessão, de acordo com Saviani (2011), uma concepção pode possuir três níveis de abrangência: teoria filosófica, teoria educacional ou pedagógica e prática pedagógica. Assim, a exigência de Valdanha Neto (2006, p. 5) de “propostas claras de planos de aulas” para as concepções pedagógicas não faz sentido, uma vez que a função destas é delimitar uma determinada visão de Educação Física, com base em uma teoria filosófica e educacional. Por fim, novamente observo uma visão idealista no debate sobre as concepções, pois a questão central não é o julgamento de qual é a melhor ou pior (nisto o autor está certo, apesar de se contradizer na linha seguinte da citação exposta acima), mas de entender qual é a melhor para que? A melhor para quem? A melhor para que finalidades? A melhor para a defesa de que projeto histórico? Com estas indagações reafirmo que as concepções são resultados de projetos distintos de sociedade, educação e Educação Física, ou seja, formas diferenciadas de conceber a Educação Física que, por sua vez, revelam interesses de classes e, consequentemente, disputas pela hegemonia de uma classe sobre a outra na sociedade, tal como foi asseverado acima por Azevedo e Shigunov (2000). Palafox e Nazari (2007) se propõem a debater as concepções de Educação Física a partir da divisão das doutrinas filosóficas em materialismo e idealismo. Os autores tomam como referência o estudo de Oliveira (1997), já exposto mais acima, e de Castellani Fillho (1999), discutido mais a frente, para realizarem uma síntese analítica das seguintes abordagens: “Aptidão Física”, “Humanista”, “Concepções de Aulas Abertas”, “Psicomotora”, “Fenomenológica”, “Desenvolvimentista”, “Construtivista”, “Sociológica”, “Crítico-Superadora”, “Crítico-Emancipatória” e “Cultural-Plural”. Incluem ainda a concepção que chamam de “Referência do Lazer”. Os autores percebem que estas concepções materializam 135 [...] campos em disputa por uma hegemonia teórico-instrumental que, em essência, caracterizam a existência diferenciada de projetos políticos de sociedade, educação e profissão docente, com suas respectivas lógicas de racionalidade teórica e de intervenção social (PALAFOX e NAZARI, 2007, p. 03, grifos do autor). Tal afirmação apenas ratifica meu posicionamento divergente do que sustenta Valdanha Neto (2006) e Darido (1998). Palafox e Nazari (2007) concordam ainda com Oliveira (2007) quando observam que as concepções pedagógicas da Educação Física não se manifestam na escola de forma homogênea e consensual. Barbieri, Porelli e Mello (2008) têm como objetivo identificar as concepções predominantes nos artigos publicados pela Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE) em 2009. Baseando-se na classificação de Castellani Filho (1999), as autoras descrevem as seguintes concepções: “Fenomenológica”, “Sociológica”, “Cultural”, “Desenvolvimentista”, “Construtivista”, “Educação Física Plural”, “Concepção de Aulas Abertas”, “Crítico-Emancipatória”, “Perspectiva da Aptidão Física” e “Crítico-Superadora”. As autoras identificam que na revista mencionada não há prevalência de uma única concepção, mas uma heterogeneidade que [...] pode gerar uma confusão ao professor em sua prática escolar, uma vez que, em nossa análise, alguns artigos não demonstraram claramente em que perspectiva teórica estavam direcionados, fato que poderia dificultar a transmissão do conhecimento aos alunos. (BARBIERI, PORELLI e MELLO, 2008, p. 237-238). Novamente, o problema da “confusão” no professor está na diversidade ou heterogeneidade de concepções e não na concepção que o professor adota. Todavia, uma vez que já tratei deste mesmo argumento no trabalho de Valdanha Neto (2006), chamou-me atenção outra questão no trabalho das autoras: argumentam estas que não houve predominância de alguma concepção nos trabalhos da revista mencionada. Porém, nos dados apresentados em seu estudo, de todas as concepções apenas a “Crítico-Superadora” aparece com 36,3% do total de trabalhos apresentados; enquanto as concepções “Fenomenológica” e “Socio- cultural” aparecem com 18,1% cada; as concepções “Sociológica”, “Plural” e “Crítico- Emancipatória” aparecem com 9% cada uma; e as demais sequer aparecem nos artigos da revista. Assim, contrariando as conclusões das autoras, observo que concepção “Crítico-Superadora” possui certa hegemonia nos trabalhos científicos da RBCE, no ano de 2009. 136 Marques e Krug (2009) apresentam algumas características das concepções “Construtivista”, “dos PCN”, “Crítico-Superadora”, “Crítico-Emancipatória”, “Psicomotricidade” e “Desenvolvimentista”. Para esses autores, estas concepções possuem uma unidade, “[...] todas elas têm um objetivo em comum que é romper com o modelo mecanicista, esportivista e tradicional dessa disciplina nas escolas, isto é, a abordagem/concepção Tecnicista.” (MARQUES e KRUG, 2009, p. 1). Os autores apresentados até o presente momento (OLIVEIRA, 1997; MUNIZ, RESENDE e SOARES, 1998; DARIDO, 1998; AZEVEDO e SHIGUNOV, 2000; SOARES, 2004; VALDANHA NETO, 2006; PALAFOX e NAZARI, 2007; BARBIERI, PORELLI e MELLO, 2008; MARQUES e KRUG, 2009) ou discutem as concepções pedagógicas da Educação Física no marco de um idealismo abstrato sem bases na realidade material concreta, ou discorrem sobre as concepções pedagógicas sem a preocupação em abranger todas elas. Em função deste último elemento, situo a proposta apresentada por Castellani Filho (1999) como a mais pertinente e apropriada para essa pesquisa. Este autor propõe um modelo de classificação geral que engloba a maioria das concepções pedagógicas existentes na Educação Física, sendo inclusive um modelo de referência para outros estudos, como alguns já mencionados aqui (BARBIERI, PORELLI e MELLO, 2008; PALAFOX e NAZARI, 2007). Castellani Filho (1999) divide as concepções com base nas metodologias de ensino. Ele entende que as metodologias explicitam a dinâmica curricular, ou seja, a seleção, organização e sistematização do conhecimento no sistema escolar, considerando o tempo e espaço pedagógicos relacionados a um determinado projeto de escolarização. Assim, o autor realiza uma classificação inicial em dois agrupamentos de concepções: propositivas e não propositivas, os quais, com critérios diferentes, assemelham-se ao apresentado por Celi Taffarel, citado anteriormente neste trabalho. Nas tendências não propositivas, encontram-se as concepções que não estabelecem parâmetros ou princípios metodológicos de ensino, quais sejam: a “Fenomenológica”, a “Sociológica” e a “Cultural”. As propositivas o autor subdivide em sistematizadas e não sistematizadas. As não sistematizadas concebem princípios norteadores para uma nova prática de Educação Física, porém sem organizar propostas metodológicas concretas de prática de ensino, sendo o caso das concepções “Desenvolvimentista”, 137 “Construtivista”, “Plural” e “Concepção de Aulas Abertas”. As propositivas sistematizadas, ao contrário das primeiras, apresentam propostas concretas de metodologias de ensino para a Educação Física escolar, estando representada apenas por três concepções: “Aptidão Física”, “Crítico-Emancipatória” e “Crítico- Superadora”. Desse modo, em seguida, utilizo a mesma classificação de Castellani Filho (1999) para descrever as principais características conceituais, teóricas, epistemológicas e metodológicas dessas concepções pedagógicas de Educação Física. CONCEPÇÕES NÃO PROPOSITIVAS: • Concepção Fenomenológica: os precursores desta concepção são os professores Silvino Santin (“Educação Física: uma abordagem filosófica da corporeidade”, 1987) e Wagner Wey Moreira (“Educação Física Escolar: uma abordagem fenomenológica”, 1992; e “Educação Física e Esportes: perspectivas para o século XXI”, 1993). A base teórica desta concepção está na fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty. A fenomenologia é uma corrente filosófica que teve origem com Edmund Husserl. Um desdobramento desta escola de pensamento se encontra em Merleau- Ponty. Um conceito fundamental desta variante da fenomenologia é a noção de corporeidade, ou seja, a percepção de que somos corpo e como corpo nos vinculamos ao mundo. Tal concepção realiza críticas contundentes à divisão cartesiana entre corpo e mente, e aos paradigmas tradicionais, tecnicistas e racionalizantes do corpo e da Educação Física, elencando uma abordagem corporal no seu sentido mais subjetivo, sensitivo e significativo. Em âmbito escolar, a abordagem fenomenológica tem como foco o movimentar-se humano por meio da corporeidade. Busca nas aulas de Educação Física desenvolver a capacidade de tomada de decisão, a autonomia, promover experiências significativas para os alunos, bem como propiciar a estes uma prática lúdica, de cooperação e socialização com os demais colegas de classe. Esta concepção se limita a orientações filosóficas mais gerais sobre a Educação Física, não se propondo a sistematização de propostas pedagógicas mais concretas. 138 Atualmente85 Wagner Wey Moreira lidera o “Núcleo de Estudos e Pesquisas em Corporeidade e Pedagogia do Movimento” (NUCORPO), com as linhas de pesquisa em “Corporeidade e Pedagogia do Movimento na Educação” e “Corporeidade e Pedagogia do Movimento na Cultura”. O professor anuncia que recebe influências da teoria da complexidade de Edgar Morin, da visão sistêmica de Fritjof Capra e da Motricidade Humana (MH) de Manuel Sérgio. • Concepção Sociológica ou Sistêmica: o principal teórico desta concepção é Mauro Betti, autor de “Educação Física e Sociedade: a educação física na escola brasileira de 1º e 2º graus” (1991). Esta concepção é influenciada por estudos na área da sociologia, da filosofia e, em menor grau, da psicologia. Seu principal embasamento epistemológico encontra-se na teoria dos sistemas de Karl Ludwig von Bertalanffy. A Educação Física é entendida como um sistema hierárquico aberto: hierárquico, pela interação de níveis superiores, como o macrossocial, o sistema educacional e o escolar que influenciam a Educação Física, tida como de nível inferior; e aberto porque a Educação Física sofre determinação do ambiente social, mas também o determina. Mauro Betti concebe seu modelo em polaridades que envolvem variáveis sociopsicológicas e didático-pedagógicas. Assim, por exemplo, no caso das variáveis didático-pedagógicas no âmbito dos estilos de ensino, ter-se-iam o comando e a resolução de problemas representando dois extremos. A educação física, por influência do militarismo, utiliza o comando, mas para os discursos emergentes, a resolução de problemas é mais viável. Por essa perspectiva, o autor vislumbra alternativas de mudanças, já que alguns desses extremos têm prevalecido ao longo da história da Educação Física. Nessa concepção, é ressaltada a preocupação em garantir a especificidade da área, na medida em que o binômio corpo/movimento é considerado como meio e fim da Educação Física escolar. Ferreira (1999 apud GONÇALVES, 2005) considera a concepção Sociológica limitada, pois se afasta da tradição pedagógica crítica, já que em seu modelo não há 85 As informações sobre os vínculos à grupo e linhas de pesquisas, assim como outros dados pertinentes dos representantes das concepções pedagógicas da Educação Física, foram extraídas de seus Currículos Lattes no período de fevereiro a março de 2011. 139 lugar para a luta de classes, reduzindo-se à compreensão do social com base em interações simbólicas. Atualmente, Mauro Betti lidera o “Grupo de Estudos Socioculturais, Históricos e Pedagógicos da Educação Física” da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), atuando nas seguintes linhas de pesquisa: “Educação Física, Esporte e Mídia” e “Educação Física Escolar”. CONCEPÇÕES PROPOSITIVAS NÃO SISTEMATIZADAS: • Concepção Desenvolvimentista: a concepção desenvolvimentista de Educação Física tem como principal referencial teórico a obra de Go Tani, intitulada “Educação Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista” (1988). Além desta, outro livro mais recente, “Comportamento Motor: aprendizagem e desenvolvimento” (2004), tem servido também para divulgar e atualizar o pensamento desta perspectiva de Educação Física. Esta concepção se baseia em estudos científicos da biologia, genética, fisiologia, psicologia e, mais particularmente, na área de aprendizagem e desenvolvimento motor para fundamentar uma proposição de Educação Física escolar, voltada para a pré-escola e para as séries iniciais do Ensino Fundamental. Os autores que são referencia na principal obra desta concepção são: Jerome Bruner, K. Connoly, Arnold Gessell, M. Roberton, Jean Piaget e, principalmente, David Gallahue. Segundo Tani et al. (1988), as aulas de Educação Física devem proporcionar às crianças oportunidades que as possibilitem ter um pleno desenvolvimento motor, de modo que aos doze anos de idade, elas já tenham desenvolvido um grande repertório motor das habilidades básicas. O condicionamento físico adequado, o desenvolvimento afetivo-social e o cognitivo da criança seriam, de acordo com essa concepção, baseados no desenvolvimento motor. De acordo com o precursor desta concepção, características de crescimento físico e de desenvolvimento fisiológico são fatores que servem de base de sustentação para todos os comportamentos do ser humano. Esta concepção tem como conceito fundamental a habilidade motora, embora reconheça outras capacidades como subproduto da prática motora. A proposta é buscar na Educação Física o desenvolvimento motor. O movimento humano é objeto 140 de estudo da Educação Física. Segundo o autor, movimento “[...] refere-se geralmente ao deslocamento do corpo e membros produzido como uma consequência do padrão espacial e temporal da contração muscular. [...] ele é um comportamento observável e mensurável.” (TANI et al., 1988, p. 08). Nessa abordagem, a Educação Física deve proporcionar ao aluno condições para que seu comportamento motor seja desenvolvido pela interação entre o aumento da diversificação e a complexidade dos movimentos. O objetivo principal da Educação Física é oferecer experiências de movimentos adequadas ao nível de crescimento e desenvolvimento do aluno, ou seja, adequar os conteúdos ao longo das faixas etárias. Além disso, os conteúdos devem ser desenvolvidos segundo uma ordem de complexidade e variedade de habilidades. Atualmente, Go Tani faz parte do grupo de pesquisa intitulado “Laboratório de Comportamento Motor” (LACOM) da USP, que possui duas linhas de pesquisa: “Análise e Diagnóstico do Desenvolvimento Motor” e “Organização da Resposta Motora e Aquisição de Habilidades Motoras”. Esta concepção é muito criticada pelo reducionismo biológico, ao não considerar as implicações sociais da Educação Física em sua proposição metodológica. A pouca importância ou limitada discussão acerca do contexto sociocultural, termina por reduzir a Educação Física a aspectos e fenômenos meramente biofísicos e fisiológicos, tal qual o seu conceito de movimento humano. • Concepção Construtivista: a principal referência desta concepção está em João Batista Freire, principalmente em seu livro “Educação de Corpo Inteiro” (1989). Mais recentemente o livro “Educação como Prática Corporal” (2003) atualiza e divulga as idéias que embasam esta concepção. O estudioso tem o seu construto teórico em torno do Construtivismo e nas elaborações de Jean Piaget. Nesta concepção, o objeto de estudo da Educação Física é a Motricidade Humana, entendida como o conjunto de habilidades que permitem ao homem produzir conhecimento e se expressar. O foco é trabalhar com a educação dos sentidos, a educação da motricidade e a educação do símbolo. Concebe o ato de conhecer como ação de assimilação e acomodação na interação sujeito-meio. O movimento deve ser usado para o desenvolvimento das estruturas lógico-matemáticas, afetivas e cognitivas em geral. Em função disso, preocupa-se com a construção do conhecimento do aluno, levando em consideração 141 as estruturas cognitivas e o meio histórico-social. Essa abordagem busca, por meio da Educação Física, contribuir para a construção de projetos educacionais que valorizem a cultura inicial do aluno. Nesta concepção, os conteúdos partem dos próprios alunos, sendo privilegiados, as brincadeiras, jogos simbólicos e a cultura popular por meio de atividades lúdicas espontâneas. Além de procurar valorizar as experiências dos alunos, a sua cultura infantil, a concepção construtivista também se propõe alternativa aos métodos diretivos. O aluno constrói o seu conhecimento a partir da interação com o meio, resolvendo problemas. Atualmente, o professor João Batista Freire desenvolve pesquisas em um grupo chamado “Oficina do Jogo” e possui vínculo com a Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC). • Concepção da Educação Física Cultural/Plural: o principal representante desta concepção é Jocimar Daolio, que, por meio de suas obras “Da Cultura do Corpo” (1995), “Educação e o Conceito de Cultura” (2004) e, mais recentemente, “Educação Física Escolar: olhares a partir da cultura” (2010), tem debatido a centralidade do tema cultura no seio da Educação Física. O aporte teórico desta concepção está nos estudos da antropologia de Marceu Mauss e Clifford Geertz. Para Jocimar Daolio, o objeto de estudo da Educação Física é o corpo em todas as suas dimensões. O corpo ao mesmo tempo que é biológico, natural, também representa um ser humano, que traz consigo sua história, sua experiência de vida, sua cultura, portanto, é um corpo cultural. O corpo é uma síntese da cultura. O homem, por meio do seu corpo, incorpora valores, normas, atitudes, costumes, etc. Nesta concepção, a Educação Física é considerada como parte da cultura humana, ou seja, ela se constitui numa área de conhecimento que estuda e atua sobre um conjunto de práticas ligadas ao corpo e ao movimento, criadas pelo homem ao longo de sua história: os jogos, as ginásticas, as lutas, as danças e os esportes, que, na proposta do autor, podem ser identificados como cultura corporal, pois são símbolos culturais que o ser humano constrói e se desenvolve. Ainda de acordo com o autor, o profissional de Educação Física deve respeitar as diversas culturas e, dessa forma, ficar atento, pois, quando trabalha com 142 o homem por meio de seu corpo, está trabalhando com a cultura impressa nesse corpo e expressa por ele. Ou seja, trabalhar com o corpo é interferir na sociedade na qual este corpo faz parte. Da abordagem cultural, Jocimar Daólio propõe uma Educação Física Plural, em que o trabalho sobre o respeito às diferenças apresentadas pelos alunos é o tema central. Para o autor, as diferenças entre os alunos devem ser percebidas e valorizadas independentemente de um modelo certo ou errado. Sendo assim, a condição mínima é de que as aulas atinjam todos os alunos. Para tanto, o professor deve eleger, com os educandos, as atividades valorizadas culturalmente naquele grupo, para então proporcionar a base motora que permita a eles, compreender, usufruir, criticar e transformar os elementos da cultura corporal. Atualmente, Jocimar Daolio lidera o “Grupo de Estudo e Pesquisa Educação Física e Cultura” (GEPEFIC), da UNICAMP, o qual possui três linhas de pesquisa: uma voltada à “Educação Física Escolar”, outra aos aportes teóricos da antropologia social, em particular sobre o “Corpo e Cultura”, e uma terceira interessada na relação “Futebol e Cultura”. • Concepção de Aulas Abertas: a concepção de metodologia de ensino denominada “Aulas Abertas” tem como idealizadores Reiner Hildebrandt e Laging. No Brasil, foi sistematizada pelo chamado “Grupo de Trabalho Pedagógico” da UFPE e da Universidade de e Santa Maria (UFSM). Esta concepção fundamenta-se na teoria sociológica do interacionismo simbólico de George Mead e Hebert Blumer. Esta teoria sustenta que as pessoas interagem em relação às coisas, baseando-se no significado que estas têm para si mesmas. Tais significados são resultantes da sua interação social e são modificados por sua interpretação. Nessa concepção, o professor deixa de ter papel central nas aulas de Educação Física. Tem como princípio geral a abertura e participação dos alunos nas decisões referentes ao processo ensino-aprendizagem, desde os objetivos, a seleção dos conteúdos, as metodologias e até os procedimentos avaliativos. As aulas de Educação Física, nesta perspectiva, servem para construir o conteúdo. Os métodos de ensino visam a estimular a ação dos alunos na resolução de problemas, baseados em suas experiências anteriores, possuindo como características a não diretividade, o ensino por descobertas, a elaboração de exercícios, a organização 143 das aulas, dentre outros. O professor desempenha a função de um mediador entre aluno e conhecimento. O objetivo geral da Educação Física nesta perspectiva é trabalhar o mundo do movimento em sua amplitude e complexidade, com a intenção de proporcionar aos participantes autonomia para a capacidade de ação. CONCEPÇÕES PROPOSITIVAS SISTEMATIZADAS: • Crítico-Emancipatória: esta concepção tem seu principal expoente em Elenor Kunz (“Educação Física: ensino e mudança”, 1991; “Transformação Didático- Pedagógica do Esporte”, 1994; e “Didática da Educação Física 1, 2 e 3”, 1999, 2000 e 2003, respectivamente). Seu fundamento epistemológico está na Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas. Atualmente, Kunz lidera o “Núcleo de Estudos Pedagógicos em Educação Física” da UFSC. A concepção Crítico-Emancipatória busca uma reflexão sobre as possibilidades de ensinar os esportes para sua transformação didático-pedagógica e de tornar o ensino escolar uma educação para a competência crítica e emancipada. A emancipação é entendida como um processo contínuo de libertação do aluno das condições limitadoras de suas capacidades racionais e, até mesmo, do seu agir no contexto sociocultural e esportivo. Essa concepção indica que as aulas de Educação Física devem proporcionar às crianças o aprendizado das modalidades esportivas e, por meio destas, contribuir para a formação do aluno. Para Elenor Kunz, a Educação Física deve oferecer ao aluno conhecimentos que transcendam apenas a prática esportiva, proporcionando o desenvolvimento da comunicação, não apenas dentro do esporte, mas também no seu relacionamento social, político, econômico e cultural. A concepção Crítico-Emancipatória tem como temática principal o conhecimento consciente e o refuncionalizar do conhecimento humano, com o objetivo fundamental de identificar o esporte e suas transformações sociais por meio do movimentar-se humano. • Aptidão Física ou Saúde Renovada: esta concepção é apresentada principalmente nas publicações de Markus Nahas (“Fundamentos da Aptidão Física Relacionados à Saúde”, 1991) e do casal Dartagnan e Joana Guedes (“Exercício 144 Físico na Promoção da Saúde”, 1995). Tal concepção se aporta teoricamente nas ciências biológicas, particularmente na Fisiologia, Nutrição e Medicina, tendo grande influência do médico Viktor Keihan Matsudo. Essa concepção retoma os conceitos de estilo de vida e hábitos saudáveis com a finalidade de contribuir para a melhoria da saúde e da qualidade de vida da população. Busca um processo de conscientização, sobretudo da comunidade escolar, para os benefícios da prática de atividades físicas de forma regular. Os autores desta proposta pedagógica consideram de grande importância a promoção da prática prazerosa de atividades físicas que conduzam ao aperfeiçoamento de áreas funcionais do organismo humano, tais como resistência muscular ou cardiovascular, flexibilidade, agilidade, força e composição corporal, como fatores fundamentais na busca de uma melhor qualidade de vida por meio da saúde. O papel da Educação Física na escola é justamente criar o prazer e o gosto pelas atividades físicas e exercícios em geral. Os professorem devem estabelecer metas em termos de promoção da saúde, por meio da seleção, organização e desenvolvimento de experiências que possam propiciar situações que tornem crianças e jovens mais ativos fisicamente, sobretudo, dispostos a optarem por um estilo de vida ativo também quando adultos. O esporte nesta proposta deve ser redimensionado, ou seja, os alunos não podem se limitar ao domínio de técnicas ou regras esportivas, mas devem saber como realizar essas atividades com segurança e eficiência, o que tornam necessários os conhecimentos acerca da fisiologia, da biomecânica, da nutrição e da anatomia. Assim, os conteúdos da Educação Física escolar nesta concepção pedagógica abrangem os conhecimentos sobre a saúde, frequência cardíaca, avaliação física, respiração, alimentação, lesões esportivas, entre outros. Uma das mais contundentes críticas a esse discurso, segundo Ferreira (2001 apud GONÇALVES, 2005), está no caráter individual de suas propostas, ou seja, apresenta o indivíduo como o problema e a mudança de estilo de vida como a solução. Porém, o fato é que vivemos em uma sociedade dividida em classes sociais, na qual nem todas as pessoas têm condições econômicas para adotar um estilo de vida saudável. Assim, essa concepção deve ser questionada, na medida em que desconsidera a necessidade de luta por mudanças no contexto social e econômico para garantia da saúde. Em verdade, desconsidera que são esses 145 contextos que determinam as mazelas no âmbito da saúde do indivíduo e da vida como um todo. Atualmente Markus Vinícius Nahas lidera o “Núcleo de Pesquisa em Atividade Física e Saúde” (NuPAF) da UFSC e atua em várias linhas de pesquisa: “Ambiente, Atividade Física e Bem-Estar”, “Atividade Física, Saúde e Qualidade de Vida” e “Educação para um Estilo de Vida Ativo”. Dartagnan Pinto Guedes é líder do grupo de pesquisa “Atividade Física Relacionada à Saúde”, na Universidade Estadual de Pelotas (UEL), e atua em três linhas de pesquisa: “Exercício Físico na Promoção da Saúde”, “Programas de Ensino na Educação Física” e “Comportamento de Risco para a Saúde”. Esta concepção tem se fortalecido pela autoridade do médico Viktor Matsudo e de seu programa “Agita São Paulo”, que tem recebido apoio e financiamento governamental, da mídia televisiva e dos setores empresariais ligados ao mercado do fitness, da estética e da saúde. • Concepção Crítico-Superadora: a concepção Crítico-Superadora foi elaborada por um coletivo de autores (Celi Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Escobar e Valter Bracht) que a sistematizou a partir da obra intitulada “Metodologia do Ensino da Educação Física” (1992). Atualmente, somente as professoras Celi Taffarel e Micheli Escobar continuam defendendo esta perspectiva. Os demais autores se engajaram em projetos diferentes ou conflitantes desta concepção. Sua proposição tem por fundamento a teoria pedagógica Histórico-Crítica de Dermeval Saviani, valendo-se da lógica dialética materialista histórica de igual modo. Tal concepção se propõe como diagnóstica, por constatar os dados da realidade; judicativa, uma vez que julga essa constatação a partir de uma ética proveniente de interesses de classes e; teleológica, porque tem em vista as determinações de classes no projeto político-pedagógico que representa uma intenção, a qual o professor deve ter bem definida. Seu objeto de estudo é a cultura corporal, a qual é tematizada nas formas de conhecimentos estruturadas pela humanidade em sua história, os seja, os esportes, as ginásticas, os jogos, as lutas, as danças e a capoeira, que se tornam os conteúdos específicos da Educação Física. Esta concepção considera a realidade histórico-social na qual os alunos estão inseridos e delimita como objetivos pedagógicos da Educação Física a constatação, 146 a interpretação e a intervenção nesta mesma realidade social. Sua proposta metodológica consiste em estruturar o currículo escolar em ciclos de escolarização, em que o conhecimento é sistematizado em princípios de seleção e organização que levem em consideração a sua relevância social, sua historicidade e sua adequação às capacidades sociais e cognitivas do educando. Atualmente, a professora Celi Taffarel é líder do “Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer” (LEPEL), na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Micheli Escobar é consultora do Ministério do Esporte e também pesquisadora do LEPEL. Abaixo, sintetizei dois quadros, adaptados de Azevedo e Shigunov (2000), em que realizo um resumo comparativo das distintas concepções apresentadas. No quadro 7 estão as concepções não propositivas e propositivas não sistematizadas, logo em seguida, no quadro 8, estão as concepções propositivas sistematizadas. 147 Quadro 5 – Síntese das concepções pedagógicas não propositivas e propositivas não sistematizadas da Educação Física. CONCEPÇÕES Não-propositivas Propositivas não-sistematizadas Fenomenológica Sociológica ou Sistêmica Desenvolvimentista Construtivista Educação Física Cultural/Plural Concepção de Aulas Abertas Principais Autores Silvino Santim e Wagner Wey Moreira Mauro Betti Go Tani João Batista Freire da Silva Jocimar Daolio Reiner Hildebrand- Stramann, Ralf Laging e Grupo de Trabalho Pedagógico Principais Obras Educação Física: uma abordagem filosófica da corporeidade (1987) Educação Física Escolar: uma abordagem fenomenológica (1992) Educação Física e Esportes: perspectivas para o século XXI (1993) Educação Física e Sociedade: a Educação Física na escola brasileira de 1º e 2º graus (1991) Educação Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista (1988) Comportamento Motor: aprendizagem e desenvolvimento (2004) Educação de Corpo Inteiro: teoria e prática da Educação Física (1989) Educação como Prática Corporal (2003) Da Cultura do Corpo (1995) Educação Física e o Conceito de Cultura (2004) Educação Física Escolar: olhares a partir da cultura (2010) Concepções Abertas no ensino da Educação Física (1986) Visão Didática da Educação Física (1991) Área Base Filosofia Sociologia e Filosofia Psicologia e Biologia Psicologia Antropologia Sociologia Autores de Base Merleau Ponty e Manuel Sérgio Karl Bertalanffy Jean Piaget e David Gallahue Jean Piaget Marcel Mauss e Cliford Gerrtz George Mead e Hebert Blumer Temática Principal Corporeidade Sociedade e mídia Desenvolvimento Motor Cultura Popular, Jogo e Ludicidade Pluralidade e Diversidade Cultural História de vida na construção do movimento Conceitos Principais Corpo, Corporeidade, Subjetividade, Pedagogia do Movimento, Motricidade Humana Sistema, Sociedade Habilidade Motora, Desenvolvimento Motor, Aprendizagem Motora, Domínio Motor Cultura Infantil, Corpo, Jogo, Lúdico Cultura, Corpo, Técnicas Corporais Mundo de movimento Objeto de Corpo Cultura Corporal de Movimento Humano Motricidade Humana Corpo O mundo do 148 Fonte: adaptado de Azevedo e Shigunov (2000). Quadro 6 – Síntese das concepções pedagógicas propositivas sistematizadas da Educação Física. Estudo Movimento movimento Finalidades/ Objetivos Desenvolver autonomia, as experiências significativas para os alunos, bem como propiciar a estes uma prática lúdica, de cooperação e socialização Formar um cidadão capaz de posicionar- se criticamente diante das novas formas da cultura corporal de movimento Aprendizagem do movimento Desenvolvimento do comportamento motor do aluno de acordo com sua faixa etária Crescimento físico, fisiológico, motor, cognitivo e sócio- afetivo Ensinar as pessoas a saberem corpo, ter a consciência de que são corpo Ensinar as possibilidades do corpo se expressar no mundo Trabalhar com a educação dos sentidos, educação da motricidade, educação do símbolo Historicidade da Cultura Corporal Respeito às diferenças e a diversidade cultural Trabalhar o mundo do movimento em sua amplitude e complexidade com a intenção de proporcionar, aos participantes, autonomia para as capacidades de ação Conteúdos privilegiados Práticas corporais lúdicas, sensitivas, emotivas, jogos e brincadeiras corporais. Jogo, esporte, atividades rítmicas e dança, ginásticas e práticas de aptidão física Habilidades básicas, perceptivas, especificas, capacidades físicas Cultura infantil, jogos populares, simbólicos e de regras, brinquedos e brincadeiras Cultura corporal simbólica: jogos, esportes, ginástica, dança, etc. O mundo do movimento e suas relações com os outros e as coisas. Grupo de Pesquisa/IES NUCORPO – UFPA Grupo de Estudo Socioculturais, Históricos e Pedagógicos da Educação Física- UNESP LACOM-USP Oficina do Jogo/UDESC GEPEFIC-Unicamp Universidade de Braunschweig (Alemanha) 149 Propositivas sistematizadas CONCEPÇÃO Crítico-Emancipatória Crítico-Superadora Aptidão Física ou Saúde renovada Principal Autor Elenor Kunz Celi Taffarel e Micheli Escobar Markus Nahas, Dartagnan e Joana Guedes Principais Obras Educação Física: ensino e mudanças (1991) Transformação Didático-Pedagógica do Esporte (1994) Didática da Educação Física 1, 2 e 3 (1999, 2000, 2003) Metodologia do Ensino da Educação Física (1992) Currículo e Educação Física (2007) Fundamentos da Aptidão Física relacionados à Saúde (1991) Exercício Físico na Promoção da Saúde (1995) Área Base Sociologia e Filosofia Sociologia, Política e História Biologia e Medicina Autores de Base Jürjen Habermas Karl Marx e Leon Trotsky Corbin, Bouchard e Viktor Matsudo Temática Principal Cultura de Movimento Transformação Social Saúde Conceitos Principais Movimentar-se, Mundo Vivido, Linguagem e Comunicação, Emancipação Realidade, Sociedade, História, Limites e Possibilidades Aptidão Física, Saúde, Estilo de Vida Ativo e Qualidade de Vida Objeto de Estudo Movimento Humano Cultura Corporal Atividade física Finalidades/ Objetivos Conhecer e aplicar o movimento conscientemente, libertando-se de estruturas coercitivas Refuncionalizar o movimento Fazer com que os alunos acessem o conhecimento historicamente produzido pela humanidade Identificar, compreender, explicar e intervir na realidade social e complexa Promoção da saúde Adoção de um estilo de vida fisicamente ativo Prática e manutenção da aptidão física Conteúdos privilegiados O movimento humano através do esporte, da dança e das atividades lúdicas Os temas da cultura corporal: jogo, esporte, ginástica, dança, lutas, capoeira e outros Programas de atividades físicas e conhecimentos relacionados à saúde, anatomia, fisiologia, nutrição Grupo de Pesquisa/IES Núcleo de Estudos Pedagógicos da Educação Física – UFSC LEPEL - UFBA NuPAF-UFSC e Atividade Física Relacionada à Saúde - UEL Fonte: adaptado de Azevedo e Shigunov (2000). 150 Uma primeira polêmica existente sobre estas nove concepções está relacionada ao entendimento da natureza epistemológica da Educação Física, ou seja, se a Educação Física é uma ciência ou uma prática social e pedagógica. Bracht (2003) contextualiza este debate entre ciência x pedagogia existente no interior da área. Para o autor, a influência da epistemologia científica na Educação Física esteve presente desde as décadas de 1960 e 1970, quando o modelo esportivo de alto rendimento se fez predominante na área, estimulado por políticas governamentais de incentivo à produção do conhecimento científico, com base na biomecânica, fisiologia do esforço, treinamento desportivo, dentre outras. Já Souza (2009), a qual concordo, afirma que as concepções Desenvolvimentista e Saúde Renovada têm por base epistemológica uma visão racional de ciência, estruturada na lógica formal e no positivismo funcionalista. De acordo com a autora: A EF compromete-se com um projeto de razão direcionado pela visão natural/positivista que, sob conteúdos relacionados à fisiologia, cineantropometria e nutrição, advogam adaptações orgânicas e esforço físico numa neutralidade ideológica, típica das ciências naturais que não consideram que as necessidades dos seres humanos, mesmo as biológicas, “são satisfeitas socialmente” (ibid, p. 25). Desta forma, a sociedade é vista sob a categoria do rendimento, consequentemente do “liberalismo, funcionalismo, biologicismo, positivismo e adaptação à ordem vigente” (SOUZA, 2009, p. 38). Ainda sobre este assunto, Souza (2009) e Bracht (2003) polemizam com uma outra perspectiva epistemológica, segundo a qual a própria Educação Física se constitui como uma nova ciência, a “Ciência da Motricidade Humana” (CMH) ou simplesmente “Motricidade Humana” (MH), termo este cunhado por Manuel Sérgio, que tem influenciado principalmente as concepções Fenomenológica e Construtivista. Sobre isso, Souza (2009) afirma: 151 Em defesa da Ciência da Motricidade Humana, Sérgio (1989) explica que a EF não pode ser uma ciência porque a expressão “ciência da EF” não atende ao rigor de linguagem exigido pelas ciências, como também uma ciência somente constitui-se com o seu próprio e autônomo objeto teórico. Para o autor, torna-se difícil enquadrar na EF o necessário rigor científico, pois esta pede de empréstimo a outras ciências – Biologia, Psicologia, Sociologia – modelos de inteligibilidade. A partir desta reflexão, Sérgio (1989) propõe a criação da Ciência da Motricidade Humana, entendendo que “as condutas motoras emergem do treino, da dança, da ginástica, da motricidade infantil, do esporte, do circo, do jogo esportivo, da ergonomia, da reabilitação e educação especial. Com a regularidade que permite a construção de estruturas ou modelos, que permite, afinal, algumas generalizações” (SOUZA, 2009, p. 41). Por sua vez, Bracht (2003) entende que a CMH possui duas conotações, ou a Educação Física pode ser entendida como uma “Pré-Ciência” da MH, sendo, no entanto, necessário demonstrar como esse campo científico se constitui; ou a Educação Física pode ser concebida como o ramo pedagógico da CMH, o que traria outras questões, como a relação da Educação Física com as outras ciências e os conhecimentos científicos que embasariam este “ramo pedagógico”. Neste sentido, o autor é contrário à tese de estabelecer na Educação Física um estatuto científico próprio. Ele defende o entendimento de que esta área de conhecimento se constitui como uma prática pedagógica “[...] que trata/tematiza as manifestações da nossa cultura corporal e que esta prática busca fundamentar-se em conhecimentos científicos, oferecidos pelas abordagens das diferentes disciplinas.” (BRACHT, 2003, p. 30). Esta mesma compreensão, de que a Educação Física é uma prática pedagógica, é seguida pelas concepções Sociológica, Construtivista, Cultural/Plural, Aulas Abertas, Crítico-Emancipatória e Crítico-Superadora. Tal definição estabelece agora uma segunda questão: que teoria deve fundamentar esta prática? Enquanto algumas concepções vão buscar seus aportes teóricos na sociologia (teoria social dos sistemas de Karl Bertalanffy; interacionismo simbólico de Mead e Blumer; teoria da ação comunicativa de Habermas; e a divisão social de classes sociais, de Marx e Engels), outras vão “beber” na fonte da psicologia (teoria do estruturalismo genético de Piaget), na antropologia (técnicas corporais de Marcel Mauss), na filosofia (fenomenologia de Mearlau Ponty; teoria crítica da Escola de Frankfurt; e no materialismo histórico-dialético), na História e na Política (materialismo histórico-dialético). Além destas, existem ainda as duas concepções com base na Biologia, as quais já foram tratadas acima. 152 Neste conjunto de teorias das diferentes áreas do conhecimento, as concepções de Educação Física encontram suas unidades e diferenças em torno da teoria do conhecimento mais geral, ou seja, do que Triviños (1987) e Novack (1987) chamam de problema fundamental da filosofia: o idealismo e o materialismo. Enquanto que as concepções Fenomenológica, Sistêmica, Desenvolvimentista, Construtivista, Cultural/Plural, Aulas Abertas, Crítico-Emancipatória e Saúde Renovada se enquadram em uma visão de mundo idealista, ou seja, em que há a primazia do espiritual ou da consciência em detrimento da matéria na apreensão da realidade; apenas a concepção Crítico-Superadora se postula com base no materialismo, o qual assume tembém a dialética como lógica do conhecimento e a história como matriz científica da realidade. Uma terceira polêmica está centrada na definição do objeto de estudo da Educação Física. Bracht (2003) explica que objeto de estudo não é a mesma coisa que objeto científico, pois o primeiro se refere ao saber específico de uma prática pedagógica, não se pautando pelas exigências e rigor pertinentes a um objeto científico. Os distintos objetos de estudo delineados pelas concepções pedagógicas da Educação Física (corpo, movimento, movimento humano, motricidade humana, cultura corporal, cultura corporal de movimento, atividade física) são recortes do conhecimento que a Educação Física deve se apropriar e se debruçar para a efetivação de sua ação pedagógica. De acordo com Bracht (2003, p. 43): “É importante termos claro que a definição do objeto da EF está relacionada com a função ou com o papel social a ela atribuído e que define, em largos traços, o tipo de conhecimento buscado para sua fundamentação”. Assim, uma primeira delimitação do objeto de estudo da Educação Física, proposta pela Saúde Renovada, se restringe às “atividades físicas”, limitando os “saberes” desta área de conhecimento ao aspecto “físico” do ser humano. Outro conjunto de concepções (Desenvolvimentista e Construtivista) propõe os conceitos de “movimento humano”, “motricidade humana” ou simplesmente “movimento”, preocupando-se com a importância do “movimentar-se” no desenvolvimento motor, cognitivo-social e afetivo do ser humano. Desta feita, para além do elemento físico- corporal, estas duas concepções pedagógicas incorporam o elemento psicológico e emocional na construção do conhecimento da Educação Física. Ainda assim, de acordo com Bracht (2003): 153 Permitem ver o objeto não com construção social e histórica e, sim, como elemento natural e universal, portanto, não-histórico, neutro política e ideologicamente, características que marcam, também, a concepção de ciência onde vão sustentar suas propostas. (BRACHT, 2003, p. 44-45). Um terceiro grupo de objetos de estudo está circunscrito em torno dos conceitos de “cultura corporal”, “cultura de movimento”, “cultura corporal de movimento” e “corpo”. A priori, poder-se-ia afirmar que a diferença entre estes quatro conceitos se expressa apenas em suas terminologias, porém, ao contrário deste pensamento (muito difundido inclusive na área), enquanto os três últimos centram-se na ideia do movimentar-se humano como uma forma de comunicação, ou seja, uma linguagem que é expressa por meio do corpo, sendo este envolto de simbolismos culturais; o primeiro objeto, a cultura corporal, entende a cultura como resultado do trabalho, no caso específico, do trabalho do tipo imaterial que é produzido e consumido no mesmo ato da produção, que passa a ser apropriado por uma classe dominante, quando da divisão social do trabalho, causando um processo de alienação destas práticas corporais. Isso se acentua consideravelmente com a crise do modelo econômico de produção capitalista que pressiona para a mercadorização destas práticas, tendo, portanto, a concepção pedagógica da cultura corporal a tarefa pedagógica não apenas de “acesso” a este saber, mas também a intervenção para a sua desalienação, o que somente é possível em sua plenitude com a superação do modelo produtivo vigente. Para um entendimento mais claro do significado da cultura corporal, valho-me da fala de Michele Escobar, em sua consideração a respeito da obra revisada Coletivo de Autores (2009): A “cultura corporal” é uma parte do homem. É configurada por um acervo de conhecimento, socialmente construído e historicamente determinado, a partir de atividades que materializam as relações múltiplas entre experiências ideológicas, políticas, filosóficas e sociais e os sentidos lúdicos, estéticos, artísticos, agonistas, competitivos ou outros, relacionados à realidade, às necessidades e as motivações do homem. O singular dessas atividades – sejam criativas ou imitativas – é que o seu produto não é material nem é separável do ato de sua produção; por esse motivo o homem lhe atribui um valor de uso particular. Dito de outra forma, as valoriza como atividade, em si mesma. Essas atividades são realizadas seguindo modelos socialmente elaborados, portadores de significados ideais atribuídos socialmente. A Educação Física, como disciplina escolar, estuda o conteúdo da cultura corporal com o objetivo fundamental de explicar criticamente a especificidade histórica e cultural dessas práticas e participar de forma criativa, individual e coletiva, na construção de uma cultura popular progressiva, superadora da cultura de classes dominantes. (COLETIVO DE AUTORES, 2009, p. 127-128). 154 Deste modo, encontra-se, mais uma vez, outra diferença significativa entre a concepção Crítico-Superadora e as demais concepções pedagógicas da Educação Física brasileira. Uma última consideração a ser realizada sobre estas nove concepções pedagógicas é a sua relação com as concepções traçadas pelo Movimento Renovador da Educação Física da década de 1980. As concepções de Educação Física apresentadas nos quadros 7 e 8, em sua grande maioria, possuem algumas semelhanças, mas também muitas diferenças com as perspectivas traçadas na década de 1980, ou seja, com as concepções de Educação Física Revolucionária, Transformadora, Popular, Progressista e baseada na Pedagogia Histórico-Crítica, apontadas por Medina (1983), Carmo (1985), Castellani Filho (1994) e Guiraldelli Junior (2007). Uma primeira semelhança está na crítica ao modelo tradicional de Educação Física, modelo este baseado na empiria e nas ciências de base biológica, pautado no paradigma cartesiano de corpo e comumente identificado com o tecnicismo educacional e com o paradigma técnico-esportivo como conteúdo exclusivo da Educação Física. Outras semelhanças encontradas, com exceção da concepção Desenvolvimentista e da Saúde Renovada, referem-se às bases epistemológicas mais vinculadas às ciências humanas e sociais, a um trato mais conscientemente filosófico da Educação Física e à identificação do objeto de estudo desta área de conhecimento mais próximo ou pertencente à cultura do ser humano. Todavia, também existem diferenças significativas entre as concepções destes dois períodos históricos: enquanto que as primeiras estavam alicerçadas na defesa de um projeto social voltado para a classe trabalhadora, no sentido de transformação da realidade e emancipação ou libertação desta classe da exploração do sistema econômico e político vigente; as concepções que surgem e se desenvolvem posteriormente, com exceção da Crítico-Superadora, praticamente abandonam esta perspectiva mais estratégica. Para entender estas diferenças é preciso contextualizar as distintas conjunturas políticas em que estas concepções são esboçadas. A década de 1980, como já apresentei, foi caracterizada por um período de convulsões sociais e pela ofensiva da classe trabalhadora contra o regime militar e o Governo José Sarney (1985-1990). Já o início dos anos 1990 foi marcado, como dito anteriormente, pela 155 derrocada da URSS e dos países do Leste Europeu86. Esse acontecimento se combinou, no caso brasileiro, com a chegada do neoliberalismo e da globalização econômica, o que trouxe profundas mudanças na correlação das forças políticas das classes em luta na sociedade. Estas mudanças se expressaram, dentre outras formas, na adaptação do conjunto das organizações tradicionais da esquerda brasileira, tendo como principal exemplo no plano político, o Partido dos Trabalhadores e, no âmbito do sindicalismo, a Central Única dos Trabalhadores87. Garcia (2008), para explicar esse processo de adaptação e mudanças na esquerda política brasileira, utiliza o conceito de “transformismo” de Antoni Gramsci: O termo denomina o fenômeno de assimilação e implementação, por parte de indivíduos (transformismo molecular) e/ou agrupamentos políticos inteiros (transformismo de grupos), do ideário político-ideológico dos seus adversários ou inimigos políticos. Sinteticamente, trata-se de um processo de adesão (individual ou coletiva) ao bloco histórico dominante, por parte de lideranças e/ou organizações políticas dos setores subalternos da sociedade, com o abandono de suas antigas concepções e posições políticas (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007 apud GARCIA, 2008, p. 157). Deste modo, como parte desse processo de “transformismo” que ocorreu na realidade brasileira na década de 1990, sustento que este mesmo fenômeno ocorreu com as concepções pedagógicas de Educação Física que surgem ou se desenvolvem nesse período. Estas concepções não passaram incólumes frente às mudanças e adaptações políticas, sociais e ideológicas que se passavam na mentalidade dos intelectuais e teóricos vinculados a uma perspectiva transformadora ou revolucionária da sociedade. 86 Sobre esses acontecimentos, valho-me de Antunes (2006, p. 40) que explica que “[...] ao contrário do que normalmente se apregoa, a derrocada do ‘socialismo real’ na URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e no Leste europeu não negou, mas constatou, quase um século e meio depois, a fina e correta assertiva teórica de Marx (e Engels), presente em A Ideologia Alemã (1845-1846), acerca da impossibilidade do socialismo em um só país.” Segundo esse autor, baseado nos teóricos do materialismo histórico dialético, o socialismo só é possível em uma escala histórico-mundial. 87 Este fato pode ser facilmente constatado, ao se comparar a Carta de Princípios do PT, divulgada em 1º de maio de 1979, que possui críticas a exploração capitalista e ao empresariado nacional, e a aliança eleitoral para o pleito presidencial de 2002, entre Luís Inácio Lula da Silva e José Alencar, do Partido Liberal (PL). Este último foi um dos maiores representantes empresariais do ramo têxtil de Minas Gerais, dono da Companhia de Tecidos Norte de Minas (Coteminas). No mesmo rumo, a CUT também passou a adotar uma política de conciliação, assumindo um perfil de sindicato “cidadão” e defendendo, inclusive, políticas governamentais de ataques à classe trabalhadora, tal como a Reforma da Previdência de 2003. A tese defendida por Garcia (2008) analisa de forma mais profunda estas transformações. 156 Tais concepções (Fenomenológica, Sociológica, Desenvolvimentista, Construtivista, Cultural/Plural, Aulas Abertas, Crítico-Emancipatória e Saúde Renovada) abandonaram uma intervenção educacional radicalmente crítica e transformadora e assumiram o sistema de produção capitalista como dado. Elas se limitam a uma proposição no marco do acesso à cidadania e na defesa de mais democracia no interior da sociedade. Todas elas, com exceção da Crítico-Superadora, não acompanharam o desenvolvimento da teoria pedagógica socialista ou marxista que tem sido esboçada pelo menos nos últimos vinte anos (SAVIANI, 2003 e 2005; LOMBARDI, 2008; DUARTE, 2001 e 2003; além de outros). Entretanto, mesmo a concepção Crítico-Superadora (na qual me posiciono enquanto professor) que se baseia no referencial pedagógico marxista, não deixou de se influenciar pelo processo identificado aqui como “transformismo”. O Coletivo de Autores (2009), conformado por seis professores que sistematizaram em forma de livro a primeira proposta desta concepção, desfez-se nos anos seguintes, restando deste grupo apenas as professoras Celi Taffarel, Michele Escobar e Lino Castellani Filho (segundo o próprio). Na segunda edição do livro, reavaliado por este mesmo coletivo, percebo nas falas das professoras Elizabeth Varjal, Carmem Soares e do professor Valter Bracht o abandono dos referenciais defendidos pela concepção Crítico-Superadora 88, a partir da adoção de outras referencias teóricas e estratégias políticas. Assim, diante deste cenário de permanências, avanços e recuos na Educação Física brasileira, faço minha a afirmação de Santos Júnior (2005): 88 No citado livro, é significativa a fala de Elizabeth Varjal, quando afirma que atualmente “[...] a grande demarcação da exploração no mundo não é mais a das classes sociais” (COLETIVO DE AUTORES, 2009, p. 136), reconhecendo que a educação não deve mais estar voltada para a socialização do ensino, e sim “prioritariamente, como direito não só dos pobres e explorados, mas de todos, inclusive dos ricos e exploradores” (p. 137). A professora expressa de maneira bem explícita o processo de transformismo que também atingiu os autores da concepção Crítico- Superadora. Na mesma linha de pensamento, Carmem Soares e Valter Bracht também consideram que as transformações sociais que se deram nas duas últimas décadas, provocaram mudanças em suas formas de pensar, por exemplo, para Valter Bracht “[...] o socialismo (em função das experiências realizadas) precisa ser reformulado” (COLETIVO DE AUTORES, 2009, p. 155). 157 Os avanços percebidos na nossa área, mormente aquele que era um dos grandes desafios da década de 90 – o desenvolvimento e implementação de propostas alternativas de prática pedagógica da Educação Física escolar brasileira – representam, em nossa opinião, “ganhos no varejo” que devem, no mínimo, ser relativizados diante das “perdas no atacado”. Os anos 90 foram palco de um estranho movimento que combinou refluxo daqueles que se outorgavam progressistas e ascensão daqueles, reconhecidamente, conservadores. Isto pode ser perfeitamente percebido no embate político- ideológico em pauta que tem como epicentro o sistema CONFEF/CREF (SANTOS JÚNIOR, 2005, p. 17). Como já discorrido anteriormente, o sistema CONFEF/CREF, instituição que melhor representa no plano da superestrutura a ideologia da classe dominante no interior da Educação Física, teve um papel significativo na elaboração das DCNEF. Após este esboço da situação das concepções pedagógicas da Educação Física, passo a análise da concepção predominante nestas Diretrizes e, a seguir, realizo a incursão nos currículos dos projetos formativos dos seis cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará, delimitados nesta pesquisa. 3.2 CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO FÍSICA PRESENTES NAS DCNEF Na seção anterior, realizei uma incursão histórica do processo de formulação das DCNEF; demonstrei que o processo de elaboração dessas Diretrizes esteve permeado por conflitos entre diversas entidades representativas da área, que por sua vez, expressaram embates de cunho teórico, epistemológico, político e ideológico sobre os rumos do currículo da formação de professores de Educação Física. Estes conflitos resultaram no consenso entre estas entidades89 que se materializou na aprovação da Resolução CNE/CES 07/04 e do Parecer CNE/CES 58/04, documentos estes que instituem as DCNEF. Após análise dos conteúdos curriculares orientados por estas Diretrizes, também realizada anteriormente, o desafio agora é investigar a concepção de Educação Física subjacente a esta normatização curricular, e para isto parto destes dois documentos referenciados. A primeira consideração a ser feita é a identificação da Educação Física como pertencente à grande área da saúde, anunciada no primeiro parágrafo no relatório do Parecer CNE/CES 58/04. Em sua elaboração, o Parecer tem como referência os seguintes documentos da área da saúde: Relatório Final da 11ª Conferência 89 Essas entidades, como visto anteriormente, são o CBCE, o CONFEF, a CONDIESEF, o INEP e o SESu/MEC, a ExNEEF não participou da promoção deste consenso. 158 Nacional de Saúde, elaborado em 2005; documentos da Organização Pan- americana de Saúde (OPAS – vinculada à Organização das Nações Unidas), da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Rede Unida; regulamentações das profissões da área de saúde e regulamentação da profissão de Educação Física (que também concebe a Educação Física como área da saúde) 90. A discussão sobre que área base fundamenta a Educação Física é tema de polêmica desde a década de 1980, quando os preceitos médicos e biológicos começaram a ser questionados e se vislumbrou uma perspectiva mais educacional e crítica para esta disciplina. Neste sentido, como visto anteriormente, as diferentes concepções de Educação Física se posicionam pela identificação com a área educacional (Crítico-superadora, Concepção de Aulas Abertas e Crítico- Emancipatória), com a área multidisciplinar (Construtivista, Plural, Fenomenológica, Sociológica) ou com a área pertencente à saúde (Desenvolvimentista e Saúde Renovada). O Parecer que fundamenta as DCNEF faz uma opção clara por esta última. No entanto, é obrigado a fazer o seguinte reconhecimento: Embora a formação em Educação Física esteja inserida na área da Saúde é imperiosa a compreensão do seu caráter multidisciplinar, que além de possuir um corpo de conhecimento próprio, utiliza-se de conhecimentos produzidos no contexto das ciências biológicas, humanas, sociais, bem como em conhecimentos da arte e da filosofia. (BRASIL, PARECER CNE/CES 58/04, 2004, p. 9, grifo nosso). Nesta consideração, avalio que o documento faz uma concessão a determinados setores que compunham a COESP-EF e o grupo de trabalho que formulou as DCNEF, tais como os representantes do CBCE. Isso porque, ao mesmo tempo em que o Parecer faz uma reafirmação (a Educação Física faz parte da saúde), o mesmo parágrafo releva esta afirmação. Esta aparente contradição contentou os setores mais “multidisciplinares” da Educação Física e possibilitou a conformação do consenso em torno deste documento. Porém, mais do que um emaranhado textual, tal reconsideração não teve força na Resolução que institui as DCNEF. Na Resolução CNE/CES 07/04 são inúmeras as passagens que vinculam diretamente a Educação Física à grande área da saúde, particularmente na 90 Uma análise mais profunda desses documentos e instituições, no sentido de identificar suas concepções de saúde, de Educação Física e da contribuição da Educação Física no campo da saúde seria pertinente em outros estudos de maior envergadura. 159 definição das tarefas/objetivos/finalidades/competências e habilidades para a “prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde” (artigo terceiro e várias passagens do primeiro parágrafo do artigo sexto) e para “aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável” (primeiro parágrafo do artigo quarto). Portanto, mesmo com a “concessão” realizada no Parecer, o que prevaleceu na Resolução foram as posições majoritárias dos defensores da área da saúde e da qualidade de vida. Assim, além da manobra para contornar as concepções “multidisciplinares” da Educação Física, observo que a discussão sobre a possibilidade de identificação com a área educacional não esteve presente nestas Diretrizes Curriculares. Os documentos (o Parecer e a Resolução) também explicitam sua caracterização da área de Educação Física e o seu objeto de estudo. Todavia, outra artimanha textual também pode ser observada nesta definição. O Parecer diz o seguinte: “Considerando as dimensões que caracterizam a Educação Física, ela é concebida como área de conhecimento e de intervenção profissional que tem como objeto de estudo e de aplicação o movimento humano.” (BRASIL, PARECER CNE/CES 58/04, 2004, p. 8, grifo nosso). No entanto, esta delimitação é precedida por um conjunto de argumentos que possibilitam a sua flexibilização. O relatório do Parecer reconhece a existência de diferentes nomenclaturas para a definição do objeto de estudo da Educação Física. Distingue também que as diferentes expressões e terminologias para definir a área representam diversas construções epistemológicas e ideológicas, ou seja, expressam distintas concepções de Educação Física, e assim se pronuncia: Assim sendo, os termos e expressões utilizados no texto destas Diretrizes Curriculares não devem servir de referência impositiva, cabendo a cada Instituição de Ensino Superior eleger aqueles julgados mais adequados e identificadores da matriz epistemológica e/ou ideológica definida por seus especialistas quando do desenvolvimento dos seus respectivos projetos pedagógicos. (BRASIL, PARECER CNE/CES 58/04, 2004, p. 8, grifo nosso). Esta flexibilização do Parecer às IES, para definirem suas matrizes epistemológicas e teóricas da Educação Física, não se materializou em algum momento na Resolução das DCNEF. Contrariamente à flexibilização do Parecer, a Resolução CNE/CES 07/04 (p. 1) estabelece, no artigo 3, que a “Educação Física é 160 uma área de conhecimento e de intervenção acadêmico-profissional que tem como objeto de estudo e de aplicação o movimento humano”. Novamente, este embaraço documental entre o Parecer e a Resolução das DCNEF pode ser explicado pela necessidade de se estabelecer um diálogo entre as entidades que se propuseram a conformar uma proposta consensual. No entanto, como demonstro, o chamado “consenso” se apresenta com pesos e medidas diferentes entre o Parecer CNE/CES 58/04 (e no interior do próprio Parecer) e a Resolução CNE/CES 07/04 advinda desta, o que confirma a ilusão da existência de um consenso entre iguais na definição destas Diretrizes. A partir das observações acima, principalmente apresentadas pela Resolução CNE/CES 07/04, referentes à vinculação da Educação Física à grande área da saúde; à delimitação dos objetivos da Educação Física em torno da prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde; e à adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável; identifico que a concepção pedagógica de Educação Física predominante hegemonicamente nas DCNEF é a Aptidão Física ou Saúde Renovada, de Nahas (1991) e Guedes e Guedes (1995), que se combina com a concepção Desenvolvimentista de Tani et al.(1988), a partir da definição do movimento humano como objeto de estudo apresentado por estas Diretrizes Curriculares. O Parecer CNE/CES 58/04 que fundamenta as DCNEF realiza algumas concessões às IES na definição de seus projetos pedagógicos. Todavia, esta flexibilização curricular não reverte a orientação geral contida nestas Diretrizes de adoção da concepção Saúde Renovada nos currículos de formação de professores de Educação Física no Brasil, como atestam estudos anteriores realizados por Santos Júnior (2005) e Brito Neto (2009). Com esta apreciação, é preciso extrair as lições pertinentes a este acontecimento nada trivial na Educação Física brasileira: a ideia de um consenso em torno das DCNEF se demonstrou um verdadeiro engodo. Esse falso consenso representou uma correlação de forças completamente favorável aos grupos mais conservadores e reacionários da Educação Física, isto é, os professores vinculados conscientemente ao Sistema CONFEF/CREF e adeptos da ideologia da Aptidão Física. 161 Esta conclusão se expressa também a partir das posições dos membros da última COESP-EF 91: dos cinco conselheiros que compunham esta comissão em 2003, a grande maioria possui filiação ao Sistema CONFEF/CREF, o que indica sua adesão a este projeto profissional de Educação Física. A única exceção foi a representante do CBCE, que, até o presente momento, demonstra não legitimar esta instituição. Os representantes da COESP-EF não representavam apenas seus interesses particulares, menos ainda intervenções desinteressadas de suas instituições. O confronto das concepções pedagógicas da Educação Física representa, no plano do pensamento, conflitos de classes sociais com projetos históricos antagônicos. Infelizmente, a direção do CBCE legitimou uma normatização de Diretriz Curricular para a Educação Física que desconsiderou os últimos 20 anos de debates, discussões e produções na área, contribuindo para a hegemonização da concepção Saúde Renovada para os cursos de graduação em Educação Física em todo o país. A lição histórica que deve ser extraída deste episódio e tomada principalmente pelos dirigentes do CBCE é que não pode haver consensos em meio a correlação de forças distintas, principalmente quando se definem projetos estratégicos para a sociedade. Diante deste quadro, o questionamento existente na comunidade acadêmica da área é o seguinte: o que tem maior peso em nível de normatização curricular, uma Resolução do CNE, o Parecer que a fundamenta ou os dois se equivalem? É necessário responder a esta interrogação com certa cautela. A priori, poder-se-ia afirmar que a Resolução institui as Diretrizes, ou seja, que a Resolução “resolve”, enquanto que o Parecer apenas “recomenda” a aprovação, não tendo caráter, 91 Os membros da COESP-EF de 2003 foram: João Batista Andreotti Gomes Tojal: é professor aposentado pela Unicamp, conselheiro fundacional do CONFEF e atual vice-presidente (2008- 2012) e presidente da comissão do conselho de ética desta entidade. Helder Guerra de Resende (UCB-RJ): foi membro da primeira COESP-EF (1998-2002) e presidente da COESP que instituiu as DCNEF, representando o SESu/MEC; é filiado ao CREF-RJ. Iran Junqueira de Castro (UNB): fez parte das três Comissões de Especialistas que existiram no processo de formulação destas DCN (de 1998 a 2003), sempre representando o INEP; possui experiência na Educação Física com ênfase na Aprendizagem Motora, o que o aproxima da concepção Desenvolvimentista; é filiado ao CREF-DF. Maria de Fátima Silva Duarte (UFSC): fez especialização com Vitor Matsudo, mestrado na USP com Anitta Colli e doutorado em Biodinâmica do Movimento Humano nos EUA (University of Illinois); fez parte da segunda e terceira COESP-EF (2000 a 2004); foi assessora científica do Programa Agita São Paulo em 1996; é filiada ao CREF-SC. Zenólia Cristina Campos Figueiredo (UFES): é membro do GTT “Formação de Professores e Mundo do Trabalho” do CBCE; líder do grupo de pesquisa “Práxis - Centro de Pesquisa de Formação Inicial e Continuada em Educação Física” e única da COESP-EF não filiada ao Sistema CONFEF/CREF. 162 portanto, de obrigatoriedade ou norma. Entretanto, a própria Resolução que institui as DCNEF assim revela: O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º, do§ 2º, alínea “c”, da Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, e com fundamento no Parecer CNE/CES 58/2004, de 18 de fevereiro de 2004, peça indispensável do conjunto das presentes Diretrizes Curriculares Nacionais, homologado pelo Senhor Ministro de Estado da Educação em 18 de março de 2004, resolve: (BRASIL, RESOLUÇÃO CNE/CES 07/04, 2004, p. 1). Ou seja, a própria Resolução esclarece que o Parecer que a orienta é parte integrante das Diretrizes Curriculares, deixando explícito que o Parecer CNE/CES 58/04 está incluído no que se chama de DCNEF. A busca pelo esclarecimento do assunto em documentação do próprio CNE que trata sobre as DCN (Parecer CNE/CES 776/97 e Parecer CNE/CES 538/01), no regimento interno do CNE (Portaria MEC n.º 835, de 21 de agosto de 1996), e mesmo no âmbito da terminologia jurídica, não contribuiu para elucidar o caso. O regimento interno do CNE, por exemplo, apenas pontua duas colocações genéricas, uma sobre a atribuição da Câmara de Ensino Superior em deliberar sobre as DCN para os cursos de graduação (alínea II do Art. 6º) e outra explicitando que as Câmaras (de Educação Básica e Superior) do CNE deverão emitir pareceres e decidirão sobre os assuntos a elas pertinentes (Art. 17). No âmbito da discussão jurídica, de acordo com o glossário on-line do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)92, uma Resolução tem uma função mais impositiva, no sentido de algo a ser cumprido. No entanto, a mesma definição confirma que o termo possui significados diversos e genéricos, o que deixa a margem para interpretações subjetivas. 92 Nesta ferramenta virtual, encontrei a seguinte definição para o termo “Parecer”: “Manifestação ou declaração de uma opinião ou modo de pensar acerca de um fato ou negócio, podendo ser favorável ou não a ele, mostrando as razões justas ou injustas que possam determinar sua realização ou não. Culmina como um voto a favor ou contra. Envolve a opinião legal e doutrinária de um jurisconsulto a respeito de uma questão jurídica e sua posição em relação à solução a ser aplicada em cada caso. O Parecer Jurídico é provocado por uma consulta, em que se acentuam os pontos controversos da questão, a serem esclarecidos pelo consultado” (GLOSSÁRIO CNJ, 2010, grifo nosso). Já o termo “Resolução” possui a seguinte acepção: “Do latim resolutio, de resolvere (resolver, deliberar, romper, satisfazer, pagar), é empregado na terminologia jurídica com sentidos diversos. Indica o ato pelo qual a autoridade pública ou o poder público toma uma decisão, impõe uma ordem ou estabelece uma medida. Tem significado genérico, pois atinge qualquer espécie de deliberação ou de determinação baixada para ser obrigatoriamente cumprida ou geralmente acatada” (GLOSSÁRIO CNJ, 2010, grifos nossos). 163 No caso concreto das DCNEF, têm-se, deste modo, duas possibilidades interpretativas, na primeira, os setores conservadores e vinculados ao Sistema CONFEF/CREF argumentam que o válido é o que determina a Resolução, ou seja, a conhecida retórica de que “Lei não se discute, se cumpre!”, o que impõe aos currículos de Educação Física a concepção Saúde Renovada de Educação Física; na segunda possibilidade, pode-se amparar na flexibilização do Parecer que permite às IES a definição de suas concepções pedagógicas, ou seja, a opção política pelo enfrentamento à concepção hegemônica de Educação Física. Assim, considerando o caráter subjetivo das leis e do coletivo acadêmico da instituição responsável por interpretá-las, há possibilidades dos currículos de Educação Física adotarem outras concepções que não a indicada na Resolução CNE/CES 07/04. Se os cursos que formam professores de Educação Física no Estado do Pará se alinharam à Resolução ou optaram por estabelecer sua própria concepção de Educação Física é o que irei analisar a seguir. 3.3 CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO FÍSICA PRESENTES NOS CONTEÚDOS CURRICULARES DAS INSTITUIÇÕES PARAENSES Para identificar as concepções pedagógicas de Educação Física presentes nos currículos programados dos seis cursos selecionados nesta pesquisa, realizei análise dos PPP, da organização curricular do curso e dos componentes curriculares mais significativos de cada dimensão do conhecimento93. Neste último, as análises se deram sobre as ementas e o referencial bibliográfico das disciplinas. Para selecionar os componentes curriculares (entendidos neste caso como as disciplinas ou matérias) mais significativos de cada dimensão do conhecimento, adotei como critério de inclusão: a) o peso considerável da carga horária disciplinar no interior da dimensão; b) a recorrência do conteúdo curricular em todos ou na maioria dos cursos e; c) a contribuição do conteúdo curricular na explicitação de uma determinada concepção pedagógica de Educação Física. Assim, no quadro 7 abaixo, apresento as disciplinas selecionadas por curso em cada dimensão do conhecimento. 93 As dimensões do conhecimento já foram anunciadas no currículo oficial das DCNEF, expostas na seção anterior. Para esta análise, estou excluindo a dimensão “Didático-pedagógica”, pois esta será tratada na seção seguinte, quando discuto os modelos de profissionalidade docentes. 164 Quadro 7 – Concepções Pedagógicas de Educação Física: componentes curriculares selecionadas em cada curso. Fonte: elaborado pelo autor a partir dos PPP dos cursos investigados. Dimensões do Conhecimento UEPA UFPA-Belém UFPA-Castanhal ESMAC ESAMAZ CEULS-ULBRA RELAÇÃO SER HUMANO- SOCIEDADE - Fund. Filosóficos da EF - Estudos Filosóficos da MH - Estudos Filosóficos e MH - - Bases Filosóficas Aplicadas à EF Escolar - Fund. da Ação Pedagógica I BIOLÓGICA DO CORPO HUMANO - Biologia Aplicada a EF - Bases Biológicas Aplicada a EF - Bases Biológicas Aplicadas a EF - Anatomia Humana - Anatomia Humana - Estudos do Movimento Humano I PRODUÇÃO DO CONHEC. CIENT. E TECNOL. - Prática Pedagógica e da Pesquisa I, II, III e IV - Pesquisa Educacional em EF - Pesquisa Educacional - Metodologia da Pesquisa - Teoria e Metodologia da Pesquisa I e II - Instrumentalização Científica CULTURAIS DO MOVIMENTO HUMANO - Fund. e Métodos do Esporte - BTM do Ensino do Esporte - BTM do Ensino do Esporte - Ensino do Atletismo - Ensino do Basquetebol - Ensino do Futsal - Ensino do Handebol - Ensino da Natação - Ensino do Voleibol - Fundamentos do Esporte - Atletismo - Basquete - Futsal - Futebol de Campo - Handebol - Natação - Voleibol TÉCNICO- INSTRUMENTAL - Educação Física e Saúde Coletiva - Saúde Coletiva e Socorros Urgentes - Saúde Coletiva e Socorros Urgentes - Atividade Física e Promoção da Saúde - Saúde coletiva - Fund. Teóricos e Metod. da Promoção da Saúde - Atividade Física e Saúde 165 No quadro 7 acima, observo nas dimensões do conhecimento que algumas disciplinas possuem semelhanças no conteúdo de sua ementa e referencial bibliográfico, porém seus títulos são diferenciados, isso é o que Lorenz (1990) chama de disciplinas sinônimas. Esta denominação está sendo válida para as disciplinas de conteúdo filosófico na dimensão “Ser humano- sociedade” para os cursos da UEPA, UFPA-Belém ou UFPA-Castanhal e ESAMAZ; nas disciplinas de cunho biológico dos cursos da UEPA, UFPA- Belém ou UFPA-Castanhal na dimensão “Biológica do corpo humano”; nas disciplinas com base na ciência anatômica nos cursos da ESMAC e ESAMAZ da mesma dimensão; nas disciplinas de instrumentalização da pesquisa científica nos cursos da UFPA-Belém, UFPA-Castanhal, ESMAC, ESAMAZ e CEULS-ULBRA na dimensão da “Produção do conhecimento científico e tecnológico”; nas disciplinas com o objeto em torno do esporte nos cursos da UEPA, UFPA-Belém, UFPA-Castanhal e ESAMAZ na dimensão “Culturais do movimento humano” e; nas disciplinas de todos os cursos na dimensão “Técnico-instrumental”. Para além desta generalidade, explicito também algumas particularidades do quadro exposto acima: o CEDF-ESMAC não possui em seu currículo uma disciplina que trata o conhecimento da filosofia, por conta disso, está ausente da dimensão “Relação ser humano-sociedade”, em que tratarei sobre este conteúdo; já a disciplina “Fundamentos da Ação Pedagógica I” do CEDF-CEULS-ULBRA trata dos conhecimentos vinculados à filosofia e também da estatística; na dimensão “Biológica do corpo humano”, o CEDF- CEULS-ULBRA possui uma disciplina que trata de forma interdisciplinar os conhecimentos vinculados à biologia e à anatomia (“Estudos do Movimento Humano I”), enquanto que os CEDF da ESMAC e ESAMAZ não possuem uma disciplina de base puramente biológica, sendo a “Anatomia Humana” a que mais se aproxima; o CEDF-UEPA possui quatro disciplinas que tratam da mesma matéria, “Prática Pedagógica e da Pesquisa”, enquanto a ESAMAZ possui duas sobre “Teoria e Metodologia da Pesquisa”; no trato com o conteúdo esporte, os CEDF da ESMAC e da CEULS-ULBRA, fragmentam este conhecimento em várias disciplinas específicas. 166 Com estes esclarecimentos, apresento os resultados da análise das concepções pedagógicas de Educação Física nos currículos94 investigados: 1- CEDF-UEPA: em seu PPP, define como objeto de estudo da Educação Física as “práticas corporais, esportivas e do lazer”, que compreendem os jogos, as danças, os esportes, as ginásticas, as práticas de lazer e outras, ou seja, as manifestações da cultura corporal. A Educação Física é identificada como uma prática pedagógica. O curso estabelece como finalidade da educação a transformação social, visando a emancipação humana, realizando ferrenhas críticas ao modelo econômico de produção capitalista. O projeto pedagógico defende o trato com o conhecimento da Educação Física a partir do Coletivo de Autores (1992) e a lógica dialética na prática pedagógica do professor, com base na Pedagogia Histórico-Crítica (prática social, problematização, instrumentalização, catarse e retorno à prática social). Em relação à estruturação curricular como um todo, o curso prioriza os conhecimentos relacionados à filosofia, sociologia, antropologia e história, em detrimento das disciplinas biológicas. Seu currículo possui grande ênfase nos conhecimentos ligados à produção do conhecimento científico, realizando ainda uma relação interdisciplinar entre o desenvolvimento da pesquisa e a prática pedagógica docente. Na organização dos conteúdos clássicos da Educação Física (esporte, jogo, ginástica, dança e lutas), o currículo congrega estas diferentes manifestações da cultura corporal em cinco disciplinas correspondentes, chamadas “Fundamentos e Métodos”, esta forma de organização curricular possibilita o trato com o conhecimento em sua totalidade e em seus nexos políticos, sociais e ideológicos. Na análise das ementas e referenciais bibliográficos das disciplinas selecionadas para investigação, identifico uma grande influência marxista na disciplina “Fundamentos Filosóficos da Educação Física” e nas três primeiras disciplinas que desenvolvem a produção do conhecimento científico (“Pesquisa e Prática Pedagógica I, II e III”). Na disciplina “Biologia Aplicada à Educação 94 As ementas das disciplinas selecionadas e seus respectivos referenciais bibliográficos encontram-se nos anexos A, B, C, D, E e F desta dissertação. 167 Física”, a proposta é analisar os processos de biologização a partir das relações sociais, subordinando aquela a estas últimas. A disciplina “Fundamentos e Métodos do Esporte” discute o conhecimento esporte em suas diferentes manifestações e relações, possuindo em seu referencial bibliográfico obras vinculadas à perspectiva Crítico- Superadora. A disciplina “Educação Física e Saúde Coletiva” pauta o debate sobre saúde em diferentes aspectos para além do biológico (demográfico, sócio-econômico, cultural, popular), concebendo a saúde como campo multidisciplinar de política social e interesse público, em que a Educação Física pode se inserir como prática docente, na bibliografia desta disciplina, grande parte dos referenciais tematizam a saúde pública no Brasil, discutindo inclusive aspectos teóricos, metodológicos, epistemológicos e sociais. Concluo que a concepção de Educação Física predominante neste curso é a Crítico-Superadora. Todavia, percebo também uma pequena influência da concepção Fenomenológica. Esta última concepção pedagógica se manifesta no PPP do CEDF- UEPA em dois momentos: na descrição do conteúdo “dança”, em que estabelece o vínculo desta prática com a corporeidade como “[...] fator primordial para a sua constituição” (PPP CEDF-UEPA, 2007, p. 25) e; quando informa as linhas de pesquisa existentes e balizadoras da produção científica do curso, em que anuncia uma linha denominada “Abordagem Sócio-filosófica- histórica em Motricidade Humana”. Nas disciplinas analisadas, constato também uma pequena influência nas referências bibliográficas da disciplina “Fundamentos Filosóficos da Educação Física” (“Sentir, pensar e agir: corporeidade e educação”, de Salin Gonçalves) e nas disciplinas “Pesquisa e Prática Pedagógica II e III” (“Fenomenologia e ciências humanas”, de Ângela Bello; “Educação Física e Esportes: perspectivas para o século XXI”, de Wagner Moreira; e “Introdução ao pensamento complexo” de Edgar Morin). Em meio a algumas disciplinas, identifico ainda nos referenciais, obras de outras concepções pedagógicas (tais como a Crítico-Emancipatória e Cultural/Plural) que, por se encontrarem dispersas, isoladas e bastante reduzidas, não considero como influências significativas na concepção de Educação Física deste curso. 168 2- CEDF-UFPA Belém e Castanhal: como estas duas instituições possuem muitas semelhanças em seus projetos pedagógicos, nas estruturas curriculares e nas ementas e referenciais das disciplinas, optei pela aglutinação destes dois cursos. Eles utilizam diferentes terminologias para definir seus objetos de estudo (práticas corporais, práticas de cultura corporal, movimento humano, atividades físicas, atividades corpóreo-esportivas) sem, no entanto, especificarem que objeto seria este, ou seja, que saber específico deve compor o conhecimento da Educação Física. Os PPP explicitam claramente as bases epistemológicas que sustentam o curso de Educação Física: a teoria da Complexidade, a Corporeidade e a Motricidade Humana. Esta última é definida como o eixo norteador de todo o curso. Os PPP anunciam também os autores, teóricos e intelectuais de referência para as perspectivas epistemológicas anunciadas: Edgar Morin, Antônio Damásio, Humberto Maturana e Francisco Varela, Manuel Sérgio, Hugo Assmann e Wagner Wey Moreira. Os PPP também compreendem a Educação Física como um ramo pedagógico da Ciência da Motricidade Humana (CMH). Mesmo realizando críticas à concepção de Saúde Renovada de Educação Física, o projeto pedagógico do CEDF-UFPA-Belém revela como parte de suas justificativas, a preocupação com o “[...] universo da melhoria da qualidade de vida” (PPP CEDF-UFPA-Belém, 2006, p. 02) e com a expansão do mercado de trabalho na Educação Física em clubes e academias95. Propõe como parte dos objetivos específicos do curso a realização de programas que “[...] incentivem a prática de atividades físicas e a adoção de estilos de vida fisicamente ativos, para todos os grupos sociais” (PPP CEDF-UFPA-Belém, 2006, p. 19), o que revela uma incoerência com a concepção teórica anunciada no texto deste PPP. Em sua estruturação curricular, os dois cursos da UFPA destinam maior carga horária nas disciplinas de cunho biológico, em detrimento das disciplinas de base histórica, filosófica, sociológica e antropológica. Estas três últimas 95 O PPP deste curso expõe até uma “fala” da professora Conceição Filgueiras, na época, presidente do CREF-08 (que abrange os Estados da região Norte), em que ratifica a importância da criação do curso como uma necessidade para suprir “novos recursos humanos qualificados para atuação neste setor profissional”. (PPP CEDF-UFPA-Belém, 2006, p. 13). 169 disciplinas anunciam em suas nomenclaturas o aporte teórico da Motricidade Humana. O currículo pouco prioriza disciplinas que trabalhem a produção científica. No conhecimento específico da área, organiza os conteúdos clássicos da Educação Física em seis disciplinas denominadas “Bases Teóricas e Metodológicas do Ensino”, que discutem aspectos conceituais, teóricos e atividades práticas do jogo, do esporte, da ginástica, das atividades aquáticas, das atividades rítmicas e da cultura popular (folclore), excluindo, deste modo, a especificidade da dança e das lutas como conteúdos da cultura corporal. Na análise das ementas e referencias bibliográficos das disciplinas, identifico nas disciplinas filosóficas de ambos os cursos, o aporte teórico da Motricidade Humana. Do mesmo modo, esta teoria também se encontra presente nas disciplinas “Bases Biológicas Aplicadas a Educação Física” dos dois cursos, apesar de sua ementa se restringir a conceitos de estruturas biológicas, o que corresponde também a maior parte do seu referencial bibliográfico. A ementa da disciplina “Pesquisa Educacional em Educação Física” do CEDF-UFPA-Belém se limita a tipos, técnicas, instrumentos e normas de pesquisa, possuindo como referencias bibliográficas obras de Marx Weber e Karl Popper; na disciplina correlata no CEDF-UFPA-Castanhal, “Pesquisa Educacional”, apresenta outra configuração, propondo-se a discutir em sua ementa os pressupostos e características da investigação científica e as especificidades das pesquisas em educação. Além disso, possui um referencial mais vasto no campo da investigação científica. O conhecimento esportivo no currículo de ambos os cursos está centrado em uma disciplina que se propõe a contextualizar o esporte no seu sentido histórico e cultural, possuindo como referenciais bibliográficos, obras relacionadas às concepções Fenomenológica, Crítico-Emancipatória e Desenvolvimentista. Por fim, a disciplina “Saúde Coletiva e Socorros Urgentes” dos dois cursos discute higiene, doença, controle sanitário, primeiros socorros e lesões relacionadas à Educação Física, ou seja, conteúdos estritamente técnicos e limitados a conceitos tradicionais da saúde. Em contrapartida, no referencial bibliográfico do CEDF-UFPA-Belém, encontra-se uma significativa 170 influência pós-moderna nesta disciplina, a partir de autores como Lucien Sfez e Philipe Meyer. Com estes elementos, avalio que a concepção Fenomenológica/ Motricidade Humana é predominante nos dois cursos. Porém, também encontro fortemente a presença da concepção Saúde Renovada (peso das disciplinas biológicas e parte dos objetivos específicos voltados à qualidade de vida e à adoção de um estilo de vida fisicamente ativo), assim como, uma pequena influência da concepção Desenvolvimentista (objeto de estudo delimitado em torno do movimento humano e preocupação com o desenvolvimento motor no PPP). Da mesma forma que o curso anterior, alguns referenciais bibliográficos das disciplinas analisadas estão circunscritas em torno da concepção Crítico-Emancipatória, porém não de forma significativa. 3- CEDF- ESMAC: para definir o objeto de estudo da Educação Física, o PPP utiliza o termo “cultura do movimento humano”. Porém, há outras denominações correntes no texto: atividades físicas, atividades físico- esportivas, movimento humano, cultura corporal & esportiva. Possui uma concepção funcionalista da educação, concebendo-a como condição básica para o crescimento econômico, o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida de uma região. Para caracterizar a Educação Física, remete à Lei n.º 9696/98, ao Código de Ética dos Profissionais de Educação Física elaborado pelo CONFEF e ao Manifesto Mundial da Educação Física, elaborado pela Federação Internacional de Educação Física (no original: “Fédération Internationale d'Education Physique” – FIEP 96). Estabelece como parte do objetivo geral do curso a “[...] adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável” (PPP CEDF-ESMAC, 2007, p. 18). Dentre os princípios pedagógicos que devem reger o conhecimento curricular do curso, o PPP anuncia que se deve buscar “promover projetos integrados envolvendo as áreas de estudo biodinâmica, comportamental e sociocultural para a compreensão da motricidade humana” (PPP CEDF-ESMAC, 2007, p. 27). 96 Uma federação fundada em julho de 1923, na Bélgica, que tem por objetivo difundir a prática da Educação Física no mundo. Faz parte do conselho de Educação Física e ciências do esporte da UNESCO e, no Brasil, possui parcerias com o Sistema CONFEF. 171 Na estruturação curricular, as disciplinas biológicas são minoria no projeto formativo, em contrapartida, os conhecimentos que compõe a dimensão “Culturais do movimento humano” (que inclui os conteúdos clássicos da Educação Física), ocupam quase um terço da carga horária do currículo. Isto se deve há uma fragmentação do conhecimento esportivo que se apresenta dividido em várias disciplinas diferentes que tratam de modalidades esportivas. O currículo deste curso não possui uma disciplina específica que trate o conhecimento da filosofia e da história, privilegiando conteúdos relacionados à psicologia cognitiva e ao desenvolvimento motor. Por fim, a dimensão “Técnico- instrumental” é voltada ao campo da saúde e do treinamento esportivo, inexistindo conteúdos para a intervenção em outros campos de atuação da Educação Física, tais como os campos do lazer, das políticas públicas e da estética. Na análise de ementas e referenciais bibliográficos, a disciplina “Anatomia Humana” versa sobre aspectos conceituais desta ciência e estabelece suas possíveis aplicações na prática do profissional de Educação Física, possuindo em seu referencial apenas atlas e manuais técnicos. Na disciplina “Metodologia da Pesquisa”, sua ementa trata dos tipos de conhecimentos, pesquisas, métodos, técnicas e projetos, seu referencial bibliográfico limita-se a obras de normas técnicas e manuais de pesquisa, adotando, inclusive, René Decartes (“O discurso do método: regras para a direção do espírito”, 2000), como bibliografia complementar. O conteúdo sobre esporte está dividido em seis disciplinas de “Ensino” de determinadas modalidades esportivas (atletismo, basquetebol, handebol, natação, futsal e voleibol). Todas discutem aspectos históricos, técnicos, regras, elementos biofísicos, fisiológicos e aplicações didático-pedagógicas do ensino da modalidade na escola. Porém, o referencial bibliográfico destas disciplinas é composto, em sua maioria, por manuais de treinamento e obras que tratam das especificidades técnicas de aprendizagem da modalidade, com exceção do “Ensino do Voleibol”, em que há uma sugestão de bibliografia complementar em torno da obra de Elenor Kunz. Na dimensão “Técnico-instrumental”, as disciplinas “Atividade Física e Promoção da Saúde” e “Saúde Coletiva” possuem como conteúdos: saúde, 172 educação para saúde, qualidade de vida, estilos de vida, comportamentos de risco, prevenção de doenças, aptidão física e saúde. Na bibliografia da primeira disciplina estão autores de referência da concepção Saúde Renovada: Guedes e Guedes (“Exercício físico na promoção da saúde”, 1995) e Nahas (“Atividade física, saúde e qualidade de vida”, 2003). Com esses elementos, considero que há várias concepções de Educação Física presentes neste curso, não sendo possível classificá-lo em uma única concepção. Assim, concluo que existe uma hibridização das concepções Saúde Renovada, Competitivista e Desenvolvimentista. Também observo uma pequena presença das concepções Fenomenologia/Motricidade Humana, Crítico-Emancipatória e Cultural, porém não de maneira significativa, no sentido de influenciar decisivamente a concepção deste curso, tais como analisado também nos cursos anteriores. 4- CEDF- ESAMAZ: de forma geral, as informações disponibilizadas por esta instituição em seu sítio eletrônico, tais como perfil do egresso, mercado de trabalho, competências e habilidades do curso e outras, são textualmente idênticas ao texto do PPP do CEDF-ESMAC, o que me faz inferir que ambas as instituições possuem os mesmos aspectos já considerados acima no curso da ESMAC, no que tange ao texto do PPP. Na estruturação curricular do CEDF-ESAMAZ, os conhecimentos de base biológica representam uma minoria no currículo; na dimensão “Relação ser humano-sociedade” encontra-se uma disciplina que trata da corporeidade como seu objeto (“Corporeidade, Cultura e Educação”), já os conhecimentos relativos à dimensão “Didático-pedagógico” englobam quase um terço da carga horária de todo o curso. Há uma relativa presença de conhecimentos vinculados ao trato com a produção do conhecimento científico. Os conteúdos da dimensão “Culturais do movimento” possuem um forte peso no currículo devido à existência de várias disciplinas esportivas, tal como também ocorre no CEDF-ESMAC, todavia, o curso da ESAMAZ possui uma única disciplina (“Fundamentos do Esporte”) que trata do conjunto das manifestações esportivas. A dimensão “Técnico-instrumental” é pouco privilegiada, o que confirma a ênfase na docência no currículo do curso. 173 Ao analisar as ementas e as referências das disciplinas selecionadas, percebo que a disciplina “Bases Filosóficas Aplicadas à Educação Física Escolar” está demarcada em torno de fundamentos históricos, filosóficos e sócio-políticos da educação, com base na LDB 9394/96 e no que a ementa chama de “educação na Amazônia”, entretanto, em seu referencial bibliográfico, pouco se encontra obras de filosofia. Na disciplina “Anatomia Humana Aplicada a Educação Física”, estão presentes os conceitos desta ciência e os sistemas do organismo humano. Na dimensão da “Produção do conhecimento”, as disciplinas “Teoria e Metodologia da Pesquisa I e II”, tratam de aspectos técnicos da pesquisa, mas também abarcam questões epistemológicas e teóricas sobre a produção científica, utilizando como base bibliográfica autores como Pedro Demo (“Introdução à Metodologia da Ciência”, 1987 e “Pesquisa: princípio científico e educativo”, 1992), Rogério Bastos (“Ciências humanas e complexidades”, 1999), Edgar Morin (“Ciência com consciência”, 1996) e Mauro Bunge (“Epistemologia”, 1980). O conhecimento esportivo encontra-se congregado na disciplina “Fundamentos do Esporte” e mais seis disciplinas de modalidades esportivas (atletismo, basquetebol, futsal, handebol, natação e voleibol). Na ementa da “Fundamentos do Esporte”, estabelece como conteúdos específicos a evolução histórica e cultural do esporte, seus procedimentos metodológicos voltados a diferentes níveis de ensino, com base na ação-reflexão-ação. O referencial bibliográfico desta disciplina é composto por autores como Manoel Tubino (“Teoria geral do esporte”, 1987), Reiner Hildebrant (“O esporte como fenômeno social e análise crítica do esporte”, 1988), Elenor Kunz (“Educação Física: ensino e mudança”, 1994) e o Coletivo de Autores. Por fim, a disciplina “Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Promoção da Saúde” discute a promoção da saúde, o desempenho da aptidão física e as metodologias de treinamento de atividades físicas. Como concepção pedagógica de Educação Física, o curso também possui uma hibridização de concepções tais como a Fenomenológica/Motricidade Humana, a Saúde Renovada e a Competitivista e pequenas incursões da Crítico-Superadora e da Crítico-Emancipatória, a ponto 174 destas duas últimas não determinarem de maneira significativa a concepção deste curso. 5- O CEDF-CEULS-ULBRA: de maneira geral, o PPP deste curso pouco se preocupa em definir o objeto da Educação Física, em algumas passagens apenas menciona “atividades físicas” como foco central. A Educação Física é entendida como uma área científica que estuda o ser humano e a sua Motricidade. O curso pressupõe que vivemos em uma sociedade pós-moderna e, assim como as outras instituições privadas, concebe a educação como promotora do desenvolvimento sustentável da região. Dentre os objetivos específicos do curso, reconhece a importância das atividades físicas e do esporte, o planejamento e o desenvolvimento de suas prescrições e o conhecimento anatômico-fisiológico para o desenvolvimento “biopsicossocial” do educando. A partir de sua mantenedora – a ULBRA, o curso adota como base teórica a filosofia cristã, tendo inclusive uma disciplina específica sobre este tema, “Cultura Religiosa”. A organização curricular deste curso, exposta em seu PPP, apresenta- se de forma confusa. Há informações que se contradizem no próprio texto do projeto. Porém, com os dados analisados, realizo as seguintes considerações: as disciplinas da dimensão “Relação ser humano-sociedade” possuem um peso significativo na carga horária do curso. Entretanto, esta não possui disciplinas específicas para o trato com o conhecimento filosófico e histórico, desenvolvendo o trabalho sobre esses conteúdos na forma de disciplinas acopladas (“Ação Pedagógica I e II”). As disciplinas que compõe a dimensão da “Produção do conhecimento científico e tecnológico” representam uma pequena parcela no currículo. Por sua vez, os conhecimentos “Didático- pedagógicos” possuem um peso relevante no curso. O conhecimento esportivo encontra-se fragmentado, tal como ocorre no CEDF-ESMAC e CEDF- ESAMAZ, entretanto, no CEULS-ULBRA, são ofertadas dez disciplinas que tratam de modalidades esportivas e o aluno deve optar por cinco destas disciplinas, incluindo “Ginástica Olímpica”, “Lutas” e “Dança”, que neste curso são identificadas como modalidades esportivas. 175 Nas ementas e referenciais bibliográficos, a disciplina “Fundamentos da Ação Pedagógica I” possui conteúdos que tratam do campo da filosofia e também da estatística. Este “amálgama” disciplinar destaca no programa de sua ementa o estudo histórico da filosofia e das ciências, conceitos, níveis de conhecimentos, ética, racionalismo, empirismo e síntese kantiana, além de conteúdos vinculados à ciência estatística. Nas bibliografias indicadas possui obras de orientação kantiana, da teoria crítica, da complexidade de Edgar Morin (“Reformar o pensamento”, 2002) e de Jacques Delors (“Educação: um tesouro a descobrir”, 2003). Na disciplina “Estudos do Movimento Humano I”, encontram-se assuntos e conceitos ligados à anatomia e alguns sistemas do corpo humano (não todos). O referencial bibliográfico se limita a atlas e manuais de anatomia humana. A disciplina “Instrumentalização Científica” se debruça sobre a metodologia científica (os tipos de conhecimento, normatizações e estruturação de projeto de pesquisa), configurando-se como elementos estritamente técnicos da pesquisa. As sete disciplinas esportivas analisadas (Atletismo, Basquete, Futsal, Futebol de Campo, Handebol, Natação e Voleibol) apresentam similitudes em suas ementas: histórico da modalidade, fundamentos táticos, técnicos, regras oficiais, sistemas de ataques e defesas e planos de aulas para o contexto escolar. Os referenciais bibliográficos de todas se limitam a obras de manuais técnicos e regras de cada modalidade. Por fim, a disciplina “Atividade Física e Saúde”, que objetiva a prevenção, promoção e reabilitação da saúde por meio das atividades físicas, apresenta os conceitos de saúde, doença, atividade física, qualidade de vida e estilo de vida. De forma predominante, avalio que este curso possui como principal referência a concepção Competitivista, complementada pela concepção Saúde Renovada, Desenvolvimentista e Fenomenológica/Motricidade Humana. Apresento, no quadro 8 abaixo, uma síntese das concepções pedagógicas identificas de forma predominante e secundária em cada curso. 176 Quadro 08 – Concepções pedagógicas de Educação Física identificadas nos CEDF do Pará. IES CONCEPÇÕES PREDOMINANTES CONCEPÇÕES SECUNDÁRIAS CEDF-UEPA Crítico-Superadora Fenomenológica/ Motricidade Humana CEDF-UFPA- Belém e Castanhal Fenomenológica/ Motricidade Humana Saúde Renovada Desenvolvimentista CEDF-ESMAC Saúde Renovada Competitivista Desenvolvimentista - CEDF-ESAMAZ Fenomenológica/ Motricidade Humana Saúde Renovada Competitivista - CEDF-CEULS- ULBRA Competitivista Saúde Renovada Desenvolvimentista Fenomenológica/ Motricidade Humana Fonte: elaborado pelo autor. A partir deste quadro, identifico que as concepções Saúde Renovada e Fenomenológica de Educação Física, particularmente baseada na Motricidade Humana, são as concepções hegemônicas nos currículos programados dos cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará investigados nesta pesquisa. Estas concepções estão presentes em cinco dos seis cursos selecionados neste estudo. A concepção pedagógica Saúde Renovada está presente de forma hegemônica no CEDF-ESMAC e no CEDF-ESAMAZ, e influenciando consideravelmente o CEDF-UFPA-Belém, o CEDF-UFPA- Castanhal e o CEDF-CEULS-ULBRA. Já a concepção Fenomenológica é predominante no CEDF-UFPA-Belém, no CEDF-UFPA-Castanhal e no CEDF- 177 ESAMAZ, influenciando consideravelmente o CEDF-UEPA e o CEDF-CEULS- ULBRA. Também presentes nos currículos de Educação Física paraenses investigados, estão as concepções Competitivista, Desenvolvimentista e, em menor grau, Crítico-Superadora. Estas cinco concepções pedagógicas de Educação Física conformam a Hidra mitológica, que me referi no início da seção, cada concepção representa a cabeça de uma hidra. A primeira cabeça da Hidra está representada pela concepção Fenomenológica de Educação Física. Questiono sobre como tal concepção, que não se caracteriza como uma proposta pedagógica sistematizada, limitando-se ao primeiro nível de uma concepção pedagógica segundo Saviani (2001), pode ter conquistado tanta adesão nos currículos de Educação Física do Estado? Encontro na fala da professora Michele Escobar um primeiro esforço de elucidar esta questão. Para ela, na década de 1990, “no movimento mundial que hoje se faz sentir com toda força, havia um incentivo tremendo para que os intelectuais se ligassem à ótica fenomenológica dos fenômenos pedagógicos, especialmente na educação e na Educação Física.” (COLETIVO DE AUTORES, 2009, p. 129). A fenomenologia, filosofia que se insere no quadro geral da teoria do conhecimento como parte do idealismo subjetivo, ou seja, aquela em que “a única realidade é a consciência do sujeito, ‘o conjunto de suas sensações, vivências, estados de ânimo e ações’” (TRIVIÑOS, 1987, p. 19), tem como seus principais teóricos, além de Husserl, os filósofos alemães Max Scheler e Martin Heidegger e os franceses Merleau-Ponty e Jean-Paul Sartre. Também influenciou outros pensadores, como Soeren Kierkegaard, Karl Jaspers, Paul Ricoeur e outros. Merleau-Ponty (1908-1961) é a principal referência utilizada na Educação Física. Suas principais obras são “A estrutura do comportamento” (no original: “La Structure du comportement”, 1942) e “Fenomenologia da Percepção” (no original: “Phénoménologie de la perception, 1945). Baseando- se neste teórico, Manuel Sérgio (s/d, p. 26), afirma que “a aquisição da 178 fenomenologia, que mais atenção tem merecido, é a de intencionalidade”. Essa intencionalidade está relacionada à consciência, que deve levar em conta a percepção. “Perceber é tornar presente qualquer coisa com a ajuda do corpo” (PONTY apud SÉRGIO, s/d, p. 28). Assim, a ideia de corporeidade e motricidade advém da “[..] convicção que o corpo tem uma intencionalidade dinâmica, que se dirige para as coisas e para os homens, com os quais compartilha o Mundo.” (SÉRGIO, s/d, p. 29). Sobre esta filosofia, concordo com a posição defendida por Triviños (1987), quando este faz a seguinte avaliação: Mas o esquecimento do histórico na interpretação dos fenômenos da educação, sua omissão do estudo da ideologia, dos conflitos sociais de classes, da estrutura da economia, das mudanças fundamentais, sua exaltação da consciência etc. autorizam a pensar que um enfoque teórico dessa natureza pouco pode alcançar de proveitoso quando se está visando os graves problemas de sobrevivência dos habitantes dos países do Terceiro Mundo. (TRIVIÑOS, 1987, p. 48- 49). Já a professora Micheli Escobar, uma das precursoras da concepção pedagógica Crítico-Superadora da Educação Física, sustenta uma crítica mais acentuada daquela concepção: As teorias fenomenológicas todas nasceram por encomenda. O capitalismo tem sempre à sua disposição intelectuais de alto gabarito pagos para que elaborem teorias. Na realidade, qualquer um elabora teorias. O problema é sustentar a teoria, porque existem provas práticas que vão dizer se a teoria vale ou não vale. E se o autor tem o apoio oficial é lógico que poderá elaborar teorias e divulgá-las, e muitas, muitas pessoas, acreditarão e trabalharão com elas. (COLETIVO DE AUTORES, 2009, p. 129). Apesar da primeira frase da citação implicar em uma discussão bastante polêmica com os fenomenólogos97, não possuo condições teóricas de aprofundar-me nesta discussão neste presente estudo. Entretanto, concordo integralmente com o restante do seu parágrafo, em que afirma que o 97 Talvez a professora se refira, por exemplo, ao fato de que o filósofo Heidegger tenha aderido ao Nazismo Alemão na década de 1930, assumindo o cargo de reitor da Universidade de Freiburg (Alemanha) em meio a ascensão nazista. Entretanto, segundo consta, Merleau- Ponty escreveu ensaios em defesa do socialismo soviético contra as chamadas democracias ocidentais até a década de 1940, o que só veio romper após a guerra da Coréia, no início da década de 1950 (MAURICE..., 2011). 179 pensamento ou teoria hegemônica em uma sociedade é o pensamento ou teoria hegemônica da classe dominante, o que remete a instrumentos oficiais de apoio e até de financiamento a determinadas teorias. Este parece ser o caso da concepção Saúde Renovada de Educação Física, pois esta é a concepção “oficial” das DCNEF, ou seja, a concepção indicada pela prescrição curricular oficial para todos os cursos de graduação em Educação Física do Brasil. Esta concepção, a segunda cabeça da Hidra, está fortemente presente nos cursos de licenciatura de Educação Física do Estado do Pará. A presença desta concepção nos cursos investigados representa alguma surpresa, mas, expressa a força das teorias ou ideologias dominantes na definição dos projetos educacionais e curriculares para a Educação Física. Do mesmo modo, demonstra a situação agravante que se encontra a formação de professores de Educação Física no Estado do Pará, aturdida pelo que há de mais reacionário e neoliberal nesta área de conhecimento. A terceira cabeça da Hidra está representada pela tradicional concepção Competitivista ou Tecnicista de Educação Física. Essa concepção foi identificada por Guiraldelli Júnior (2007) e Carmo (1985) e representava os interesses das elites militares brasileiras, no contexto do pós-golpe de 1964, em promover o esporte nacional como prática de um sentimento nacionalista e patriótico, ocultando as diferenças entre patrão e operário que se estabelecem no cotidiano da sociabilidade do capitalismo. É interessante perceber que mesmo transpassados quase trinta anos do processo de redemocratização do país e das primeiras críticas a esta concepção pedagógica, esta ainda persiste e permanece vivamente influenciando os projetos curriculares da formação de professores de Educação Física, pelo menos das IES particulares. Tal qual a cabeça imortal da Hidra de Lerna, esta concepção tem sido a mais difícil de “esmagar”. A quarta cabeça da Hidra, a concepção Desenvolvimentista de Educação Física, está presente de forma predominante em uma única instituição (CEDF-ESMAC) e influencia secundariamente outras três (CEDF- UFPA-Belém, CEDF-UFPA-Castanhal e CEDF-CEULS-ULBRA). Ainda que minoritária em relação às outras concepções, considero que a concepção 180 desenvolvida por Go Tani (1988), ainda que fortemente criticada na área, possui forte influência na Educação Física brasileira, constituindo parte determinante dos projetos curriculares recém-instaurados na Educação Física paraense. Por fim, a quinta e última cabeça da Hidra, a concepção Crítico- Superadora, é a mais frágil de todas, no que diz respeito à sua presença nos currículos investigados dos cursos de licenciatura em Educação Física no Pará. Esta concepção pedagógica está presente de forma hegemônica apenas no CEDF-UEPA. Ainda que isolada das demais cabeças e constantemente ameaçada de ser enterrada, esta concepção é a mais avançada de todas, em função de sua aproximação com a classe trabalhadora e a defesa de seu projeto histórico de sociedade. As concepções pedagógicas aqui apresentadas e discutidas não são simples formas de perceber a Educação Física, ou seja, não representam visões desinteressadas, alheias à realidade social e ao mundo a seu redor, mas concretizam, no plano desta prática pedagógica, uma determinada visão social de mundo: Acrescentando o termo social – visão social de mundo – queremos insistir em dois aspectos: a) trata-se da visão de mundo social, isto é, de um conjunto relativamente coerente de idéias sobre o homem, a sociedade, a história, e sua relação com a natureza (e não sobre o cosmos ou a natureza enquanto tais); b) esta visão de mundo está ligada a certas posições sociais [...], isto é, aos interesses e à situação de certos grupos e classes sociais. (LOWY, 2007, p. 13) Assim, a presença de tal ou qual concepção de Educação Física nos currículos expressa uma opção de visão social de mundo de uma determinada classe social. As concepções hegemônicas nos cursos aqui analisados – a Fenomenológica, Saúde Renovada, Desenvolvimentista e Competitivista – estão alicerçadas em um projeto social de manutenção do status quo existente, contribuindo para a formação de professores de Educação Física de forma alienante, acrítica e despolitizada. Penso que tal configuração dos cursos de Educação Física no Pará está relacionada, por um lado, às determinações mais gerais da economia, da sociedade e da política, o que tem acentuado o contexto de confusões 181 ideológicas combinadas com reações teóricas em função da ausência de um referencial estratégico de sociedade (como havia antes da derrubada do muro de Berlim), tal como apresenta a combinação das perspectivas Fenomenológica/Motricidade Humana e Aptidão Física nos currículos investigados . É preciso também buscar explicações deste quadro nas especificidades da realidade local da Educação Física paraense: distante dos grandes centros de produção do conhecimento da área, sem programas de pós-graduação próprios e grupos de pesquisas consolidados, alijada por dimensões continentais dos debates, discussões e polêmicas nacionais envolvendo o currículo e a formação de professores de Educação Física, não é de se estranhar que esta região, somente lembrada nas políticas governamentais nos mega projetos de destruição da Amazônia em nome da modernidade e do desenvolvimento98, ainda se apresente com projetos curriculares com base na concepção tradicional Competitivista da Educação Física. Ao não se aprofundarem em uma consistente base teórica, epistemológica, científica e em uma crítica radical da realidade social, o mais provável é que os coletivos docentes das instituições investigadas, que são os responsáveis pelas interpretações das políticas curriculares oficiais, busquem alternativas mais simples e acessíveis para pensar os currículos de Educação Física paraenses, o que resulta nestas mesclas e hibridizações de concepções. No meu ponto de vista teórico, este elemento, hibridizações, é o que tem gerado as confusões na prática pedagógica dos professores de Educação Básica, relatadas no decorrer desta seção. Essa crítica aos coletivos docentes que construíram estas propostas curriculares, ganha maior consistência nos cursos das universidades públicas, pois estes arrogam de maior garantia na autonomia institucional e docente. Inclusive, esta particularidade das universidades públicas, maior possibilidade de efetivação da autonomia institucional e docente quando comparada às IES 98 Tal como o projeto da Hidrelétrica de Belo Monte, que envolve bilhões de reais da União e de investimentos privados internos e externos, mas que somente tende a beneficiar estes últimos, em detrimento da população local e dos vários impactos ambientais causados na região, como demonstra inúmeros estudos realizados até mesmo por entes governamentais, já divulgados pela grande imprensa. 182 privadas, pode explicar a adoção da concepção Crítico-Superadora por parte do CEDF-UEPA. Lembro ainda que o recorte do objeto desta análise está circunscrito no âmbito do currículo prescrito e programado pelos professores das instituições investigadas, não abrangendo o currículo em ação, o que, obviamente, impede a realização de inferências de como estas concepções se manifestam na realidade da prática pedagógica desses cursos e se existem outras concepções trabalhadas no currículo que não foram identificadas nesta seção. Porém, se compete ao coletivo docente, a responsabilidade pela interpretação do currículo oficial e pela construção do projeto curricular do curso, o que resultou, em sua maioria, em concepções pedagógicas hibridizadas, tal como uma hidra de várias cabeças, cabe analisar a seguir, os modelos de professores almejados por esses cursos. Esta tarefa, realizo na seção seguinte. 183 Figura 4 – Os Retirantes, Cândido Portinari, 1944. Fonte: 184 4 O REINO DO CAOS E DA INCERTEZA: MODELOS DE PROFISSIONALIDADE DOCENTES NAS PROPOSTAS CURRICULARES DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO PARÁ O caos é uma ordem por decifrar José Saramago Caos é o nome do deus primordial da mitologia grega, a primeira divindade a surgir no universo das ideias dos antigos cidadãos gregos. Caos (“Chaos” ou “Khaos”) não apresenta uma descrição física, pois este ser não possui forma nem aparência definida. Representa a desordem e a confusão inicial do mundo, constituindo-se de “uma informe e confusa massa, mero peso morto”, em que “a terra, o mar e o ar estavam todos misturados; assim, a terra não era sólida, o mar não era líquido e o ar não era transparente” (BULFINCH, 2006, p. 23). Caos e incerteza também é a situação que se encontra a educação brasileira. Relatos de violência, agressões e homicídios contra alunos, gestores e professores em meio ao exercício de sua profissionalidade, estão se tornando uma rotina em telejornais nacionais99. Mas esta é apenas uma faceta do caos social, que, ao contrário do mito grego, possui raízes objetivas na realidade concreta e cotidiana da organização da vida sob as bases da exploração capitalista. Esse estado de incertezas e de caos na sociedade e, especialmente, na educação, precisa ser descrito, refletido, analisado e explicado cientificamente, tendo em vista a sua superação. Assim, esta seção se debruça sobre a 99 Uma das notícias mais recentes (28 de fevereiro de 2011), que ganhou repercussão nacional na imprensa, foi o assassinato de uma professora em frente à escola em que trabalhava, a Escola Municipal Professor “Paulo Freire”, na cidade de Embu das Artes, na grande São Paulo. A professora de Educação Física Joyce Chaddad de Moraes Domingues, 36 anos, que também era coordenadora pedagógica da escola, foi abordada por um adolescente de 17 anos que disparou três tiros de revólver. Joyce Domingues havia retornado recentemente da licença-maternidade e deixou um bebê de 7 meses. Diante deste e de outros acontecimentos desta natureza, na qual professores estão correndo riscos de vida no seu trabalho docente, valho-me das palavras de Fernandes Neto (2009, p. 12): “Podemos explicar tais fatos sob o ponto de vista sociológico, político, etc. Mas não podemos perder a sensibilidade. Não podemos perder a capacidade de nos indignar. Podemos e devemos transformar nossas lágrimas e nossa indignação em organização e luta. Devemos dirigir a luta contra a sociedade capitalista que desumaniza o homem. Podemos e devemos lutar pelo socialismo.” 185 questão do professor, particularmente, sobre os paradigmas ou modelos de profissionalidade que têm orientado a formação docente, tendo como especificidades, os cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará. Para tal, parto da discussão conceitual e teórica a respeito de profissão, profissionalidade e proletarização docente; discuto os tipos ou modelos de profissionalidade docentes identificados na literatura educacional; analiso o modelo de profissionalidade predominante nas DCNEF e; por fim, analiso quais desses modelos estão presentes nas propostas curriculares dos cursos de Educação Física investigados nesta pesquisa. 4.1 PROFISSÃO, PROFISSIONALISMO, PROFISSIONALIDADE E PROLETARIZAÇÃO DOCENTE A discussão sobre a condição social do professor como ocupação, profissão, profissionalismo, profissionalidade ou proletarização é um tema um tanto complexo e confuso para os estudiosos que tratam deste assunto. Segundo Contreras (2000), o termo “profissional” e suas derivações, não são expressões neutras, mas expressam opções por determinadas visões sociais de mundo. Para entender essa “confusão”, inicio com um breve resgate histórico do processo de conformação do professor, em seguida, apresento as polêmicas sobre estas terminologias no marco das diferenças conceituais, políticas e de concepção de professores e, por fim, discorro sobre as tipologias de modelos de profissionalidade docentes apresentadas pelos principais autores que discutem esta temática. Sobre a história da atuação docente, Lessard e Tardiff (2009) relatam: O ensino é uma das mais antigas profissões, tão antiga quanto a medicina e o direito. Realidade familiar a todos, o ensino foi durante muito tempo apresentado como uma vocação, um apostolado, um sacerdócio leigo; seu exercício se baseava então, antes de tudo, nas qualidades morais que o bom mestre tinha de possuir e exibir a todos aqueles que controlavam, de uma maneira ou de outra, o seu trabalho com os jovens. (LESSARD e TARDIFF, 2009, p. 255). 186 Esses autores apontam a existência de uma linha evolutiva na definição do professor, esta evolução segue a trajetória: vocação – ofício – profissão. Esta, mais do que uma sucessão de períodos históricos, representa, na visão dos autores, dimensões fundamentais do trabalho docente. Já o estudo desenvolvido por Saviani (2009) revela que, desde o século XVII, a formação de professores já fora objeto de preocupações em Comenius100. Ele também observa que uma das primeiras instituições destinadas à formação docente, encontra-se em 1684, no Seminário dos Mestres, construída por La Salle101, em Reims, norte da França. António Nóvoa, por sua vez, ilustra que, em meados do século XVIII, já se discutia sobre a identidade profissional do professor. O autor, referindo-se a este período, destaca: Por toda a Europa procura-se esboçar o perfil do professor ideal: Deve ser leigo ou religioso? Deve integrar-se num corpo docente ou agir a título individual? De que modo deve ser escolhido e nomeado? Quem deve pagar o seu trabalho? Qual a autoridade de que deve depender? (NÓVOA, 1999, p. 15, grifo do autor) Antes do capitalismo moderno, em que tais questões se colocavam pertinentes frente a um Estado controlado pela Igreja, o trabalho docente fora realizado por pessoas vinculadas à religiosidade cristã. Nóvoa (1999) mais uma vez explica: 100 Jan Amos Komenský, em latim Comenius (1592-1670), nasceu na República Tcheca. Seus pais eram adeptos da “Seita dos Irmãos Morávios”, uma congregação religiosa rígida, que se valia de uma interpretação extrema das Sagradas Escrituras. Comenius teve sua infância marcada pela tragédia, seus pais e irmãs faleceram quando ele tinha apenas doze anos de idade, o que o forçou a conviver com tutores pouco afáveis, que lhe educavam na “pedagogia da palmatória”. Estudou teologia na Universidade Calvinista de Herbron, na Alemanha, onde se dedicou a estudos enciclopédicos gerais. No conflito entre católicos e protestantes conhecido como “Guerra dos Trinta Anos” (1618-1648), Comenius perdeu novamente sua família (mulher e filhos) pela epidemia da peste. Autor de “Didática Tcheca” (1627) que, posteriormente, foi traduzida para o latim com o título “Didática Magna” (1631), deu início a uma das primeiras sistematizações da educação moderna. (WALKER, 2002). 101 João Batista de La Salle (1651-1719) foi filho de nobres, seu pai era conselheiro de Luis XIV, rei da França. Aos quinze anos de idade, foi nomeado cônego na catedral de Reims, cargo que anos mais tarde renunciou junto com todos os seus bens. Estudou filosofia e teologia e, em 1678, ordenou-se no sacerdócio. Fundou a Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs, conhecida como “Irmãos Lassalistas”, em que se dedicou a fundação de várias escolas. Foi considerado santo em seu país. Em 1900, foi canonizado pela Igreja Católica e, em 1950, declarado, pelo Papa Pio XII, padroeiro universal dos professores e estudantes de magistério. 187 Inicialmente, a função docente desenvolveu-se de forma subsidiária e não especializada, constituindo uma ocupação secundária de religiosos ou leigos das mais diversas origens. A gênese da profissão de professor tem lugar no seio de algumas congregações religiosas, que se transformam em verdadeiras congregações docentes (NÓVOA, 1999, p. 15, grifos do autor). Este primeiro movimento de construção da categoria dos professores (ou profissão docente), deu-se a partir da elaboração de um conjunto de saberes, técnicas, normas e valores que constituíram a especificidade dos chamados “mestres-escola” ou “mestres-reais”, denominações dadas aos professores. Estes aprendiam o ofício de ensinar, com base na simples observação, na condição de auxiliares, aprendizes ou ajudantes, em geral, os mestres formavam-se ao lado de um mestre que já exercia há uns anos. Neste sentido, o magistério não se distinguia de outras profissões; o ferreiro, o sapateiro, o tecelão ou o chapeleiro aprendiam começando como aprendiz, depois como oficial e, finalmente, como mestre, mediante a aprovação num exame. Não existia então o divórcio actual entre conhecimentos teóricos e práticos; a teoria era inexistente ou reduzia-se ao mínimo, e a prática docente, ou seja, o ensino da leitura, escrita, cálculo, caligrafia e pouco mais, era o total da sua bagagem cultural. (DELGADO, 1980 apud GARCÍA, 1999, p. 72-73). Com o desenvolvimento das revoluções burguesas na Europa, em especial na França, a constituição da categoria dos professores passa a ser organizado pelo Estado, que passa a ser a instituição que define o processo de formação, de seleção, de nomeação, de autorização ou licença para o exercício da atividade docente. A centralização da categoria dos professores, a partir da construção do Estado moderno, permitiu maior homogeneização e unificação dos diversos grupos e congregações docentes existentes até então, o que contribuiu para a definição de um perfil de saberes especializados e, por conseguinte, de uma formação específica de longo prazo. Esta última foi cumprida pelas chamadas “Escolas Normais”. As primeiras Escolas Normais foram instituídas na França em 1795. Já naquela época se distinguia entre “Escola Normal Superior”, destinada a formação de professores de nível secundário e, “Escola Normal Primária”, que preparava professores de nível primário. Esta divisão conformava uma 188 hierarquia no processo de formação docente que corresponde à divisão social entre a classe dominante e a classe de trabalhadores manuais. No Brasil, as primeiras Escolas Normais datam de 1835, na província do Rio de Janeiro (SAVIANI, 2009). António Nóvoa (1999), ao explicitar o caráter destas instituições, revela a importância que a formação de professores possuía no processo de constituição da profissão docente. Segundo esse autor: As instituições de formação ocupam um lugar central na produção e reprodução do corpo de saberes e do sistema de normas da profissão docente, desempenhando um papel crucial na elaboração dos conhecimentos pedagógicos e de uma ideologia comum. Mais do que formar professores (a título individual), as escolas normais produzem a profissão docente (a nível coletivo), contribuindo para a socialização dos seus membros e para a gênese de uma cultura profissional. (NÓVOA, 1999, p. 18, grifos do autor). O conjunto de saberes, conhecimentos, normas e valores que deveriam conformar a cultura profissional docente estava submetido ideologicamente aos interesses educacionais da burguesia. Como alertava Anibal Ponce (2007), na produção capitalista a educação passou a ser uma condição sine qua non para a exploração dos trabalhadores, daí a preocupação de sua extensão às camadas populares; e quanto mais as redes de ensino se desenvolviam, a questão da profissionalização dos professores emergia no seio do desenvolvimento da sociedade capitalista, esta profissionalização, lembro, está relacionada ao controle do Estado sobre esta profissão. Entretanto, ressalto também que essa institucionalização dos professores desenvolveu formas de organização da categoria docente, tais como as associações ou sindicatos de professores, os quais, de acordo com Nóvoa (1999), [...] corresponde a uma tomada de consciência dos seus interesses como grupo profissional. Trata-se de um momento importante do processo de profissionalização, na medida em que estas associações pressupõem a existência de um trabalho prévio de constituição dos professores em corpo solidário e de elaboração de uma mentalidade comum: não espanta, por isso, que as associações tenham à sua frente professores e antigos alunos normalistas, portadores de um projeto renovado de profissão docente. A escolha do modelo associativo mais adequado aos professores foi objeto de longas controvérsias, bem como as suas filiações políticas 189 e ideológicas. Mas as práticas associativas pautaram-se quase sempre por três eixos reivindicativos: melhoria do estatuto, controlo da profissão e definição de uma carreira. O prestígio dos professores no início do século XX é indispensável da ação levada a cabo pelas suas associações. (NÓVOA, 1999, p. 19). No mesmo sentido, Lessard e Tardif (2009) também reconhecem que as associações e sindicatos dos professores foram fundamentais para o desenvolvimento da profissão docente. De acordo com esses autores: No contexto de generalização e de massificação da educação, e por extensão no quadro de burocratização dos sistemas educativos, o sindicalismo docente e as associações profissionais insistiram, com razão, para que o ensino fosse reconhecido como um ofício e os docentes, na qualidade de trabalhadores qualificados, fossem convenientemente tratados pelo seu empregador, nos planos material, social e simbólico. (LESSARD e TARDIF, 2009, p. 255). Segundo estes autores, a expansão dos sistemas e redes de ensino desenvolveu a construção de um estatuto socioprofissional, contribuiu para a exclusividade do exercício da atividade docente aos portadores de licença ou de certificação expedida pelo Estado e, fortaleceu instituições específicas de formação de professores. No início do século XIX, o trabalho docente deixa de ser uma vocação ou ofício de mestres e passa a ser reconhecido e legitimado como profissão, equivalente a advocacia ou a medicina. Estes elementos também se deram em função das ações desenvolvidas pelas associações e sindicatos docentes, o que contribuiu para que o início do século XX se tornasse a “época de glória” da profissão docente (NÓVOA, 1999). Infelizmente, esta glorificação da profissão docente não é a mesma desde há várias décadas. Em meados do século XX, principalmente após a crise do pós-guerra, ocorreu uma perda da condição profissional dos professores (ou de sua condição de profissionalidade) e uma tendência de aproximação desta categoria aos padrões de vida, de trabalho e de exercício profissional dos proletários industriais dos países atrasados. Antes, porém, de adentrar nessa discussão, cabem algumas explicações sobre as diferenças conceituais e teóricas sobre os termos: profissão ou profissionalismo e profissionalidade, pois estas terminologias acarretam 190 diferentes perspectivas de autonomia docente e, consequentemente, da função social docente. Sobre o conceito de profissionalização, Eliot Freidson, sociólogo que estuda o campo das profissões, esclarece o seguinte: Podemos definir a profissionalização como um processo pelo qual uma ocupação organizada, [...] obtém o direito exclusivo de realizar um determinado tipo de trabalho, controlar o treinamento para ele e o acesso a ele e controlar o direito de terminar e avaliar a maneira como o trabalho é realizado. Constitui uma base para organizar empregos e trabalho numa divisão do trabalho inteiramente diferente do princípio administrativo. (FREIDSON 1988 apud BARBOSA, 1999, p. 188). Seguindo este mesmo raciocínio, Lessard e Tardif (2009) compreendem que a lógica da profissionalização docente deve ser [...] entendida, ao mesmo tempo, no sentido de um reconhecimento de status pela sociedade e também como desenvolvimento, pelo próprio corpo docente, de um repertório de competências específicas e de saberes próprios que contribuam para o sucesso educativo do maior número possível de jovens e adultos. (LESSARD e TARDIF, 2009, p. 255). Para Francisco Imbernón (2010), os conceitos sobre profissão, profissionalismo e profissionalização são complexos e ambíguos. Esse autor pressupõe que o termo “profissão” não possui um significado definido, porém, ressalta que é interessante analisar este fenômeno à luz de um novo conceito, mais social, complexo e multidimensional, fundamentando-se em certos valores como cooperação e progresso social. Para o autor: Em termos gerais, o profissionalismo na docência implica uma referência à organização do trabalho dentro do sistema educativo e à distância externa do mercado de trabalho. Ser um profissional, portanto, implica dominar uma série de capacidades e habilidades especializadas que nos fazem ser competentes em um determinado trabalho, além de nos ligar a um grupo profissional organizado e sujeito a controle. (IMBERNÓN, 2010, p. 25). Contrariamente a estas posições, em Contreras (2002), o debate sobre “profissionalismo”, “profissão” e “autonomia docente” é assinalado por ambiguidades e interesses não desprovidas de ideologias, em que 191 sua profusão está-se dando sobretudo na forma de slogans, que como tal se desgastam e seus significados se esvaziam com o uso freqüente. Pode-se dizer que, por serem slogans, são utilizados em excesso para provocar uma atração emocional, sem esclarecer nunca o significado que se lhes quer atribuir. Funcionam assim como palavras com aura, que evocam idéias que parecem positivas e ao redor das quais se pretende criar consenso e identificação. (CONTRERAS, 2002, p. 23). De acordo com este autor, tais consensos são construídos para evitar discussões mais profundas no seio educacional, são usados por quem tem poder de reproduzir suas idéias na sociedade, e, como já disse Marx (2007), as idéias dominantes de uma sociedade são as idéias da classe dominante. Nessa perspectiva, Contreras (2002) discorre que a reivindicação dos professores para a condição de “profissionais” ou de “profissionalismo” se apresenta, aparentemente, com algumas características: busca de reconhecimento e status social com outras profissões reconhecidas (caso da medicina, advocacia e engenharia); identificação como especialistas de seu trabalho, rejeitando a presença de “estranhos” em sua atuação; pensamento de que as características daquele tipo de trabalho lhes pertencem por direito. O autor apresenta alguns estudos que têm por base a chamada “teorias dos traços” (do inglês: “trait approach”), que identifica um conjunto de características como identificadoras de uma determinada profissão. Em síntese, esses estudos (SKOPP; HOYLE, 1980; e ENGUITA, 1990) apontam os seguintes elementos como traços definidores de uma profissão: • Realização de uma função essencial na sociedade; • Existência de um saber profissional específico; • Existência de uma subcultura profissional própria; • Competência ou qualificação em um campo de conhecimento; • Grau considerável de destrezas ou habilidades no exercício profissional; • Manipulação de problemas e situações diversas, não rotineiras na profissão; • Disposição, vocação ou sentido de servir ao cliente; • Disposição do cliente em acatar as decisões do profissional; • Autonomia diante de outras organizações e do cliente; • Liberdade de realização de seu próprio juízo diante de sua prática; 192 • Licença ou exclusividade em um campo de trabalho; • Regulação e controle independente pela própria categoria profissional; • Constituição de valores profissionais por meio de um código de ética; • Contribuição na definição de políticas públicas relativas a sua especialidade; • Período prolongado de educação superior na formação do profissional; • Prestígio social e reconhecimento legal e público de seu status; • Prestígio reconhecido e alto nível de remuneração. Com base nesses elementos apresentados pela teoria dos traços, Contreras (2002) classifica os professores na categoria de “semiprofissionais”, pois algumas destas características encontram-se ausentes no trabalho docente, tais como a autonomia em relação ao Estado, um conhecimento especializado próprio e, uma organização exclusiva que regule o código profissional. Contudo, o autor aponta limitação importante nesta teoria: a simplificação das características definidoras de uma profissão com elementos selecionados a priori, o que remete a um aspecto ideológico nesta identidade profissional, na medida em que se aspira a certas características sem relacioná-las ou problematizá-las no contexto de relações sociais e históricas. Concordando com esta crítica, estudos de Larson (1977 apud CONTRERAS, 2002), indicam que estas caracterizações (teoria dos traços) não passam de formalizações de pressupostos ideológicos que as próprias profissões utilizam para sustentar seus status, privilégios e diferenciações (de outras ocupações), recorrendo-se para isso à regulamentação estatal. Da mesma forma, Eliot Freidson (apud BARBOSA, 1999), também critica a concepção em torno dos “traços”, pois estas compreendem uma taxonomia com um agregado de características sem princípios teóricos. Indo mais além, Contreras (2002) relaciona a idéia de “profissão” e “profissionalismo” com uma ideologia de controle do trabalho docente, contrariando, a noção de autonomia profissional presente destes discursos. De acordo esse autor, 193 o problema não é só qual a possibilidade de a ocupação de docente transformar-se em uma profissão, e sim mais precisamente se o que as profissões representam socialmente é uma aspiração desejável para o ensino. Ou, mais concretamente, se representam uma forma desejável de autonomia para o trabalho do docente. Para isso, necessitamos entender o que significa e o que supõe ideologicamente a aspiração do profissionalismo. (CONTRERAS, 2002, p. 58-59). As críticas às consequências da ideologia do profissionalismo, indicadas por Contreras (2002), são da seguinte ordem: a) despolitização na resolução de conflitos, restringindo-os a assuntos técnicos e de especialistas, o que oculta as opções ideológicas desta posição; b) concepção passiva do “cliente” na aceitação da palavra do profissional especialista; c) uso ideológico por parte dos empregadores para estabelecer hierarquias salariais diferenciadas na categoria docente; d) estabelecimento de privilégios ao setor profissional em questão, restringindo a atuação de outros trabalhadores a este tipo de trabalho. O autor relaciona ainda o conceito de “profissionalismo” ao processo de racionalização do ensino: Além disso, se o profissionalismo como ideologia se encontra ligada à capacidade de impor um conhecimento como exclusivo, despolitizando e tornando tecnocrática a atuação social, está longe de ficar claro que isso seja uma conquista social. É esta uma das advertências que Popkewitz (1990) quis fazer, recordando-nos que os processos de profissionalização têm sido utilizados para introduzir sistemas de racionalização no ensino, de tal modo que o fruto foi a homogeneização da prática dos docentes, a conseqüente burocratização e perda de autonomia dos professores e o banimento da participação social na educação cada vez mais justificado como um âmbito de decisão dos profissionais ou da administração (CONTRERAS, 2002, p. 61). De acordo com o autor, o discurso da profissionalização dos professores encontra uma forte legitimação por meio do conhecimento científico positivista, em função de setores ligados à universidade e ao meio acadêmico, o que resulta em uma divisão hierárquica daqueles que produzem conhecimento (profissionais) e daqueles que o consomem (professores que ensinam). Mais uma hierarquia imposta à formação e à profissionalidade docente. Todas essas críticas sobre a ideia de “profissão” e “profissionalismo” desvelam os interesses ideológicos de controle da atividade docente pelo Estado e pelos empregadores da educação privada, materializam-se no caso 194 concreto da Educação Física brasileira, com a regulamentação desta profissão e com a criação de seu conselho profissional, o Sistema CONFEF/CREF. Sobre estas instituições, Nozaki (2004) investigou em sua tese de doutoramento as mediações existentes entre a regulamentação da profissão e o processo de reordenamento do mundo do trabalho capitalista no campo da Educação Física; as implicações da regulamentação profissional na formação e na atividade docente do professor de Educação Física e dos trabalhadores das tradições culturais102; e as estratégias de resistências encontradas por esses professores contra as ingerências do Sistema CONFEF/CREF no trabalho docente. Segundo Nozaki (2004), a regulamentação da profissão de Educação Física representou uma alternativa corporativista diante da crise estrutural do modo de produção capitalista, alternativa esta que optou pela adaptação as determinações do mercado e das políticas neoliberais no seio da Educação Física, o que resultou em: a) A divisão dos trabalhadores da educação, da Educação Física e das tradições culturais, frente à exclusividade de saberes, técnicas, habilidades e formação específicas por parte dos profissionais da Educação Física, exigidas pelo CONFEF, que se materializa na licença exclusiva (a filiação ao Conselho) para atuar neste campo de trabalho. b) A fragmentação da base epistemológica da Educação Física, tendo como referência a retomada das ciências biológicas e da saúde, em detrimento das ciências humanas e sociais e; c) A ingerência no campo da formação de professores de Educação Física, tendo em vista o amoldamento da formação para os ditames das 102 Tradições Culturais é um termo que engloba os trabalhadores que não são formados em Educação Física, mas trabalham em torno de algumas manifestações da cultura corporal, sendo o caso da Capoeira, Dança, Lutas/Artes Marciais e Yoga e outras práticas que possuem um código de formação de professores próprio e autônomo em relação à Educação Física. Esta expressão foi extraída do movimento conformado pelo MNCR chamado Frente Unida Pela Autonomia Profissional da Educação e das Tradições Culturais, movimento que aglutinou professores de Educação Física e Federações, Ligas e Sindicatos de diversas manifestações já citadas, contrários à regulamentação e ao conselho profissional de Educação Física. Esclareço ainda que não realizo a divisão destes trabalhadores que sobrevivem por meio da prática/exposição/performance destas atividades, daqueles que se voltam exclusivamente para o trabalho docente destas manifestações, uma vez que, tal como explica Nozaki (2004), na realidade de vida desses trabalhadores, esta divisão não existe. 195 necessidades do mercado, o que se concretizou na divisão dos cursos de Educação Física em licenciatura e bacharelado, por meio da intervenção do CONFEF na definição das DCNEF. Em suas argumentações, Nozaki (2004) se utiliza da Súmula de Jurisprudência da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, em que explicita as intencionalidades do Estado brasileiro nos recentes processos de regulamentações de profissões: Costuma-se muito confundir regulamentação profissional com o reconhecimento da profissão e com a garantia de direitos quando, na verdade, regulamentar significa impor limites, restringir o livre exercício da atividade profissional, já valorizada, reconhecida e assegurada constitucionalmente. Esse poder do Estado de interferir na atividade para limitar o seu livre exercício só se justifica se o interesse público assim o exigir. E por certo que a exigência do interesse público não é pela especificação ou reserva de direitos para um determinado segmento econômico-profisional e sim pela imposição de deveres em favor da coletividade consumidora de seus serviços que, se praticados por pessoas desprovidas de um mínimo de conhecimentos técnicos e científicos especializados, poderiam acarretar sério dano social, com riscos à segurança, à integridade física, à saúde, à educação, ao patrimônio e ao bem- estar. (BRASIL, 2001 apud NOZAKI, 2004, p. 329, grifos do autor). Assim, identifico que o estudo de Nozaki (2004) confirma as idéias de Contreras (2002), a respeito do viés ideológico que assume a defesa do profissionalismo ou profissão no meio docente. Entendo ainda que o caso concreto da Educação Física, exemplifica esta afirmação de Contreras (2002): O efeito do profissionalismo, enquanto ideologia, não é apenas externo. Também possui efeitos internos quanto às relações entre o grupo profissional e seus empregadores. Com efeito, por parte dos primeiros, o recurso à profissionalização emprega-se como forma de obter melhores condições de trabalho, enquanto que por parte dos empregadores é um recurso ideológico para, com seu reconhecimento, ou apelando a ela, neutralizar conflitos, reorientar expectativas ou estabelecer hierarquias de salários. (CONTRERAS, 2002, p. 60). Do mesmo modo, também é válida para o Sistema CONFEF/CREF a afirmação de Larson (1989 apud CONTRERAS, 2002, p. 60-61): “Frente às declarações coletivas desses grupos, a prática profissional constitui o espaço par excellence onde se revelam suas mentiras”, como é notório na comunidade 196 acadêmica da Educação Física, minimamente informada sobre as ações e métodos utilizados por este Conselho para se manter. Assim, uma vez que a idéia de “profissionalização” do professor, não garante a autonomia docente, dentre outras críticas já expostas aqui, Contreras (2002) defende o termo “profissionalidade docente”. Esta não tem a finalidade de buscar status, controle ou regulamentação, como ocorre no primeiro caso, e sim, a luta pela qualidade103 do trabalho docente, pela autonomia do professor, a responsabilidade com a sociedade e a formação necessária a sua atuação. Nas palavras do autor, [...] a profissionalidade refere às qualidades da prática profissional dos professores em função do que requer o trabalho educativo. [...] Falar de profissionalidade significa, nessa perspectiva, não só descrever o desempenho do trabalho de ensinar, mas também expressar valores e pretensões que se deseja alcançar e desenvolver na profissão (CONTRERAS, 2002, p. 74, grifos do autor). Esta reconceptualização da atividade do professor enquanto profissionalidade e não enquanto profissão, a qual tenho acordo, também está sendo discutido por um outro viés: a situação concreta de como se encontra o trabalho docente. Ao discutir as qualidades da atividade docente e a autonomia como uma das principais qualidades, Contreras (2002) discorre sobre o processo chamado de “proletarização dos professores”. Segundo o mesmo, a tese básica da proletarização de professores é que o trabalho docente sofreu uma subtração progressiva de uma série de qualidades que conduziram os professores à perda de controle e sentido sobre o próprio trabalho, ou seja, à perda de autonomia. (CONTRERAS, 2002, p. 33) Esta tese sustenta que os professores passam por uma transformação nas características, nas condições e nas tarefas de seu trabalho que os 103 Qualidade não é entendida aqui na acepção neoliberal, ou seja, referente ao controle de um produto para seu melhoramento enquanto mercadoria, tal como ocorre na produção industrial. Mas no sentido marxista, ou seja, de aspectos e propriedades valorativas do ato ou de uma ação. No caso específico da docência “as qualidades da profissionalidade fazem referência, em todos os casos, àquelas que situam o professor ou professora em condições de dar uma direção adequada à sua preocupação de realizar um bom ensino. São, por conseguinte, dimensões do seu fazer profissional no qual se definem aspirações com respeito à forma de conceber e viver o trabalho de professor, ao mesmo tempo em que se inscreve a forma de dotar a realização do ensino de conteúdo concreto.” (CONTRERAS, 2002, p. 74). 197 aproxima da situação das condições de trabalho, das características e das tarefas do proletariado, perdendo assim a qualidade e o status de sua atuação enquanto profissionais. (CONTRERAS, 2002). De acordo com o autor, esse processo tem como fundamento a concepção taylorista de organização racional do trabalho, em que o processo do trabalho é dividido em tarefas cada vez mais simples, isoladas e rotineiras, resultando em três conceitos-chave: a) separação entre concepção e execução do trabalho, em que o trabalhador se torna um mero executor de tarefas; b) a desqualificação do trabalho, em que o trabalhador perde habilidades e conhecimentos de sua prática; e c) a perda de controle sobre o seu próprio trabalho, em que o trabalhador está submetido às decisões do capital. De acordo ainda com Contreras (2002), o Estado, seguindo o mundo empresarial, também tem adotado políticas de reprodutibilidade do processo de acumulação capitalista, tais como a progressiva racionalização do ensino, da gestão educacional, do currículo, da prática pedagógica, da formação dos professores, dentre outros. A proletarização dos professores origina e reforça diversos fenômenos tais como: a intensificação do trabalho docente, a prática rotineira, o individualismo, o isolamento, a desqualificação intelectual e o imediatismo nas tarefas docentes. Para um melhor entendimento da chamada “proletarização”, é preciso identificar a natureza do trabalho docente e, para isto, valho-me de Saviani (2005) que explicita: Assim, o processo de produção da existência humana implica, primeiramente, a garantia de sua subsistência material com a 198 conseqüente produção, em escalas cada vez mais amplas e complexas, de bens materiais; tal processo nós podemos traduzir na rubrica “trabalho material”. Entretanto, para produzir materialmente, o homem necessita antecipar em idéias os objetivos da ação, o que significa que ele representa mentalmente os objetivos reais. Essa representação inclui o aspecto de conhecimento das propriedades do mundo real (ciência), de valorização (ética) e de simbolização (arte). Tais aspectos, na medida em que são objetos de preocupação explícita e direta, abrem a perspectiva de uma outra categoria de produção que pode ser traduzida pela rubrica “trabalho não-material”. Trata-se aqui da produção de idéias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades. Numa palavra, trata-se da produção do saber, seja do saber sobre a natureza, seja do saber sobre a cultura, isto é, o conjunto da produção humana. Obviamente, a educação situa-se nessa categoria do trabalho não-material. Importa, porém, distinguir, na produção não-material, duas modalidades. A primeira refere-se àquelas atividades em que o produto se separa do produtor, com no caso dos livros e objetos artísticos. Há, pois, nesse caso, um intervalo entre a produção e o consumo, possibilitado pela autonomia entre o produto e o ato de produção. A segunda diz respeito às atividades em que o produto não se separa do ato de produção. Nesse caso, não ocorre o intervalo antes observado; o ato de produção e o ato de consumo imbricam-se. É nessa segunda modalidade do trabalho não- material que se situa a educação. (SAVIANI, 2005, p. 12, grifos nossos). Nessa perspectiva teórica, a educação é um trabalho não-material, cujo produto não se separa do ato de produção. A questão é que, como qualquer outro trabalho, a educação também é determinada pelas formas de organização social da produção mais geral, o que significa que no capitalismo e, principalmente, no capitalismo em crise, a organização do trabalho docente possui conotações mais específicas, como a tendência à proletarização. Áurea Costa (2009), sustenta que o fenômeno da proletarização observado no trabalho docente está relacionado ao processo de alienação subjacente à questão da produção-produto na sociedade capitalista. A autora explica: No âmbito das análises da Educação capitalista, uma crítica clássica é a de que a lógica de mercado invade, cada vez mais, a organização do trabalho na escola. E uma das consequências necessárias desse processo é a alienação do trabalhador diretamente relacionado à atividade-fim da escola: o professor. (COSTA, 2009, p. 58). Ela recorre a Marx para explicar o processo de alienação e pontua alguns elementos que caracterizam este: a separação do produto do trabalhador que produz, ou seja, o objeto da produção não é usufruído pelo 199 trabalhador, pois pertence ao dono dos meios de produção; a separação no processo de trabalho entre o comando da produção e a sua execução, ou seja, a divisão entre o pensar e o fazer, o que se acentua com a fragmentação e parcelarização da produção, tornando o trabalhador mais desconhecedor de sua atividade laboral; e a separação do valor do trabalho do trabalhador, convertendo o trabalho humano em uma mercadoria, o que desqualifica a sua característica humana e a reafirma enquanto uma “coisa”, um processo de coisificação (COSTA, 2009). Em síntese a autora afirma: Tudo isso se fundamenta num fato: em relações de produção capitalistas, o trabalhador se relaciona com o que produz como algo que lhe é estranho, externo, embora seja fruto de seu esforço físico e intelectual, ocupe a maior parte do seu tempo e em detrimento de outras esferas que lhe são vitais, como o comer, dormir, relacionar-se com outros humanos, desenvolver suas potencialidades humanas (COSTA, 2009, p. 70). No caso específico da docência, algumas características da alienação se fazem presentes: a) exterioridade: o professor não possui autonomia para ensinar, mas se ajusta às imposições das políticas curriculares e educacionais que, em verdade, vão de encontro ao que deveria ser a própria finalidade da atividade educacional, quer seja, proporcionar o desenvolvimento pleno da humanidade nas novas gerações; b) imposição: o que torna o trabalho do professor uma atividade penosa, árdua e degradante, pois ele se sujeita a condições precárias, a jornadas extenuantes, inclusive, a risco de vida, para prover suas necessidades mínimas no trabalho; c) estranhamento: ocorre quando o produto do trabalho não lhe pertence, o que se manifesta nas instituições privadas de ensino e se acentua com as políticas privatistas que, direta ou indiretamente, comprometem uma educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada; d) a auto-alienação, que significa um retrocesso ao estado animalesco. Sobre este último, a autora explica: O animal, diante do perigo da desintegração física, faz uso de suas faculdades instintivas e empreende ações de proteção. Os seres 200 humanos submetidos à alienação, mesmo vivendo o sofrimento no trabalho, o desgaste físico e mental, a dilapidação moral, ainda assim, permanecem a relações de trabalho destrutivas até esgotarem os limites de suas capacidades ou até serem descartados pelo capital. (COSTA, 2009, p. 76). Na tese sobre proletarização sustentada por esta autora, é interessante notar como se relaciona o processo de alienação com a formação inicial do professor e os conteúdos curriculares desta formação, segundo ela: A forma privilegiada de se efetivar a alienação do professor é oferecer uma formação esvaziada do conteúdo do seu trabalho – o saber – desde a sua formação inicial pois, dessa maneira, se interdita o desenvolvimento de um processo de objetivação e apropriação não- alienada. Ao mesmo tempo em que se esvazia os conteúdos de seu trabalho na sala de aula, reduz-se os conhecimentos sobre o seu processo de trabalho, os conhecimentos pedagógicos, que lhe possibilitam dirigir a relação de ensino-aprendizagem. (COSTA, 2009, p. 74). Desta forma, o processo de proletarização do professor não está apenas restrito às circunstâncias das condições do trabalho docente, isto é, nas péssimas condições de trabalho, no arrocho e desvalorização salarial, na perda de direitos e gratificações. Mas estas condições estão articuladas a um processo de estranhamento do professor diante de seu trabalho, ou seja, na perda de autonomia docente: O que o professor adquire no processo de preparação das aulas, ensino e outras atividades relacionadas à vida escolar só se lhes apresentará como algo estranho na medida em que ele for forjado pelas circunstâncias do seu próprio trabalho a se tornar um mero repetidor de informações e de hábitos decorrentes de uma formação pragmática e, em trajetória profissional, subordinar-se aos conteúdos dos livros didáticos, das diretrizes curriculares mecanicamente. Assim, o processo de alienação do trabalho do professor, em que se constrói uma relação estranhada entre ele e os conhecimentos, só pode se efetivar pela formação esvaziada e pela destituição da prerrogativa do professor de seleção e organização dos conteúdos e da avaliação do rendimento escolar dos alunos, retirando o controle sobre seu trabalho, ao lhe retirarem a autonomia. (COSTA, 2009, p. 72, grifo nosso). Assim, um elemento fulcral na tese da proletarização dos professores é a perda de autonomia destes em selecionar conteúdos curriculares e avaliativos no projeto de escolarização educacional, ou seja, a redução ou 201 limitação do poder de decidir e selecionar os conhecimentos, os saberes e a cultura que deve compor o projeto educativo curricular nas instituições de ensino. Contreras (2002) se fundamenta em outros estudos para aprofundar o tema da autonomia docente na proletarização. Derber (1982 apud CONTERAS, 2002) explica que a proletarização dos professores não deve ser analisada da mesma forma que os trabalhadores da indústria, pois àqueles se tratam de um trabalho do tipo intelectual, o qual se distingue duas formas de proletarização: a técnica (perda de controle sobre as decisões técnicas e formas de realização do trabalho) e a ideológica (perda de controle sobre os fins e os propósitos do trabalho), para este estudioso, o que ocorre no caso dos docentes é a perda das definições de seus objetivos e finalidades, e não o controle de suas habilidades técnicas, discordando, portanto, de Costa (2009), tal processo se concretiza na aceitação das mudanças dos fins sociais de seu trabalho, preconizadas pelo Estado e da valorização do aspecto racional e técnico por parte do professor. Para Apple (1989 apud CONTERAS, 2002), o incremento de responsabilidades técnicas nos professores tem sido interpretado como aumento de suas competências e habilidades profissionais, porém isto proporciona uma falsa legitimidade, uma vez que o controle e dependência aos especialistas e técnicos do currículo se acentuam. Assim, ao professor continua restando a execução técnica do currículo e não sua elaboração ou re- elaboração. Já Lawn e Ozga (1988 apud CONTRERAS, 2002) argumentam que o movimento de profissionalização docente também refletiu uma positividade para os professores, quando organiza estes em torno de reivindicações e lutas por suas condições de trabalho. O profissionalismo assim teria um aspecto positivo contrário a perda de autonomia. Por sua vez, Densmore (1987 apud CONTRERAS, 2002) concebe o profissionalismo como uma construção ideológica, uma crença defensiva diante do trabalho alienado, baseada numa suposta autonomia profissional, mas que em verdade, torna-se uma legitimação maior ainda do controle do trabalho docente. Segundo este autor: 202 Deste modo, a ideologia do profissionalismo acaba se transformando em uma forma de controle. É esta ideologia do profissionalismo com aparência de autonomia uma das estratégias das quais o Estado se valeu em diversas ocasiões para subtrair os possíveis movimentos de oposição, bem como para provocar a colaboração dos docentes diante das reformas educativas. (CONTRERAS, 2002, p. 41) De conjunto, esses autores afirmam existir um processo de cooptação dos professores para a colaboração com a racionalização e tecnificação do ensino. Esta cooptação perpassa pela legitimidade de certos suportes teóricos, como o construtivismo e a pedagogia por objetivos de César Coll (CONTRERAS, 2002), o que pode se transformar em uma armadilha para os professores. Em meio aos autores que sustentam a tese da proletarização do professor, existem polêmicas sobre a relação em torno da profissionalização docente, que pode ser entendida, por um lado, como uma reivindicação dos professores ao seu status de profissão e, portanto, contra a desqualificação, racionalização e perda de autonomia de seu trabalho, mas por outro lado, também pode ser identificado como uma construção ideológica para a cooptação dos professores, o que acentua ainda mais o processo de proletarização. Pela experiência concreta da regulamentação da profissão de Educação Física e da criação do conselho profissional, já relatados acima, me posiciono plenamente como de acordo com esta última interpretação. Para Contreras (2002), a proletarização no contexto docente se dá, fundamentalmente, pela separação entre a concepção (decisão) e a execução do trabalho do professor, resultando em um controle ideológico de seu trabalho docente, o qual também pode ser ocultado pelo resgate da idéia de qualificação profissional. As críticas em relação à tese da proletarização, advindas de uma interpretação ortodoxa do marxismo em sua variante luckatiana (LESSA, 2007), equivocam-se ao entender que este processo equivale à afirmação de que os professores estão se tornando operários fabris104. Como demonstrei, a tese da 104 Optei por não debater profundamente com os escritos e idéias do grupo de Ségio Lessa, em função da profundidade que esta polêmica adentra (tal como o entendimento da categoria trabalho em Marx, a valorização do trabalho a partir do Capital, a extração de mais-valia, etc.), o que poderia ocasionar uma fuga do tema e das questões propostas para esta seção. 203 proletarização constata um fenômeno: que está em curso um processo de alienação do trabalho docente equivalente ao operário industrial, porém, não igual a este, o que, por sua vez, aproxima as condições de trabalho e salário do professor às mesmas condições do proletariado industrial. É importante também reconhecer que o processo de proletarização do professor ocasionado pelas políticas de mercado capitalista na educação, produz uma contradição dialética: esta proletarização, ao mesmo tempo em que aliena o professor, também o aproxima da identidade da classe operária, de suas organizações, de seus métodos e de suas lutas. Como afirma Contreras (2002): Os professores, assim como outros trabalhadores, geraram modos de resistência em função de seus interesses individuais e coletivos. É isso o que gera uma dinâmica contínua de novos mecanismos de controle, mais eficazes ou mais sutis, e novas formas de resistência a ações organizadas pelos sindicatos. Esta dinâmica de resistência e organização é o que, na opinião dos teóricos da proletarização, permitiria igualar os professores à classe operária, já que não só seguiram um processo de desqualificação equivalente, mas também que tal desqualificação os transforma em uma categoria com interesses e procedimentos de resistência equivalentes aos do proletariado, pelo que, se conclui, seu processo natural será o de aliar-se à classe operária em suas reivindicações e lutas. (CONTRERAS, 2002, p. 39). Entendo que a identificação do professor à classe operária não é um processo “natural”, mas mediado por vários fatores subjetivos – tais como as instituições coorporativistas formadas na categoria docente, como o CONFEF – o que remete a uma disputa ideológica e política das classes sociais no interior da categoria docente. Acredito que tais diferenças teóricas, conceituais e políticas a respeito do trabalho docente, também repercutem e se manifestam nos modelos de profissionalidade docentes elaborados por estudiosos da educação, o que demonstrarei a seguir. 4.2 MODELOS DE PROFISSIONALIDADE DOCENTES Porém, reconheço nestes estudiosos uma relevante e significativa contribuição para o entendimento do trabalho docente, o que requer, inclusive, maiores estudos de minha parte. 204 Alguns autores (PEREIRA, 2007; SANTOS, 2007; CONTRERAS, 2002) apontam a existência de três modelos de profissionalidade docentes ou três paradigmas que têm orientado a formação do professor, no sentido de conformar ou constituir a sua profissionalidade. São eles: o modelo da racionalidade técnica ou o especialista técnico, o modelo prático de formação ou profissional reflexivo e o modelo crítico de formação ou modelo do intelectual crítico. Baseado nesses autores, expô-los-ei abaixo: O modelo da racionalidade técnica: É o modelo historicamente dominante que determinou a concepção de professor. Estabelece uma hierarquia entre o conhecimento científico e a prática de atuação docente (habilidades, atitudes e técnicas), distanciando a elaboração do conhecimento de sua aplicação e intervenção. Este modelo tem por base uma ciência de fundamentação empírico- analítica. De acordo com Contreras (2002): A idéia básica do modelo de racionalidade técnica é que a prática profissional consiste na solução instrumental de problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procede da pesquisa científica. É instrumental porque supõe a aplicação de técnicas e procedimentos que justificam por sua capacidade para conseguir efeitos ou resultados desejados. (CONTRERAS, 2002, p. 90). Nesta acepção, o trabalho do professor é demasiado limitado, pois considera este como uma profissão em que não cabe a elaboração do conhecimento de sua prática docente, restringindo-se tão somente à tarefa de ensino, sendo este, ainda assim, mera execução de tarefas pré-concebidas, o que apresenta, portanto, uma falsa autonomia docente. Em síntese, o professor neste modelo é um profissional técnico ou especialista. Segundo Contreras (2002) é sobre este modelo de professor que se concebe a tarefa docente como inserida na ideologia do profissionalismo. Segundo o autor, assumir o modelo de racionalidade técnica como modelo de profissionalidade significa assumir uma concepção “produtiva” do ensino, isto é, entender o ensino e o currículo como atividade dirigida 205 para alcançar resultados ou produtos pré-determinados. (CONTRERAS, 2002, p. 96). O profissional reflexivo: Este modelo foi preconizado pelo professor de filosofia norte-americano, Donald Schön105, que aponta um conjunto de limitações e críticas ao modelo de racionalidade técnica, e elabora um modelo que compreende a atuação do professor como uma pratica reflexiva. A idéia de profissional reflexivo desenvolvido por Schön (1983; 1992) trata justamente de dar conta da forma pela qual os profissionais enfrentam aquelas situações que não se resolvem por meio de repertórios técnicos; aquelas atividades que, como o ensino, se caracterizam por atuar sobre situações que são incertas, instáveis, singulares e nas quais há conflitos de valor (CONTRERAS, 2002, p. 107). Schön (apud CONTRERAS, 2002) ressalta o conhecimento de caráter prático na constituição da formação do professor. Na prática do senso comum haveria um conjunto de conhecimentos que estão interiorizados, implícitos, ocultos na ação humana, estes conhecimentos não precedem a ação, mas estão em ação. Donald Schön denomina esse processo de pensamento e ação do professor de “conhecimento na ação”; quando se reflete sobre a forma habitual que se realizam estas ações, de forma a reorientá-las diante de uma nova situação, estar-se-ia realizando o que este teórico chama de “reflexão-na- ação”. Da mesma forma, na prática profissional, em que surgem situações novas, diferentes, inesperadas e que não são recorrentes na experiência do professor, este necessitaria refletir sobre a sua intervenção, quando ainda inserida no meio desta, emergindo e criticando sua própria compreensão da 105 Donald Alan Schön (1930-1997) nasceu na cidade de Boston (EUA). Estudou na Universidade de Yale, em Sorbone (Paris) e na Universidade de Harvard, onde concluiu doutorado em filosofia sobre Dewey e a teoria da instrução. Schön integrou uma grande empresa de consultoria de gestão e estratégias de negócios, a Arthur D. Little (atualmente uma multinacional na área da gestão empresarial), também desenvolveu trabalhos de acessoria em agências governamentais e indústrias privadas, chegou a presidir uma destas empresas de consultoria, a Organização para a Inovação Técnica e Social (OSTI), sem fins lucrativos. Na década de 1970, ficou famoso por palestras radiofônicas proferidas sobre “Mudança e Sociedade Industrial” encomendadas pela British Broadcasting Corporation (BBC), de Londres. Foi professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade do Queens. 206 situação, o que faz construir novas experimentações para a situação dada e, até mesmo, elaborar novas “teorias” e “conhecimentos na ação” para a determinada situação. Segundo Contreras (2002): Seu conhecimento profissional acumulado e tácito se mostra insuficiente para dar conta destes casos e são outros os recursos que irá utilizar. Necessita refletir, confrontar seu conhecimento prático com a situação para a qual o repertório disponível de casos não proporciona uma resposta satisfatória. Assim, embora um profissional sempre possa refletir sobre seu conhecimento implícito na prática – uma vez que esta terminou e pensa sobre o que lhe trouxe ou o que aprendeu para futuras situações – há, contudo, ocasiões nas quais possa estar refletindo sobre sua prática enquanto se encontra nela mergulhado (?). Nessas ocasiões é quando melhor se evidencia a colocação em funcionamento dos recursos profissionais que não se explicam pelo domínio de um repertório técnico ou de determinadas regras para a tomada de decisões. Ao contrário, requer dos profissionais a capacidade de criar novas perspectivas, de entender os problemas de novas maneiras não previstas em seu conhecimento anterior. (CONTRERAS, 2002, p. 128) Assim, este modelo de professor rompe com o paradigma da racionalidade técnica, uma vez que pressupõe a intervenção docente com base na decisão moral, na finalidade da intervenção, e não apenas na mobilização de conhecimentos científicos e habilidades técnicas. A proposta de Donald Schön sobre o “profissional reflexivo” é enriquecida pela contribuição de outro teórico, Lawrence Stenhouse106, este enfatiza o processo de pesquisa na reflexão da prática docente, o que proporcionaria maior qualidade na intervenção do professor no currículo escolar, como também, no desenvolvimento profissional do professor enquanto pesquisador. Esta posição, porém, ocasiona alguns distanciamentos da proposta original de Schön, como esclarece Contreras (2002, p. 120): Para este último, são os casos práticos e suas dificuldades ou as surpresas que originam – seja por sua ambigüidade ou pelas contradições que geram – que atuam como motor da reflexão. E, a 106 Stenhouse (1926-1982) nasceu em Manchester (Reino Unido). Após terminar seus estudos secundários, ingressou na St. Andrew’s University, a universidade mais antiga da Escócia e, posteriormente, na Universidade de Glasgow (também na Escócia), onde obteve o título de mestre em educação. Foi professor da Universidade de Durhan e da Jordanhill College of Education (ambas do Reino Unido). Aplicou suas idéias educacionais quando na direção da “Humanities Project”, um dos planos mais polêmicos e influentes no desenvolvimento curricular do Reino Unido. Fundou junto com outros pesquisadores, o Centro de Pesquisa Aplicada em Educação, na Universidade de East Anglia (Reino Unido), o que lhe trouxe um reconhecimento internacional. 207 partir da situação problemática, os práticos fazem emergir seu conhecimento profissional implícito e começam a buscar novas formas de entender e resolver a situação fazendo experiências na prática. Para Stenhouse, ao contrário, é a tentativa para ver as possibilidades práticas, e os problemas que originam a pretensão de levar a cabo uma idéia educativa, que se transforma no motor da reflexão. Evidentemente, a pesquisa na prática coloca em relação o caso prático e os problemas originados pelo conhecimento profissional dos professores, mas a proposta curricular e suas idéias originais são as que guiam a busca. Assim, a pesquisa e a reflexão são externas e anteriores à prática docente, diferente da proposta de Schön em que a reflexão emerge da prática. Ainda assim, a idéia do professor como pesquisador se complementa a concepção do profissional reflexivo a partir das contribuições de outros autores (RUDDUCK e ELIOT apud CONTRERAS, 2002). O aporte teórico da proposta de Schön encontra-se em John Dewey e na racionalidade prática aristotélica. Diferentemente da racionalidade técnica, aquela preconiza uma ação baseada em valores e situações que exigem uma decisão do tipo moral, própria da atividade educativa. A racionalidade prática aristotélica se preocupa então com a atuação em si, o que requer saberes advindos da experiência mais do que conhecimentos técnicos. O intelectual crítico: Nesta perspectiva, identifica-se limitações no modelo do profissional reflexivo, uma vez que este não considera as determinações que afligem a própria reflexão docente, sendo, portanto, necessário uma teoria crítica que oriente a atuação do professor, ou seja, [...] a reflexão dos docentes, deixada a seu próprio curso, pode se encontrar impedida de ir além de seus próprios limites, isto é, de ir além da experiência e dos círculos viciosos nos quais se encontra atada. Sua reflexão não os levaria a analisar sua experiência como condicionada por fatores estruturais, ou sua mentalidade como dependente do contexto da própria cultura e socialização profissionais. Por esta razão, alguns autores justificaram a necessidade de dispor de uma análise teórica crítica, que permitisse aos professores perceber qual a sua situação. (CONTRERAS, 2002, p. 156). A construção do modelo de profissionalidade em torno do intelectual crítico parte do questionamento sobre “o que é” e “o porquê” do ensino, visando estabelecer e aumentar o compromisso valorativo do professor para com a 208 educação. Primariamente, questiona-se sobre o sentido da educação, da escola e da concepção do professor, assumindo um compromisso de transformação destas. Assim, sobre este modelo, Contreras (2002) explica: O importante aqui não é a ênfase sobre o intelectual per se, e sim os imperativos políticos, sociais e morais de uma dominação, uma autoridade e poder incontestáveis que tal perspectiva nos abre à crítica e à ação moral fundamentada. (SMYTH, 1987 apud CONTRERAS, 2002, p. 157). Um dos principais representantes desta concepção de professor enquanto intelectual é Henri Giroux107. Baseado no conceito de intelectual orgânico do comunista italiano Antoni Gramsci, Giroux entende o trabalho do professor como um tipo de tarefa intelectual; propõe que esta tarefa deve estar aliada a um entendimento crítico e a uma prática de transformação do ensino, da escola e da realidade social. De acordo com Giroux: O ensino para a transformação social significa educar os estudantes para assumir riscos e para lutar no interior das contínuas relações de poder, tornando-os capazes de alterar as bases sobre as quais se vive a vida. Atuar como intelectuais transformadores significa ajudar os estudantes a adquirir um conhecimento crítico sobre as estruturas sociais básicas, tais como a economia, o Estado, o mundo do trabalho e a cultura e massas , de modo que estas instituições possam se abrir a um potencial transformação. Uma transformação, neste caso, dirigida à progressiva humanização da ordem social. (GIROUX, 1991 apud CONTRERAS, 2002, p. 159). O modelo de profissionalidade baseado no intelectual crítico, no entanto, vai mais além do que o ensino crítico, o professor deve trazer à prática educativa, os grupos, setores e instituições comprometidas com a “contestação popular ativa”, dar-lhes voz, articular-se com os mesmos, organizar-se com 107 Giroux nasceu em 1943, na cidade de Providência, no pequeno Estado de Rhode Island (EUA). Concluiu doutorado em 1977, na Carnegie Mellon University (CMU, uma universidade privada localizada em Pittsburgh, Pensilvânia, tida como uma das 25 melhores dos EUA). Foi professor na Universidade de Boston, Miami, Oxford e Ohio, nesta última, fundou e dirigiu o Centro de Educação e Estudos Culturais. Giroux tem contribuído para a elaboração do campo conhecido como Pedagogia Crítica, fundamentando-se nos escritos de Karl Marx, Paulo Freire e Zygmunt Bauman. Coloca-se contrário as políticas neoliberais, militaristas e fundamentalistas de seu país, defendendo a idéia de uma democracia radical e o que vem chamando mais recentemente de “pedagogia pública”. Giroux recebeu vários prêmios e titulações por seus trabalhos. É reconhecido por vários institutos como um dos principais pensadores da educação no período moderno. 209 eles. O professor deve atuar para além da prática de ensino escolar, pois de acordo com Contreras (2002): Não há possibilidade de transformação profunda na educação se não forem levadas em consideração as organizações institucionais que estão estruturando e mediando a função da escola no contexto mais amplo da sociedade. Por esta razão é necessário participar dos movimentos que estão pretendendo uma transformação social, criando esferas democráticas, já que não é a escola quem cria a democracia, mas, sim, os movimentos que atuam fora das salas de aula. Os professores devem exercer um papel ativo, organizando-se junto com os pais e mães e outros setores da comunidade, com o objetivo de excluir do poder aquelas instituições e grupos políticos e econômicos que exercem uma influencia excessiva e prejudicial sobre o currículo e a política escolar. (CONTRERAS, 2002, p. 159- 160). Dentre estas instituições, em meu entender, estão as associações de pais e mães (responsáveis dos alunos), associações de moradores, associações e grupos de Capoeira, de Danças Folclóricas e Regionais, centros comunitários, movimentos sociais do bairro e/ou da cidade e do campo, como os movimentos dos sem-teto, sem-terra, atingidos por barragens, estudantis, movimentos em defesa dos negros, de homossexuais, de mulheres, indígenas, ambientalistas, quilombolas, sindicatos dos docentes, dos trabalhadores da educação e demais organizações classistas que se postulem criticamente à realidade social existente e à transformação social radical desta realidade. Assim, o professor crítico neste modelo de profissionalidade deve ser um intelectual engajado na luta da classe explorada, um professor-militante que deve dispor de seu trabalho docente – o ensino crítico, para contribuir no processo de transformação. Outros teóricos têm contribuído para a gestação desse modelo, Kemmis (1985 apud CONTRERAS, 2002), por exemplo, sugere um processo de reflexão crítica para alcançar o compromisso social concebido nesta concepção de profissionalidade, tal reflexão não deve se limitar ao modelo de Schön, mas considerar os seguintes quesitos: 1. A reflexão não está biológica ou psicologicamente determinada, nem é tampouco ‘pensamento puro’; expressa uma orientação à ação e tem a ver com a relação entre pensamento e ação nas situações reais históricas nas quais nos encontramos. 210 2. A reflexão não é o trabalho individualista da mente, como se fosse um mecanismo ou mera especulação; pressupõe e prefigura relações sociais. 3. A reflexão não está livre de valores nem é neutra; expressa e serve a particulares interesses humanos, sociais, culturais e políticos. 4. A reflexão não é indiferente ou passiva em relação à ordem social, nem se reduz a discutir os valores sobre os quais exista acordo social; ativamente, reproduz ou transforma as práticas ideológicas que estão na base da ordem social. 5. A reflexão não é um processo mecânico nem tampouco um exercício puramente criativo na construção de novas idéias; é uma prática que expressa nosso poder para reconstruir a vida social pela forma de participação por meio da convivência, da tomada de decisões ou da ação social. (KEMMIS, 1985 apud CONTRERAS, 2002, p. 163-164). Nesta perspectiva de elaborar a reflexão, deve-se buscar os determinantes sociais, políticos e históricos da prática educativa. A reflexão crítica só tem sentido se voltada para a emancipação das limitações impostas à tarefa educativa. Outra contribuição a este modelo provém de Smyth (1991 apud CONTRERAS, 2002), o mesmo organizou uma síntese sobre os tipos de reflexão que o professor deve realizar: descrição (quais são as práticas de ensino?), informação (quais teorias expressam essa prática?), confronto (quais são suas causas?) e reconstrução (como poder-se-ia mudar?). O modelo de intelectual critico tem por fundamentação a Teoria Crítica de Habermas e sua visão de ciência social crítica. A reflexão crítica sobre estas bases deve ser tomada, tendo em vista dois aspectos: um processo de emancipação (libertação) das ideologias e formas racionalizantes e opressoras; e a prática política de grupos já organizados (grupos de professores com interesses comuns de transformação da realidade educacional). Uma crítica a este modelo vem de Ellsworth (1989 apud CONTRERAS, 2002), na visão desta autora, não é possível a emancipação social, no sentido de que um indivíduo ou um grupo esclarecido libertar outros sujeitos das opressões impostas pelo pensamento não-crítico. Segundo esta autora, a ideia de compartilhar uma visão crítica já é uma perspectiva opressora, pois termina por desconsiderar as diversidades e parcialidades que possuem os sujeitos em suas diferentes experiências de vida. 211 Contreras (2002), mesmo reconhecendo a pertinência dos questionamentos desta autora, discorda de seus posicionamentos. Para ele, o qual tenho acordo, creio que continuaremos, sim, necessitando dos valores que ela rejeita, como sendo utopias inatingíveis e indesejáveis, e que, em sua opinião, acabam sendo apenas mitos repressivos. Ou ao menos há um componente utópico que deveria ser irrecusável em nossas vidas e que não tem motivo para transformar-se em um mito repressivo. (CONTRERAS, 2002, p. 183). O modelo de profissionalidade com base no intelectual crítico supera o intelectual reflexivo de Schön ou o professor-pesquisador de Stenhouse, pois não se limita a processos espontâneos de entendimento da prática educativa, mas se debruça no desvelamento do oculto, do concebido como “natural”, do estranhamento do cotidiano, dos valores ideológicos dominantes que determinam não somente a pratica educativa, mas as finalidades educativas e valorativas da própria profissionalidade docente. Tal modelo de profissionalidade não se reduz à idéia de profissão docente autônoma, mas a autonomia pela emancipação social, o que somente pode ser defendida em conjunto com os movimentos sociais que anseiam pela democratização das relações educativas em um projeto de escolarização ou mesmo de um projeto de sociedade. Entendido estas tipologias ou modelos de profissionalidades, passo a seguir para a análise da situação concreta da formação de professores de Educação Física. 4.3 MODELO DE PROFISSIONALIDADE PRESENTE NAS DCNEF Ao analisar as DCNEF (Resolução CNCE/CES 07/04 e Parecer CNE/CES 58/04), identifico que a mesma se pauta pela discussão em torno do profissionalismo, ou seja, as Diretrizes Curriculares estão de acordo com a ideia de que a Educação Física é uma profissão e que a formação deve estar voltada primariamente para o atendimento das demandas do mercado de trabalho capitalista. 212 Para isto, estas Diretrizes se utilizam da flexibilização curricular e de um conjunto de conceitos genéricos identificados como progressistas, mas que ocultam reais interesses na formação do professor de Educação Física. No Parecer CNE/CES 58/04 é explícito o reconhecimento das mudanças no currículo da formação de professores em função das transformações em curso na sociedade, no que toca às questões da diversidade e das mudanças no mercado de trabalho. Em uma passagem significativa, em que relata o processo histórico da criação das DCNEF, o Parecer assim se expressa: Esta concepção e esta forma de organização curricular puseram termo ao modelo curricular baseado em um currículo mínimo comum de matérias obrigatórias, em prol de uma concepção curricular aberta e flexível para fazer frente à dinâmica da produção do conhecimento e do próprio mercado de trabalho. Sendo assim, a concepção curricular para a formação acadêmico-profissional em Educação Física, em nível de graduação plena, antecipou-se aos anseios explicitados na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei n.º 9.394/96), que assegura ao ensino superior maior flexibilidade na organização curricular dos cursos. Da mesma forma, atende à necessidade de revisão da tradição que burocratiza os cursos e se revela incongruente com as tendências contemporâneas de considerar a formação em nível de graduação como uma etapa inicial da formação continuada, bem como à crescente heterogeneidade tanto da formação prévia como das expectativas e dos interesses dos alunos. (BRASIL, 2004a, p. 03, grifos nossos). Chamo atenção de que a flexibilidade curricular para os cursos de Educação Física, proposta tida como superação ao currículo mínimo de disciplinas obrigatórias, é necessária devido aos ajustes da formação inicial à dinâmica das incertezas do mercado e aos interesses dos alunos-cliente. A flexibilidade, agora na forma de princípio norteador das atuais DCNEF, aparece também na fórmula da “autonomia institucional”, ou seja, os cursos de graduação em Educação Física possuem autonomia para elaborar e desenvolver o seu projeto pedagógico, porém, como esclarece o Parecer CNE/CES 58/04: Essa autonomia institucional pode favorecer a conciliação da realidade de um mercado de trabalho diversificado, cada vez mais competitivo e em expansão, com a formação de um profissional que alie os conhecimentos e instrumentos específicos da sua área a uma 213 ampla e consistente visão da realidade humana, social, política e econômica do país. (BRASIL, 2004a, p. 7). A questão da flexibilidade curricular é chave para o entendimento do amoldamento do currículo aos preceitos mercadológicos do capital. Rocha (2008) já arrogava a idéia de flexibilidade como uma característica essencial da concepção curricular prescrita para os professores de Educação Básica, contida na legislação educacional atualmente em vigor: A idéia de flexibilização tem sido ressaltada pelos curriculistas oficiais como fundamental para que os sistemas educacionais, escolas e os (as) próprios (as) educadores (as) possam promover discussões, reelaborações e a adequação necessária a cada realidade. Os (as) críticos (as) dessa concepção têm afirmado que essa idéia de flexibilização – não obstante a aclamação ao respeito às diferenças e a pluralidade que tem lhe acompanhado nos discursos e documentos oficiais – foi apropriada pelo capital e ressignificada. A flexibilização curricular é a garantia da formação de trabalhadores também flexíveis, perfil desejado em uma economia flexível. (ROCHA, 2008, p. 77). Assim, não há contradições entre este suposta flexibilização nas DCNEF e o projeto de formação global do capital, ao contrário, a flexibilidade e as decisões “por baixo” são fundamentais para a garantia das adequações necessárias ao mercado também flexível e instável, por isso, tal prerrogativa se torna um princípio nas prescrições curriculares dos professores. Por sua vez, o artigo 4 da Resolução CNE/CES 07/04 apresenta de forma afirmativa uma concepção de formação: O curso de graduação em Educação Física deverá assegurar uma formação generalista, humanista e crítica, qualificadora da intervenção acadêmico-profissional, fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta ética. (BRASIL, 2004b, p. 1). Entretanto, esse conjunto de enunciados ao mesmo tempo em que pode dizer muitas coisas, também pode não dizer nada: qual formação generalista? Humanismo baseado em que teoria? Crítica para que sentido? Fundamentada no rigor de que ciência? Reflexão em que filosofia? Na conduta ética de quem? De qual classe? O Parecer da Resolução que deveria trazer estas explicitações em nada contribui nestas definições, apenas reproduzindo a Resolução (ou esta àquela). 214 Mas para uma elucidação mais nítida deste artigo e, por consequência, da definição da concepção de formação, é pertinente sua leitura juntamente ao parágrafo que lhe dá sequência: O graduado em Educação Física deverá estar qualificado para analisar criticamente a realidade social, para nela intervir acadêmica e profissionalmente por meio das diferentes manifestações e expressões do movimento humano, visando a formação, a ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas, para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável. (BRASIL, 2004b, p. 02, grifos nossos). Assim, fica explícita a formação generalista e humanista a que o artigo já citado se refere: uma formação compatível com os preceitos da concepção da Saúde Renovada da Educação Física, já analisado na seção anterior, em que se perspectiva uma formação acrítica e alienante, tendo por base o atendimento do mercado ligado ao setor do fitness e a ideologia do profissionalismo implantado pelo Sistema CONFEF/CREF. Por fim, uma última consideração está relacionada ao elemento da prática no currículo. As DCNEF atribuem à prática curricular, uma atenção especial e um peso relevante na formação, estando delimitado de três formas: a) prática como componente curricular, que deve ser explícito no projeto pedagógico e deve permitir ao graduando a aplicabilidade do conhecimento; b) estágio profissional curricular, que deve estar sob supervisão de um “profissional habilitado e qualificado”. Segundo o Parecer 58/04 (BRASIL, 2004a, p. 13): “É também um momento para se verificar e provar a aquisição das competências e habilidades exigidas na prática acadêmico-profissional e exigíveis dos (as) formandos (as).”; e c) atividades complementares, que englobam experiências e vivências dos alunos, por meio de estudos e práticas independentes do curso, incluindo atividades à distância. Estudo de Coelho (2010) sobre a prática como componente curricular da formação de professores de Educação Física revela que o entendimento da prática por parte dos elaboradores das Diretrizes se restringe a intervenção profissional em um determinado campo ou local de trabalho. Com estas “flexibilidades”, o que as DCNEF objetivam é uma formação para a incerteza à respeito do trabalho, do emprego e da própria 215 profissionalidade, ou seja, os professores devem vagar em busca de mercado para venderem sua força de trabalho, que na acepção curricular oficial, é concebida como uma prestação de serviços. Contreras (2002) chama atenção para as armadilhas do discurso do profissionalismo. O autor pontua a possibilidade de convencimento dos professores para as reformas curriculares advindas do Estado em função da flexibilidade nas decisões deixadas aos professores, decisões meramente técnicas ou específicas para sua implementação, enquanto que as definições centrais já foram claramente definidas pelo Estado. No caso das DCNEF, observo exatamente a ocorrência deste processo, ou seja, as finalidades educativas, o perfil profissional, as competências pertencentes a este profissional, os princípios norteadores da formação, etc. já estão decididos previamente. Aos professores cabe as adequações ou complementações necessárias à realidade do mercado local, ou a intervenção acadêmico e profissional “orientados por valores sociais, morais, éticos e estéticos próprios de uma sociedade plural e democrática” (BRASIL, 2004b, p. 02). Assim, a autonomia relegada pelas DCNEF se trata de uma falsa autonomia, e o modelo de profissionalidade presente nesta normativa está balizada por uma formação técnico-racionalizante de profissão de Educação Física. No tópico seguinte, realizo uma análise dos modelos de profissionalidade docentes que se manifestam nos currículos dos cursos de Educação Física do Estado do Pará selecionados para este estudo. 4.4 MODELOS DE PROFISSIONALIDADE PRESENTES NOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARAENSES Do mesmo modo que na seção anterior, em que analisei as concepções de Educação Física presentes nos currículos de licenciatura, utilizo para a presente análise a mesma metodologia, ou seja, parto dos PPP dos cursos, da sua estrutura curricular como um todo e dos componentes curriculares 216 disciplinares, restringindo-se estes a dimensão do conhecimento “Didático- pedagógico”. A opção por esta dimensão do conhecimento, deve-se em função de que esta representa o lócus privilegiado em que se expressam, de maneira mais nítida, as opções dos cursos por um determinado modelo de profissionalidade docente. Para isto, estou excluindo as disciplinas desta dimensão que se voltam aos aspectos da educação inclusiva e especial, pela especificidade de tais conhecimentos na formação, o que centraliza meu foco apenas nos componentes curriculares disciplinares que tematizam aspectos de caráter didático, metodológico, avaliativo, prático e organizacional da formação e da constituição da identidade do professor. Assim, apresento no quadro 09 abaixo, as disciplinas selecionadas nesta dimensão, nos seis cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará delimitados para esta pesquisa: 217 Quadro 09 – Disciplinas selecionadas nos CEDF para análise dos modelos de profissionalidade docentes. Fonte: PPP dos Cursos de Educação Física do Estado do Pará. * Não está incluso 400h de Estágio Supervisionado, pois estas disciplinas não apresentam ementas no projeto pedagógico. Dimensão do Conhecimento UEPA CH UFPA-Belém CH UFPA-Castanhal CH Didático- pedagógico - Didática Aplicada a EF - Estágio Curricular Superv. I - Estágio Curricular Superv. II - Estágio Curricular Superv. III - Estágio Curricular Superv. IV 80 120 120 120 120 - Didática e Formação Docente Aplic. a EF - Estágio Supervisionado I - Estágio Supervisionado II - Estágio Supervisionado III - Estágio Supervisionado IV - Metodologia do Ensino da EF 68 102 102 102 102 68 - Avaliação e Medidas em EF - Didática e Formação Docente - Planejamento Educacional - Prática de Ensino I - Prática de Ensino II - Prática de Ensino III - Prática de Ensino IV - Metodologia do Ensino da EF 60 60 60 90 90 90 90 60 TOTAL 560 TOTAL 544 TOTAL 600 Dimensão do Conhecimento ESMAC ESAMAZ CEULS-ULBRA Didático- Pedagógico - Aprendizagem, Crescimento e Desenvolvimento Motor. - Avaliação do Ensino-Aprendiz. - Conhec. e Organ. Curric. e EF - Didática - Estágio Superv. I - Estágio Superv. II - Estágio Superv. III - Metod. do Ensino EF 80 40 80 80 100 150 150 80 - Desenv. e Aprend. Motora - Didática Aplicada a EF - Prática Pedagógica I - Prática Pedagógica II - Prática Pedagógica III - Prática Pedagógica IV - Pensam. Pedag. da EF Brasil 72 60 100 100 100 100 60 - Atividade Motora Adaptada - Desenv. e Aprend. Motora. - Estágio em EF I - Estágio em EF II - Estágio em EF III - Estágio em EF IV - Organização do Trabalho Pedagógico 68 136 68 68 136 136 136 TOTAL 760 TOTAL 592* TOTAL 748 218 No quadro 09, estão selecionadas as disciplinas que compõe a dimensão do conhecimento “Didático-Pedagógico” nos currículos dos cursos de formação de professores de Educação Física do Estado do Pará, que serão analisadas neste momento. No CEDF-ESAMAZ, há mais 400h de Estágio Supervisionado que não está exposto do quadro, pois estas disciplinas aparecem na grade curricular do curso, porém não se encontra no ementário, o que impede a realização de sua análise. À primeira vista, percebo a ocorrência de disciplinas sinônimas, sendo o caso da “Didática”, “Didática Aplicada a Educação Física”, “Didática e Formação Docente Aplicada a Educação Física” e “Organização do Trabalho Pedagógico” presentes em todos os cursos. O mesmo ocorre com a disciplina “Metodologia do Ensino da Educação Física”, presentes no CEDF-UFPA-Belém, no CEDF-UFPA-Castanhal e no CEDF-ESMAC; e com as disciplinas “Avaliação e Medidas em Educação Física” e “Avaliação do Ensino-Aprendizagem” dos cursos da UFPA-Castanhal e da ESMAC. Uma segunda recorrência, está no peso que os componentes práticos possuem nesta dimensão do currículo. As disciplinas de Estágio Supervisionado, Estágio Curricular, Prática Pedagógica ou Prática de Ensino, ocupam a quase totalidade em alguns cursos (UEPA, UFPA-Belém e ESAMAZ) e mais da metade em outros (UFPA-Castanhal, ESMAC e CEULS-ULBRA), o que indica a prevalência do elemento prático nas propostas curriculares das instituições paraenses, tal como preconiza as DCNEF, como indicado anteriormente. Feito estas considerações iniciais, passo a análise mais detida de cada curso: 1- CEDF-UEPA: o PPP deste curso reconhece posições antagônicas nos projetos de formação e se propõe a um projeto mais amplo de formação humana. O texto do projeto pedagógico deste curso considera as contradições e limitações da realidade no modo de produção capitalista para a construção de um projeto de formação humana. Postula como desafio deste curso, a perspectiva de superar o modelo de formação imposto pela capital. De forma explícita, o PPP anuncia o seguinte: 219 Defendemos a importância do debate sobre o mundo do trabalho, para realizar a discussão sobre a exploração do trabalho humano. De maneira que os graduandos possam obter ferramentas necessárias para a superação da lógica do mercado de trabalho, que avança para a desumanização do homem, por intermédio de relações de submissão entre trabalhadores e patrões. (PPP CEDF-UEPA, 2007, p. 27). O PPP tece críticas às DCNEF, no sentido desta normativa oficial fortalecer a fragmentação da formação em Educação Física, em licenciatura e bacharelado. Assim, o curso opta pelo enfrentamento às imposições da prescrição curricular oficial. O PPP anuncia o tipo de professor a ser formado, demonstrando algumas confusões ou mesclas da idéia do professor-pesquisador, do profissional reflexivo e do intelectual crítico, expressando que “defendemos a perspectiva de um professor intelectual crítico e reflexivo, pautado em uma atitude científica perante o exercício de sua prática pedagógica em qualquer ambiente educacional” (PPP CEDF-UEPA, 2007, p. 19). Em sua organização curricular, o CEDF-UEPA prioriza a apropriação das ferramentas da produção do conhecimento científico, em detrimento da dimensão dos conhecimentos “Didático-pedagógicos”, o que fortalece a tendência deste curso, para o modelo de professor enquanto pesquisador, concebido por Stenhouse (apud CONTRERAS, 2002). Na análise das ementas e referenciais bibliográficos das disciplinas selecionadas, observo que estas se fundamentam em uma teoria pedagógica crítica (Newton Duarte, Dermeval Saviani, José Carlos Libâneo, Celi Taffarel, além de outros). Na ementa da disciplina “Didática Aplicada à Educação Física” se propõe a discutir a didática na perspectiva da democratização do ensino. Em “Estágio Curricular Supervisionado I, II, III e IV”, priorizam-se nos dois primeiros, a atuação docente em instituições públicas de ensino e, nas duas últimas, a intervenção nos campos da educação voltada para a Saúde e o Lazer. Em todos esses “Estágios”, propõe-se ao estudo investigativo de problemáticas significativas em cada campo de atuação. Identifico uma confusão a respeito do tipo ou modelo de professor que se pretende formar neste curso, pois enquanto o texto do projeto pedagógico aponta para uma direção, tendo como base, predominantemente, um professor crítico- reflexivo, a estrutura curricular e os conteúdos das disciplinas analisadas indicam uma orientação para o professor-pesquisador. Esta incoerência entre o discurso do 220 projeto de formação e a organização/seleção de conteúdos curriculares relacionados a este projeto, demonstra uma contradição entre o que se pretende no projeto e a concretização deste projeto no currículo. Não creio que tal contradição se deve a uma opção consciente do coletivo institucional docente108, vislumbro que esta diferenciação, entre o anunciado no PPP e o currículo programado pela instituição, no que toca ao modelo de profissionalidade docente, esteja relacionado às dificuldades ou às limitações na construção do currículo com base nas aspirações pedagógicas e formativas pretendidas. Tal situação, comum quando se trata da construção e implementação de projetos curriculares, é possível de ser revisto com uma política de avaliação permanente do projeto curricular institucional, tendo como base as referências teóricas indicados no projeto, o que, aliás, está previsto no próprio PPP do curso. Resta saber se tal política de avaliação está sendo implementada. 2- CEDF-UFPA-Belém: o PPP deste curso identifica-se com uma “postura crítico-reflexiva” de profissional de Educação Física. Em seus objetivos gerais, propõe-se estar [...] comprometida com o processo de transformação social, guardando os princípios de justiça social, solidariedade, igualdade e humanidade, sendo capaz de: Reconhecer a escola [...], utilizando-se desse espaço para o projeto de uma sociedade justa e livre, colaborando para a formação crítico-criativa. (PPP- CEDF-UFPA-Belém, p. 12-13). Porém, contrariando tal finalidade, o uso do termo “profissional” para delimitar a identidade do professor de Educação Física é bastante recorrente no texto do projeto. O mesmo justifica a sua existência com base na expansão do “mercado de trabalho” das atividades físicas em academias, em clubes desportivos e em esportes alternativos, pontuando a necessidade do profissional de Educação Física ocupar esses espaços. Tal consideração se alinha aos discursos do Sistema CONFEF/CREF, inclusive, este se pronuncia no PPP do curso109, avalizando-o como 108 Apesar da possibilidade de haver resistências do professorado ou parte dele, quando na elaboração ou efetivação deste currículo, porém não é esta a situação que me proponho a perquirir nesta pesquisa. 109 Refiro-me a uma passagem do PPP do CEDF-UFPA-Belém em que a prof.ª Conceição Filgueiras, na época presidente do CREF-PA, é citada indiretamente, reconhecendo a importância deste curso para os finalidades expostas acima. 221 necessário para suprir a mão de obra qualificada neste “mercado”. A finalidade do projeto de formação incutida no PPP é bastante explícita no texto: a formação de profissionais competentes e habilitados para o exercício profissional com base nos valores, técnicas, políticas e ética apregoados pelo CONFEF, no qual concebe o professor de Educação Física como um profissional [...] pleno nos serviços à sociedade, no âmbito das atividades físicas e desportivas, em suas diversas manifestações e objetivos. Ele atua como autônomo e/ou em Instituições e órgãos públicos e privados de prestação de serviços em atividade física, desportiva e/ou recreativa [..] (CONFEF, 2002 apud PPP CEDF-UFPA-Belém, 2006, p. 12, grifos nossos). Assim, avalio que o texto do PPP deste curso concebe a atuação docente como uma profissão liberal autônoma que vende um determinado serviço à sociedade – as atividades físicas, e também, propõe-se às tarefas de um professor engajado em um modelo de intelectual crítico. Na estruturação curricular geral, o CEDF-UFPA-Castanhal privilegia os conhecimentos biológicos e enfatiza consideravelmente a dimensão “Técnico- Instrumental” do conhecimento, em que são mais recorrentes disciplinas vinculadas aos campos da saúde, da estética corporal e do treinamento desportivo110, o que somente ratifica o modelo de professor almejado em seu projeto pedagógico. Entretanto, nas disciplinas selecionadas para análise, não observei esta mesma relação. A disciplina “Didática e Formação Docente Aplicada à Educação Física” se propõe a discutir formação de professores, organização, planejamento e técnicas de ensino da Educação Física, além de recursos educacionais; em seu referencial bibliográfico, privilegia autores específicos da área, com ênfase em Elenor Kunz (“Didática da Educação Física 1, 2 e 3”). As disciplinas de “Estágio Supervisionado I, II, III e IV”, centram-se em observar, vivenciar, planejar e avaliar a práxis docentes em instituições formais do ensino fundamental e médio, em instituições de educação não formais (como clubes desportivos, academias e condomínios residenciais), instituições beneficentes e escolas especializadas que tratam de PNEE. Por fim, a disciplina “Metodologia do Ensino da Educação Física”, propõe-se a discutir objetivos da Educação Física, concepções pedagógicas, organização do conhecimento e a vivenciar diferentes metodologias de ensino, 110 Refiro-me as disciplinas “Teoria e Prática do Treinamento Desportivo”, “Administração e Organização Esportiva”, “Educação Física em Academias”, “Medidas e Avaliação em Educação Física”, “Educação com Cuidados Especiais” e “Saúde Coletiva e Socorros Urgentes”. 222 delimitando uma diversificada bibliografia, como Ademir de Marco (“Pensando a Educação Motora”, 1995), Elenor Kunz (“Educação Física: ensino e mudança”, 1991), Wagner Moreira (“Educação Física Escolar: uma abordagem fenomenológica”, 1991) e o Coletivo de Autores (1992), dentre outros. Neste curso, avalio que há uma heterogeneidade de modelos de professores. O PPP anuncia uma formação “crítico-reflexiva”, porém se contradiz quando postula a identidade do professor enquanto um profissional autônomo que oferta um serviço, avalizado pelo conselho profissional. Do mesmo modo, a seleção dos conteúdos curriculares indica uma tendência a um modelo de professor técnico racionalizante, o que não condiz com as ementas e referenciais das disciplinas analisadas, que se embasam em uma concepção Fenomenológica e Crítico-Emancipatória de Educação Física. Neste sentido, existe uma confusão generalizada a respeito da identidade da profissionalidade docente presente neste curso, tal constatação pode ser explicada pela existência de grupos divergentes de professores que disputam o processo de formação deste curso. Todavia, esta hipótese somente pode ser confirmada com estudos mais profundos do currículo em ação nesta instituição. 3- CEDF-UFPA-Castanhal: o PPP deste curso possui o texto praticamente similar ao seu correlato na UFPA-Belém, porém este último se apresenta mais confuso do que o curso de Castanhal, uma vez que o CEDF-UFPA-Castanhal excluiu de seu projeto pedagógico algumas passagens comprometedoras com o conselho profissional, restando apenas o anúncio de uma formação do tipo “crítico- reflexivo”, que tem por objetivo: Contribuir na formação de profissionais em Educação Física, na área de Licenciatura, requer uma ampla e sólida competência teórica, prática e sócio-política, comprometida com o processo de humanização do ser humano, com atuação desse profissional de forma crítica e criativa, consciente de seu papel como participante transformador da realidade do ensino formal da educação brasileira. (PPP CEDF-UFPA-Castanhal, 2008, p. 9). No projeto curricular como um todo, o curso prioriza os conhecimentos biológicos e didático-pedagógicos, pouco privilegiando os conhecimentos vinculados da dimensão “Relação Ser Humano-Sociedade” e da “Produção do Conhecimento Científico e Tecnológico”. 223 Nas disciplinas analisadas, também identifiquei similitudes entre as ementas das disciplinas “Prática de Ensino I, II, III e IV” e as disciplinas correlatas do curso da UFPA-Belém, do mesmo modo, a disciplina “Metodologia do Ensino da Educação Física”, em sua ementa e referencial bibliográfico, é idêntica nas duas instituições. Porém, na disciplina “Didática e Formação Docente”, propõe-se a discutir a “multidimensionalidade” do trabalho docente, o magistério como profissão, a carreira docente, o professor como intelectual e as novas abordagens da comunicação no trabalho docente, possuindo em seu referencial bibliográfico autores e obras de diversas orientações, tais como: Ademir de Marco (“Pensando a Educação Motora”, 1995), João Batista Freire (“Educação de Corpo Inteiro”, 1997), Elenor Kunz (“Didática da Educação Física”, 1999), Grupo de Trabalho Pedagógico (“Visão Didática da Educação Física”, 1991) e até o Coletivo de Autores. Este curso apresenta mais duas disciplinas de caráter didático-pedagógico: “Avaliação e Medidas em Educação Física”, que se encontra nesta dimensão por tratar da avaliação do processo de ensino-aprendizagem em sua ementa, ainda que também se preocupe com testes e medidas antropométricos e metabólicos; e a disciplina “Planejamento Educacional” que se debruça em estudar fundamentos teóricos e modelos de planejamentos na educação, não possuindo referencial bibliográfico no ementário do curso. Avalio que este curso possui maior coerência entre o anunciado no PPP e o sistematizado na organização curricular, em comparação com o CEDF-UFPA-Belém. Porém, ainda assim, o CEDF-UFPA-Castanhal possui contradições no que toca a proposta crítico-reflexiva, quando, por exemplo, seu currículo não privilegia os conhecimentos disciplinares em torno da produção do conhecimento científico, o que ainda demonstra o desconhecimento em como concretizar este modelo de professor na referida proposta curricular. 4- CEDF-ESMAC: o PPP justifica o curso pela demanda de profissionais qualificados desta área do conhecimento na região onde a instituição se insere. O projeto pedagógico objetiva explicitamente formar profissionais para atender a demanda do mercado de trabalho local. Vislumbra que o profissional de Educação Física pode contribuir com o desenvolvimento econômico e social da região, em uma clara alusão à teoria do capital humano (FRIGOTTO, 2006), por meio do uso das atividades físicas para a melhoria da saúde e da qualidade de vida da população. 224 Contradizendo esta perspectiva, o PPP também afirma que o objetivo geral do curso é “[...] formar o licenciado em Educação Física com significativa base de formação humanística, sócio-cultural e técnico-pedagógica, capaz de contribuir para a formação de docentes críticos, reflexivos, participativos e solidários.” (PPP CEDF-ESMAC, 2007, p. 18, grifo nosso), além de algumas passagens que também indicam a finalidade da formação em torno da “reflexão crítica”. Na organização curricular do curso, a maioria da carga horária está concentrada no eixo da formação específica. Nesta, privilegia os conhecimentos pertencentes às dimensões “Didático-pedagógica” e “Culturais do movimento humano”. O currículo fragmenta os conteúdos da cultura corporal em disciplinas técnicas de modalidades esportivas. O curso pouco prioriza os conhecimentos biológicos e técnico-instrumentais na formação. Nas disciplinas analisadas, observo que a ementa da disciplina “Didática” possui o mesmo conteúdo apresentado no CEDF-UEPA, modificando apenas o referencial bibliográfico que não está fundamentado em uma pedagogia crítica, mas em autores de diferentes abordagens, tais como: Celso Antunes (“Avaliação da Aprendizagem Escolar”, 2004), Comenius (“Didática Magna”, 2002), Guiraldelli Júnior (“Didática e Teorias Educacionais”, 2000), Libâneo (“Pedagogia e Pedagogos para quê”, 2003) e outros. Nas disciplinas de “Estágio Supervisionado I, II e III”, a vivência da prática está completamente voltada à docência no espaço escolar da Educação Básica, possuindo poucas referências bibliográficas, como Perrenoud (“Novas Competências para Ensinar”, 2000) e Elenor Kunz (“Didática da Educação Física1 e 2”, 2002 e 2003). O curso oferta ainda mais quatro disciplinas curriculares nesta dimensão: “Metodologia de Ensino da Educação Física” que discute método, metodologias e estilos de ensino da Educação Física, em que possui um referencial bastante representativo das diferentes concepções e metodologias de Educação Física. A disciplina “Conhecimento e Organização Curricular em Educação Física” discute teoria e história curricular; cultura, poder e conhecimento; componente e organização curricular; PCN; orientação, planejamento e avaliação de atividades curriculares, utilizando-se também de um referencial diversificado, como Aplle (“Ideologia e Currículo”, 2002 e “Trabalho Docente e Texto”, 1998), Vera Candau (“Didática, Currículo e Saberes”, 2001), Carlos Roberto J. Cury (“O Que Você Deve Saber Sobre Legislação Educacional Brasileira”, 2002), Hernández e Ventura 225 (“Organização do Currículo por Projetos de Trabalho”, s/d), além de referenciais específicos da área como Sávio Assis (“Reinventando o Esporte”, 2001) e João Batista A. Tojal (“Currículo de Graduação em Educação Física”, 1995). Na disciplina “Avaliação do Ensino-Aprendizagem”, aborda as distinções entre medidas e avaliação; concepções, modalidades, funções e instrumentos da avaliação na Educação Física, o referencial está circunscrito em autores como Celso Antunes (na obra já citada), Santana (“Por que Avaliar? Como Avaliar? Critérios e Instrumentos”, 2004), Luckesi (“Avaliação da Aprendizagem Escolar”, 2003) e Pedro Demo (“Avaliação Qualitativa”, 1996), dentre outros. Percebo inicialmente uma grande diversidade de autores e concepções teóricas que fundamentam as disciplinas que compõem a dimensão do conhecimento “Didático-pedagógico”. Essa variabilidade de autores e referenciais que sustentam divergentes concepções, formas e modelos de professores, não contribui para uma consistente base teórica em torno de um modelo de professor crítico. Assim, o modelo de profissionalidade do curso, termina por configurar-se como uma “colcha de retalhos”, em que de tudo cabe um pouco, mas que nada se apreende. Esta consideração também se torna consistente pelas contradições de modelos de profissionalidade almejados no texto do projeto pedagógico, pois a mesma considera a formação de um professor crítico e reflexivo, incluindo a contribuição para a transformação social, ao mesmo tempo em que direciona as finalidades da formação para o atendimento das demandas mercadológicas do sistema capitalista de produção. 5- CEDF-ESAMAZ: o texto informado pelo curso em que se supõe um esboço de projeto pedagógico é o mesmo (igual) do PPP do CEDF-ESMAC, portanto, as mesmas considerações já realizadas para este último curso, são também válidas para o CEDF-ESAMAZ. Na organização curricular, observo que o curso da ESAMAZ estabelece uma ênfase nos conhecimentos vinculados às dimensões “Didático-pedagógicas” e “Culturais do movimento”, em detrimento dos conhecimentos relacionados às ciências biológicas e técnico-instrumentais, tal como também se apresenta o CEDF- ESMAC. Nas disciplinas analisadas, identifico também algumas equivalências por demais idênticas. A disciplina “Didática Aplicada a Educação Física” é praticamente 226 a mesma de sua correlata no CEDF-ESMAC. Nas disciplinas “Prática Pedagógica I, II, III e IV”, propõem-se a analisar a práxis docente em instituições de educação formal em todos os níveis de ensino escolares e possuindo um referencial bibliográfico diversificado em termos de autores e tendências pedagógicas. Na disciplina “Pensamento Pedagógico da Educação Física”, sua ementa trata de discussões sobre as relações entre sociedade, educação e a área do conhecimento em questão; além das tendências educacionais, pedagógicas e da Educação Física. A bibliografia desta disciplina abrange diversas concepções pedagógicas da Educação Física, contudo, sem fazer referências a autores/obras de tendências mais gerais da educação. Desse modo, considero que as caracterizações a serem feitas sobre este curso, no que tange ao modelo de profissionalidade, são as mesmas já realizadas no CEDF-ESMAC. As semelhanças dos textos de PPP e das ementas disciplinares me advertem que o (s) mesmo (s) professor (es) ou técnico (s) elaborou (aram) os projetos pedagógicos e curriculares de ambas as instituições111. 6- CEDF-CEULS-ULBRA: o PPP do curso justifica a sua existência em razão de estudos de demandas do mercado de trabalho na região. Da mesma forma que as demais instituições privadas, também pressupõe conjugar a formação de profissionais para o mercado, de forma humanística, ética, solidária, crítica e participativa, em um “[...] aprimoramento formativo de verdadeiros cidadãos, capazes de responder aos constantes desafios impostos pela sociedade contemporânea” (PPP CEDF-CEULS-ULBRA, 2007, p. 16). Além do PPP explicitamente se subjugar aos ditames das normativas oficiais do MEC, é curioso observar como este PPP consegue mesclar a filosofia religiosa cristã às novas transformações da sociedade: 111 Esta hipótese também se confirma pela proximidade de datas em que os dois PPP foram submetidos para autorização ao MEC, ambas em outubro de 2006, com a diferença de apenas um dia. Em se tratando de instituições privadas, rivais no mercado educacional da formação de professores, mas competidoras na conquista do mesmo consumidor, não seria de se estranhar que estas IES tenham contratado um especialista em montagem de projetos pedagógicos e curriculares para cursos de instituições privadas (normalmente consultor ou ex-consultor do CNE/MEC). 227 Novos tempos exigem novas posturas, portanto novos referenciais teóricos, novas ferramentas. Uma formação ampla, diversificada, fundada em conhecimentos que valorizem a dinamicidade do mundo pós-moderno, tendo em vista que a vida se configura também de forma dinâmica e interdisciplinar. O conhecimento em rede supera o modelo fragmentado, por isso, o curso projeta a formação de um profissional atento às mudanças de seu tempo com uma base sólida de conhecimentos [...] (PPP CEDF- CEULS-ULBRA, 2007, p. 18). Esta contradição em termos, novamente busca unificar uma formação profissional mercadológica voltada para as incertezas da sociedade do conhecimento, pós-industrial, pós-moderna ou em constante mudança e uma formação preocupada com valores éticos, com a humanização e a inserção democrática nesta mesma sociedade. O currículo do curso está estruturado de forma a privilegiar os conhecimentos pertencentes às dimensões “Didático-pedagógicos” e “Relação ser humano- sociedade”, pouco privilegiando disciplinas da dimensão “Técnico-instrumental” e da “Produção do conhecimento científico e tecnológico”. Nas disciplinas analisadas, observo que “Estágio em Educação Física I, II, III e IV” estão voltadas ao planejamento, organização e elaboração das atividades docentes em instituições educacionais de ensino formal, do Ensino Infantil ao Ensino Médio, sendo que no “Estágio IV”, o nível de ensino é de livre escolha do aluno, que deve também articular o Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) a este estágio. Nos referenciais bibliográficos, encontram-se autores como Manoel Tubino (“As Qualidades Físicas na Educação Física e Desporto”, 1982), Gallahue (“Compreendendo o desenvolvimento motor”, 2005) e João Batista A. Tojal (“Ética profissional da Educação Física”, 2004), além dos referenciais curriculares oficiais (PCN) para cada nível de ensino. A disciplina “Organização do Trabalho Pedagógico” discute tendências educacionais, planejamento pedagógico, projeto de ensino e avaliação, com base nos referenciais de autores como Paulo Freire (“Pedagogia da Autonomia”, 2005), Iris Brzezinski (“LDB Interpretada”, 2000) e Libâneo (“Didática”, 2003). Por fim, a disciplina “Currículo e Gestão em Ambientes Educativos” pretende contextualizar novos paradigmas em currículo, focando na questão da gestão participativa, como referenciais bibliográficos, utiliza leis e normatizações para a Educação Básica, além de Carlos Roberto J. Cury (“Legislação Educacional Brasileira”, 2000) e Saviani (“Da Nova LDB ao Novo Plano Nacional de Educação”, 1998). 228 Neste curso, avalio que o modelo de profissionalidade também está voltado para o mercado, no que pese alguns discursos no texto do projeto pedagógico em defesa de uma formação mais ampliada e humana, pois não visualizo estas últimas proposições em sua organização curricular e nos conteúdos das disciplinas selecionadas para análise. Tal como os outros cursos, neste também não está nítido um modelo de profissionalidade a ser perseguido. Na aparência, os textos pedagógicos e disciplinas selecionadas para análise apresentam-se de forma contraditória, poder-se-ia supor que existe uma confusão generalizada nos cursos a respeito da definição da tipologia de professor a ser formado, porém não creio que este caos seja causado por simples distração ou ingenuidade, principalmente em se tratando de uma questão central como esta. Para expor meu entendimento, parto do alerta de Contreras (2002, p. 31) sobre esse debate: “O tema do profissionalismo – como todos os temas em educação – está longe de ser ingênuo ou desprovido de interesses e agendas mais ou menos escusas”. Esse autor sustenta que a discussão sobre a profissionalidade do professor, vem se dando na comunidade educacional na forma de “slogans”, ou seja, na forma de palavras e termos que aparentam uma neutralidade natural, mas que, em verdade, servem para ocultar determinadas visões de mundo nos projetos educativos. Essa mesma observação está sendo válida nos PPP, ementas e referenciais bibliográficos das disciplinas selecionadas nos seis cursos de licenciatura em Educação Física paraenses investigados. Termos como “humanismo”, “humanização”, “ética”, “solidariedade”, “cidadania”, “inclusão”, “democracia”, etc. são palavras-chaves nesses projetos curriculares, mas que ocultam seus reais interesses na formação de professores. Tais termos, que se constituem como “modismos” educacionais, são extraídos de seus contextos históricos e materiais, para velar os objetivos de uma formação voltada aos interesses de uma sociedade capitalista. Tonet (2007) esclarece que conceitos como “cidadania” e “democracia” se tornaram comum nos discursos científicos, filosóficos e pedagógicos, mas são conceitos que escondem a existência de uma divisão social de classes e os conflitos irreconciliáveis destas classes, assim como, o domínio de uma classe pela outra. Destarte, este autor defende que 229 é a emancipação humana que representa o patamar mais elevado possível da liberdade humana. E que, em função, disso, uma atividade educativa que pretenda contribuir para a formação de indivíduos efetiva e plenamente livres deve estar articulada com a emancipação humana e não com a cidadania (TONET, 2007, p. 41). Do mesmo modo, encontram-se também as terminologias utilizadas pelos cursos para definirem seu modelo de profissionalidade. Todos eles fazem referências a um professor do tipo “crítico”, “reflexivo” ou “crítico-reflexivo”, porém sem apresentar que referenciais teóricos e epistemológicos fundamentam tal “reflexão”. Esta característica dos cursos analisados, somente ratifica a posição de Contreras (2002) Parece mais ter prosperado a difusão do termo “reflexão” do que uma concepção concreta sobre a mesma. A menção à reflexão é tão extensa que passou a ser de uso obrigatório para qualquer autor ou corrente pedagógica. Como conseqüência, acabou-se transformando, na prática, em um slogan vazio de conteúdo. Não é, como se poderia supor, que o pensamento original de Schön tenha passado a dominar o campo pedagógico. Foi o uso do termo que o dominou de tal maneira que hoje nos deparamos com toda uma literatura sobre a docência que, embora se denomine reflexiva, está longe de manter uma convergência de propostas e enfoques para além do uso do termo. (CONTRERAS, 2002, p. 135, grifos nossos). Baseado em outros estudos (ZIECHNER, 1993; ZEICHNER E TABACHNIK, 1991; SMYTH, 1992 E BARTLETT, 1989), que têm observado várias acepções em torno do referencial de professor reflexivo, Contreras (2002) identifica que mesmo esta perspectiva, tem incluído o modelo de racionalidade técnica de professor. Como demonstrei na análise dos cursos de Educação Física paraense, em quase todos (UFPA-Belém, UFPA-Castanhal, ESMAC, ESAMAZ e CEULS-ULBRA) foi apresentado esta disjuntiva, ou seja, os PPP anunciam a perspectiva de profissional “reflexivo”, mas também incluem o modelo técnico-racionalizante de formação para o mercado, o que confirma o prognóstico de Contreras (2002). No CEDF-UEPA, houve, em meu entender, outra situação. O PPP deste curso se declara enquanto formador de um profissional “crítico-reflexivo”, mas sua estrutura, organização e conteúdo curricular, tendencia para o que pode se considerar como “professor-pesquisador”. Tal incongruência está relacionada, em meu ponto de vista, também ao uso indiscriminado de uma terminologia conceitual, sem a consistência teórica necessária para a construção de um projeto curricular, ou seja, na dificuldade em se concretizar em termos de currículo e seleção curricular, a 230 concepção de formação e modelo de profissionalidade defendida pelo coletivo docente que concebeu esse projeto. Por fim, uma última consideração a ser realizada no modelo de profissionalidade desses cursos (com exceção mais uma vez do CEDF-UEPA) é a sua vinculação às demandas do mercado. Neste sentido, para aquém de um “profissional” autônomo e competente que desenvolve um serviço de qualidade, tem- se um professor em condições precárias de trabalho e de formação que tende a se aproximar da condição de vida do operariado industrial. Aqui, mais uma vez, o termo “profissionalismo” está a serviço de uma ideologia para a ocultação: a aceitação de que o mercado deve ser o definidor dos rumos da formação, ou seja, de que devemos nós – professores – nos inserir no “reino das incertezas” do mercado capitalista. Incertezas essas marcadas pela ameaça do desemprego, da dívida, da falta de saúde e segurança públicas, da violência urbana, da não certeza de que chegaremos vivos de volta para casa. Incerteza que tem bases no caos que se tornou a sociedade de produção capitalista em pleno século XXI. Tal como os retirantes nordestinos retratados por Cândido Portinari, o que estes seis projetos curriculares almejam para a formação, são professores formados para a incerteza de um mundo dominado pelo caos do mercado capitalista. Em seguida, na última seção desta pesquisa, realizo as considerações finais, tendo clareza de que um final também pode ser um novo começo. 231 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Um grama de ação vale mais que uma tonelada de teorias Friederich Engels No início desta pesquisa, pontuei sobre a existência de uma crise estrutural no modo de produção capitalista e vislumbrei que esta crise se espraia e contamina diversas dimensões da atuação humana, como a educação e, neste caso específico, os currículos de formação de professores de Educação Física. Qualquer consideração a respeito deste tema precisa situar primariamente este contexto de crise. Esta não se manifesta apenas nas bolsas de valores dos países centrais ou na queda tendencial das taxas de lucros, mas também, no cotidiano da vida social, ou seja, nos índices de violência urbana, na falta de financiamento da escola pública, nas condições concretas e materiais da escola, no currículo da formação inicial de professores, no chão da sala de aula. Até mesmo teóricos não marxistas, identificam a existência desta crise, Olivier Reboul112, por exemplo, é um dos que melhor sintetiza o significado da crise do capital no âmbito da educação: Nossa civilização está em crise. E o sinal mais convincente é sem dúvida a falência da nossa educação. Pela primeira vez na história, talvez, o homem se reconhece incapaz de educar seus filhos. Nossas prodigiosas descobertas na psicologia, nossas iniciativas pedagógicas, muitas vezes tão interessantes e generosas, não podem evitar esta constatação de fracasso; elas fazem com que o fracasso pareça ainda mais escandaloso. [...] Pode ser que essa desordem seja, na verdade, uma passagem para uma ordem superior, que essa destruição preceda uma criação. Pode ser; mas nada sabemos. Não temos outro recurso senão fazer um julgamento lúcido sobre aquilo que é (REBOUL, 1974 apud NÓVOA, 2009, p. 217). Esse fracasso na educação plena do homem, no sentido de sua emancipação social e de sua formação omnilateral, está sendo identificado no presente estudo, como parte dos resultados das políticas e reformas educacionais, curriculares e de formação de professores, implementadas principalmente nas últimas décadas do século XX e seguidas no século XXI. 112 Olivier Reboul (1925-1992) foi um filósofo canadense que se debruçou sobre a educação e a linguagem. Foi influenciado por Nietzsche, Kant, Montaigne e pelo filósofo francês, Emile- Auguste Chartier, que ajudou a fundar o Comitê de Vigilância de Intelectuais Antifascistas, na década de 1940. 232 De forma mais específica, o recorte desta pesquisa se deteve em analisar as propostas curriculares adotadas recentemente pelos cursos de formação de professores de Educação Física no Estado do Pará, do ano de 2000 até 2010. Neste objeto, perquiri sobre que concepções de Educação Física e modelos de profissionalidade docentes orientam os currículos prescritos adotados por esses cursos. Para tal, recorri ao aporte teórico do materialismo histórico e dialético e realizei uma análise documental e de conteúdo sobre os PPP de seis cursos de licenciatura em Educação Física. Na primeira seção, constatei que o currículo prescrito nas DCNEF (Resolução CNE/CES 07/04 e Parecer CNE/CES 58/04) tem por núcleo central, a organização de conteúdos curriculares com base na “Pedagogia das Competências”. Esta se apresenta como uma “nova” matriz educacional, elaborada por intelectuais comprometidos com a manutenção e justificação das desigualdades econômicas, sociais e educativas do capital. A noção de competências e habilidades visam articular as orientações curriculares oficiais às novas demandas do mundo do trabalho capitalista. Observei ainda que as DCNEF se utilizam do princípio da flexibilização curricular, que nada mais é do que garantir as demandas da incerteza dos mercados locais e nacional na definição dos projetos formativos. Estas caracterizações das DCNEF não se distanciam das investigações e denúncias apresentadas por intelectuais sérios e comprometidos com um projeto social mais amplo de educação (ROCHA, 2001 e 2006; FREITAS, 1999 e 2002; FREITAS, 2004) à respeito das DCN dos professores de Educação Básica (Resolução CNE/CES 09/01). Ainda sobre as DCNEF, identifiquei que a concepção pedagógica de Educação Física predominante no texto da Resolução e do Parecer está circunscrita em torno da Aptidão Física ou Saúde Renovada de Nahas (1991) e Guedes e Guedes (1995), com influência da concepção Desenvolvimentista (GO TANI et al., 1988) e; que o tipo de professor a ser formado está amparado pelo modelo da racionalidade técnica. Estas opções são explicadas pelos interesses oficiais do Estado e sua subordinação ao mercado nas determinações curriculares para o professor de Educação Física, no sentido do seu amoldamento social. E também, pela intervenção de instituições ideológicas e representativas dos interesses de grupos privados e mercadológicos, tal qual o Sistema CONFEF/CREF. 233 Lembro ainda, como discutido ao longo deste trabalho, sobre os artifícios utilizados na construção destas DCNEF, os quais envolveram instituições científicas, sociais, governamentais e privadas na disputa pela direção do projeto de formação, que resultou em uma proposta de falso consenso. Falso por que apenas legitimou posições e concepções reacionárias, conservadoras e neoliberais na Educação Física e, também, por que é impossível estabelecer consensos entre projetos educativos, formativos e curriculares divergentes em termos de epistemologia e projeto histórico. Sobre os currículos desenvolvidos pelas instituições de ensino investigados, foram selecionados seis cursos de licenciatura em Educação Física, três de caráter público: CEDF-UEPA, CEDF-UFPA-Belém e CEDF-UFPA-Castanhal; e três privados: CEDF-ESMAC, CEDF-ESAMAZ e CEDF-CEULS-ULBRA. Na análise dos textos dos PPP, das ementas das disciplinas e dos referenciais bibliográficos indicados, constatei que todos os currículos destas instituições organizam seus conteúdos curriculares na forma do tradicional modelo disciplinar, com algumas inovações de tentativas de interdisciplinarização, sendo este o caso do CEDF-UEPA, por meio das disciplinas “Pesquisa e Prática Pedagógica I, II, III e IV” e do CEDF-CEULS-ULBRA, por meio das disciplinas “Ação Pedagógica I e II”, ainda que este último curso, estabeleça uma pseudo- interdisciplinarização. Observei ainda que os conteúdos curriculares selecionados nesses cursos, de maneira geral, privilegiam os conhecimentos disciplinares das dimensões “Relações ser humano-sociedade”, “Didático-pedagógicos” e “Culturais do movimento humano”; e que as dimensões “Biológicas do corpo humano”, “Produção do conhecimento científico e tecnológico” e “Técnico-instrumentais”, são, em geral, menos enfatizadas nos currículos. Porém, existem algumas exceções: o CEDF- UEPA privilegia, em seu curso, as disciplinas vinculadas à dimensão da “Produção do conhecimento científico e tecnológico” e os dois cursos da UFPA, Belém e Castanhal, enfatizam fortemente a dimensão “Biológica do corpo humano”. Estas seis dimensões do conhecimento são estipuladas pelas DCNEF na orientação da organização dos componentes curriculares dos cursos de Educação Física. Apresento que os conhecimentos pertencentes às temáticas sobre Educação Inclusiva, Educação Especial, Educação para as Relações Étnico-Raciais e 234 Educação Ambiental são pouco enfatizados, ou mesmo negados, nos currículos disciplinares de Educação Física nos seis cursos investigados. A seleção de determinados conteúdos curriculares em detrimento de outros, constituem uma seleção cultural intencional que revelam opções por uma determinada visão social de mundo, de educação, de Educação Física e de professor, como também, opções por um projeto curricular de uma determinada raça, gênero e orientação sexual. Sobre o risco de ser considerado superficial, vislumbro que as propostas curriculares investigadas beneficiam, em termos de seleção cultural, os homens, brancos e heterossexuais. Sobre as concepções pedagógicas de Educação Física presentes nos currículos dos cursos, identifiquei a influencia de cinco concepções: Crítico- Superadora, Aptidão Física ou Saúde Renovada, Desenvolvimentista, Fenomenológica/Motricidade Humana e Competitivista, para além destas, notei a presença da concepção Crítico-Emancipatória, porém não de forma significativa. Pontuei que estas concepções não se apresentam de forma pura e isolada nos cursos, mas combinadas ou hibridizadas, o que pode estar ocasionando confusões na prática pedagógica dos futuros professores de Educação Física que estão sendo formados nestas instituições. Uma vez que o entendimento de tais concepções (suas diferenças, unidades, bases teóricas e conceituais, proposições metodológicas) se apresentam como um “bicho de cinco cabeças”. Identifiquei que a concepção Fenomenológica/Motricidade Humana e Saúde Renovada são predominantes nos cursos de Educação Física investigados no Estado do Pará. A concepção Fenomenológica/Motricidade Humana está presente em três cursos de forma hegemônica (CEDF-UFPA-Belém, CEDF-UFPA-Castanhal e CEDF- ESAMAZ) e está presente de forma secundária em outros dois (CEDF-UEPA e CEDF-CEULS-ULBRA). Esta concepção, que possui subsídios teóricos ancorados na fenomenologia de Merleau-Ponty e na Ciência da Motricidade Humana de Manoel Sérgio, é sustentada no Brasil a partir das elaborações de Silvino Santin (1987) e, principalmente, de Wagner Wey Moreira (1992 e 1993). A mesma possui como categoria central, o conceito de corporeidade, de fato, bastante presente nas elaborações e produções literárias e científicas da Educação Física, como atestam Silva (1997), Lüdorf (2002) e Micheli Escobar no livro Coletivo de Autores (2010). Porém, receio ser necessário explicações mais consistentes com base na história e 235 na materialidade das relações sociais concretas para justificar a hegemonia desta concepção nos cursos de licenciatura de Educação Física paraenses. Outra concepção pedagógica hegemônica nos cursos investigados é a Saúde Renovada ou Aptidão Física, presente em cinco cursos: CEDF-ESMAC, CEDF- ESAMAZ, CEDF-UFPA-Belém, CEDF-UFPA-Castanhal e CEDF-CEULS-ULBRA. Esta é a concepção do currículo “oficial” de Educação Física, orientada pelas DCNEF. Representa as elaborações teóricas de um setor conservador da Educação Física (NAHAS, 1991; GUEDES e GUEDES, 1995) que continuam sustentando as ciências biológicas como definidoras desta área de conhecimento, propondo uma articulação da Educação Física escolar com as ideologias da “saúde”, “qualidade de vida” e “estilo de vida ativo”, apregoadas pela grande mídia, propagadoras dos interesses do mercado do fitness na conformação de um novo “habitus” nos seres humanos. Em minha avaliação, tal concepção nada mais propõe do que resgatar as ideias dos primeiros higienistas do século XIX, agora adaptadas às consequências de uma sociedade ensandecidamente produtivista, porém, sem fazer alusões a tais referenciais e sem a mesma consistência metodológica que os primeiros. As concepções pedagógicas Desenvolvimentista e Competitivista, velhas conhecidas na Educação Física, também possuem forte influencia nos cursos analisados, principalmente nas IES privadas, onde há poucas inquietações com as questões críticas, históricas, teóricas, filosóficas, sociais e políticas que permeiam a área da Educação Física, delimitando-se em torno do pragmatismo e praticismo próprios destas concepções pedagógicas. Já a concepção Crítico-Superadora se manifestou apenas no CEDF-UEPA. Esta concepção defende uma orientação teleológica em torno do projeto histórico socialista para a humanidade, esteve sustentada por um Coletivo de Autores (2010), que se dispersou diante das transformações políticas e sociais ocorridas na virada da década 1980 para os anos 1990, que influenciou o conjunto do pensamento científico e filosófico presente nas Academias. Coerente com esta concepção pedagógica, o CEDF-UEPA se propõe a formar o professor com base no modelo de profissionalidade de intelectual crítico, ainda que não consiga concretizar este em sua proposta curricular. Todavia, os demais cursos (CEDF-UFPA-Belém, CEDF-UFPA-Castanhal, CEDF-ESMAC, CEDF-ESAMAZ e CEDF-CEULS-ULBRA) confirmam o prognóstico de que o debate em torno do tema “profissionalismo” é bastante polêmico e, por 236 vezes, também confuso. Tais cursos anunciam a formação de um professor do tipo “reflexivo”, com base na cidadania, ética, humanismo, solidariedade e outros chavões, porém, sem negar a finalidade da formação para o atendimento do mercado de trabalho, do respeito às normatizações oficiais e da identificação do professor como um profissional que oferece ou vende um pacote de serviços – o planejamento, orientação, prescrição, avaliação, etc. de atividades física, esportivas e de lazer. Esses cinco cursos tentam unir o útil ao desagradável, pois não se pode adorar a dois deuses ao mesmo tempo, pelo menos a dois deuses “inimigos”113. Assim, vislumbro que a utilização de certas terminologias reconhecidas como progressistas estão sendo utilizadas nos projetos pedagógicos e curriculares, assim como nas orientações de organismos internacionais do imperialismo (ONU, UNESCO, BM, etc.), com o objetivo de falsear os reais interesses por trás de um discurso motivador e ideológico. Desse modo, a identificação com o modelo de profissional reflexivo anunciado por esses cursos, trata-se de um slogan que, ao mesmo tempo em que revela, oculta a adoração ao “deus” mercado. Acredito que esta pesquisa possui ainda muitas limitações para se apropriar inteiramente da realidade dos currículos dos cursos de formação de professores de Educação Física no Pará, a opção pela investigação de seis instituições obrigou-me ao recorte da pesquisa documental apenas em torno dos PPP dos cursos, das ementas e referenciais de algumas disciplinas. Creio que uma análise mais profunda destas instituições, em torno do currículo implementado e avaliado pelos professores se faz pertinente em futuros estudos de maior envergadura. Ainda assim, é possível concluir que as determinações do capital se fazem presentes nos currículos dos cursos investigados, o que ratifica a idéia de colonização curricular, observado por Rocha (2001). Esta colonização se expressa em teorias, idéias e concepções que direcionam o projeto formativo às novas demandas do capitalismo em crise. 113 Nem sequer nas religiões primitivas, como a antiga mitologia grega e egípcia, em que predominavam o politeísmo (crença em vários deuses), não se viam com bons olhos aqueles fiéis que cultuavam mais de um deus, pior ainda se chegavam a referenciar o deus “rival”. Porém, esta metáfora serve apenas para fazer uma analogia em relação à impossibilidade de defender dois projetos sociais antagônicos, uma vez que não pretendo realizar aqui um debate religioso, menos ainda em tratar este assunto como uma simples batalha entre o Bem e o Mal ou entre o Céu e o Inferno, como fazem alguns “marxistas” dogmáticos. 237 Entretanto, também concluo que é possível organizar resistências às normatizações curriculares oficiais. Neste sentido, o Curso de Educação Física da Universidade do Estado do Pará se apresenta como uma proposta curricular contra- hegemônica aos ditames do capital. Este curso defende que a base da formação do professor de Educação Física [...] deve apontar como possibilidade superadora, uma formação politécnica/ omnilateral, capaz de um desenvolvimento humano em várias dimensões, como a intelectual, para além de um conhecimento imediatamente operativo e instrumental; o domínio da tecnologia, para a compreensão das bases científicas da produção; a formação moral, desenvolvendo o caráter, a honestidade, a disciplina, a solidariedade e a criticidade dentro de uma direção política, capaz de formar sujeitos com disponibilidade para a construção de uma nova sociedade. (PPP CEDF-UEPA, 2008, p. 37-38). Ainda que concorde completamente com tal afirmação, tenho clareza de que o currículo selecionado no CEDF-UEPA ainda não representa o ideal de formação e de projeto curricular, como sugerem as posições mais avançadas defendidas pelos movimentos sociais e científicos, como o MEEF e o grupo LEPEL-UFBA. Mesmo assim, dos cursos investigados, esta proposta curricular representa o que há de mais avançado em termos da busca por uma formação humana, crítica e transformadora no Estado do Pará. Sei que a realidade impõe limites na construção de um projeto educativo e curricular de emancipação humana e omnilateral, ainda mais em se tratando de uma sociedade cada vez mais alienante, individualista e desumana. Todavia, alvejo como possibilidade histórica, os seguintes princípios, defendidos pelo MEEF e LEPEL, para a organização curricular de um curso de formação de professores de Educação Física: • Trabalho pedagógico como base da identidade do profissional de Educação Física; • Compromisso social da formação na perspectiva da superação da sociedade de classes e do modo do capital organizar a vida; • Sólida e consistente formação teórica; • Articulação entre ensino, pesquisa e extensão; • Indissociabilidade teoria-prática; 238 • Tratamento coletivo, interdisciplinar e solidário na produção do conhecimento científico; • Articulação entre conhecimentos de formação ampliada, formação específica e aprofundamento temático, a partir de complexos temáticos que assegurem a compreensão radical, de totalidade e de conjunto da realidade, na perspectiva da superação; • Avaliação em todos os âmbitos e dimensões (estudante, professor, planos e projetos, instituição) permanentemente; • Formação continuada; • Respeito à autonomia institucional; • Gestão democrática; • Condições objetivas adequadas ao trabalho. Acredito que a busca deste ideal pode ser concretizado, desde que haja disposição em querer transformar a realidade, em confrontar o ideal com o real, o que implica em entender, explicar e criticar esse real. Esta foi a tarefa que me alvitrei nesta pesquisa, entretanto, só a crítica das ideias não são suficientes para qualquer mudança, pois como disse um certo pensador do século XIX, “os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; porém, o que importa é transformá- lo” (MARX, 2007, p. 539, grifos no original). 239 REFERÊNCIAS A CANDIDATA conquista o ninho. Revista Veja. 2153 ed., ano 43, n. 8, p. 52. 24 fev. 2010. AGUIAR, Eliane do Socorro. Análise do processo de reformulação do Projeto Político Pedagógico do Curso de Educação Física da UEPA: ação regulatória ou emancipatória. 2009. 100 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual do Pará, Centro de Ciências Sociais e Educação, Programa de Pós- Graduação em Educação, Belém, 2009. A HIDRA de Lerna. 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Porto Alegre: Artmed, 2007. 252 ANEXOS 253 ANEXO A – Matriz Curricular do CEDF-UEPA Primeiro Semestre Segundo Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Pesquisa e Prática Pedagógica I 80 Pesquisa e Prática Pedagógica I 80 Fundamentos Filosóficos na Educação Física 80 Fundamentos Antropológicos na Educação Física 80 Fundamentos e Métodos do Jogo 100 Fundamentos e Métodos da Dança 100 LIBRAS 60 Fundamentos e Métodos da Ginástica 100 Fundamentos Históricos na EF, Esporte e Lazer 80 Anatomia Sistêmica e Funcional 100 Biologia Aplicada à Educação Física 80 Total de horas/aula semestral 420 Total de horas/aula semestral 460 Terceiro Semestre Quarto Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Pesquisa e Prática Pedagógica II 80 Pesquisa e Prática Pedagógica II 80 Fundamentos Sociológicos na Educação Física 80 Fundamentos Psicológicos na Educação Física 80 Fundamentos e Métodos do Esporte 100 Didática Aplicada à Educação Física 80 Fundamentos e Métodos das Lutas 100 Legislação da Educação e Educação Física 60 Estudos do Lazer 80 Fisiologia Aplicada à Educação Física 80 Cinesiologia 60 Total de horas/aula semestral 440 Total de horas/aula semestral 440 Quinto Semestre Sexto Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Pesquisa e Prática Pedagógica III 80 Pesquisa e Prática Pedagógica III 80 Estágio Curricular Supervisionado I 120 Estágio Curricular Supervisionado II 120 Educação Física Adaptada 100 Ginástica Contemporânea 80 Políticas Públicas de EF & Esporte e Lazer no Brasil 80 Medidas e Avaliação 60 Optativa I 80 Optativa II 80 Total de horas/aula semestral 460 Total de horas/aula semestral 420 Sétimo Semestre Oitavo Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Pesquisa e Prática Pedagógica IV 80 Pesquisa e Prática Pedagógica IV 80 Estágio Curricular Supervisionado III 120 Estágio Curricular Supervisionado IV 120 Educação Física e Saúde Coletiva 80 Treinamento Desportivo 60 Tópicos Especiais da Produção do Conhecimento I 60 Tópicos Especiais da Produção do Conhecimento II 60 Optativa III 80 Optativa IV 80 Total de horas/aula semestral 420 Total de horas/aula semestral 400 254 Disciplinas Optativas Ofertadas na Matriz Curricular do CEDF-UEPA: 1- Administração e Marketing das Atividades Físicas 2- Atletismo 3- Bases Metodológicas da Musculação 4- Basquetebol 5- Biomecânica 6- Educação Nutricional 7- Esporte Adaptado 8- Estatística 9- Estudos do Lazer 10- Fisiologia do Exercício 11- Fisiopatologia 12- Folclore 13- Futebol de Campo 14- Futsal 15- Ginástica Olímpica 16- Ginástica Rítmica 17- Handebol 18- Natação 19- Pólo-Aquático 20- Saltos Ornamentais 21- Tênis de Quadra 22- Teorias do Movimento 23- Treinamento das Atividades Físicas 24- Voleibol 255 ANEXO B – Matriz Curricular do CEDF-UFPA-Belém Primeiro Semestre Segundo Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH História dos Esportes e da Educação Física 68 Fisiologia Geral 68 Bases Biológicas Aplicadas à Educação Física 68 Anatomia Humana 68 BTM do Ensino do Jogo 68 BTM do Ensino do Esporte 68 Estudos Filosóficos da Motricidade Humana 68 Estudos Antropológicos da Motricidade Humana 68 Estatística Aplicada a Educação Física 51 Tecnologias em Informática e Educação 51 OPTATIVA I 51 OPTATIVA II 51 Total de horas/aula semestral 374 Total de horas/aula semestral 374 Terceiro Semestre Quarto Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento 68 Pesquisa Educacional em Educação Física 68 Neuro-Anatomia 68 Fisiologia do Esforço 68 BTM do Ensino das Atividades Aquáticas 68 BTM do Ensino da Ginástica 68 Estudos Sociológicos da Motricidade Humana 68 Didática e Formação Docente Aplicada a EF 68 Educação Física em Academias 51 Educação Física com Cuidados Especiais 51 OPTATIVA III 51 OPTATIVA IV 51 Total de horas/aula semestral 374 Total de horas/aula semestral 374 Quinto Semestre Sexto Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Nutrição Aplicada a Educação Física e Esportes 68 Saúde Coletiva e Socorros Urgentes 68 Cultura Popular e EF: BTM. 68 BTM das Atividades Rítmicas 68 Estágio Supervisionado I 102 Estágio Supervisionado II 102 Administração e Organização Esportiva 68 Metodologia do Ensino da Educação Física 68 OPTATIVA V 51 OPTATIVA VI 51 Total de horas/aula semestral 357 Total de horas/aula semestral 357 Sétimo Semestre Oitavo Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Políticas Públicas em EF e Esportes 68 Teoria e Prática do Treinamento Desportivo 68 Avaliação e Medidas em Educação Física 68 Ludicidade e Educação 68 Estágio Supervisionado III 102 Estágio Supervisionado IV 102 Recreação e Lazer na Sociedade 68 Fundamentos da Educação Inclusiva 68 Educação Física Adaptada 51 Seminário de Pesquisa (TCC) 51 Total de horas/aula semestral 357 Total de horas/aula semestral 357 256 Disciplinas Optativas Ofertadas na Matriz Curricular do CEDF-UFPA-Belém: 1- Atletismo 2- Avaliação Educacional 3- Basquetebol 4- Biomecânica 5- Fundamentos Fisioterápicos da Educação Física e Esportes 6- Futebol de Campo 7- Futsal 8- Ginástica Rítmica 9- Handebol 10- Natação 11- Noções de Bioquímica e Farmacologia 12- Voleibol ANEXO C – Matriz Curricular do CEDF-UFPA-Castanhal 257 Primeiro Semestre Segundo Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Bases Biológicas Aplicadas a Educação Física 60 Anatomia Humana 60 História dos Esportes e da Educação Física 60 Estudos Sociológicos da Motricidade Humana 60 Estudos Filosóficos da Motricidade Humana 60 Nutrição Aplicada à Educação Física e Esportes 60 Antropologia Educacional 60 BTM do Ensino do Folclore Aplicado à EF 60 BTM das Atividades Aquáticas 60 BTM do Ensino do Esporte 60 BTM do Ensino do Jogo 60 Estatística Aplicada à Educação Física 60 Total de horas/aula semestral 360 Total de horas/aula semestral 360 Terceiro Semestre Quarto Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Fisiologia Geral 60 Neuro-Anatomia 60 Pesquisa Educacional 60 Noções de Bioquímica e Farmacologia 60 Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento 60 Planejamento Educacional 60 BTM do Ensino da Ginástica 60 Didática e Formação Docente Aplicada a EF 60 OPTATIVA I 60 OPTATIVA III 60 OPTATIVA II 60 OPTATIVA IV 60 Total de horas/aula semestral 360 Total de horas/aula semestral 360 Quinto Semestre Sexto Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Fisiologia do Esforço 60 Metodologia do Ensino da EF 60 Laboratório de Pesquisa 60 Prática de Enisno II 90 Prática de Ensino I 90 Gestão de Sistemas e Unidades Educacionais 60 BTM das Atividades Rítmicas 60 OPTATIVA VII 60 OPTATIVA V 60 OPTATIVA VIII 60 OPTATIVA VI 60 OPTATIVA IX Total de horas/aula semestral 390 Total de horas/aula semestral 390 Sétimo Semestre Oitavo Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Recreação e Lazer na Sociedade 60 Avaliação e Medidas em EF 60 Prática de Ensino III 90 Prática de Ensino IV 90 Saúde Coletiva e Socorros Urgentes 60 Fund. Fisioterápicos Aplicados a EF e Esportes 60 OPTATIVA X 60 Seminário de Pesquisa (TCC) 45 OPTATIVA XI 60 OPTATIVA XII 60 OPTATIVA XII 60 OPTATIVA XIII 60 Total de horas/aula semestral 390 Total de horas/aula semestral 390 Disciplinas Optativas Ofertadas na Matriz Curricular do CEDF-UFPA-Castanhal: 258 1. Atletismo 2. Admin. e Organiz. Esportiva 3. Avaliação Educacional 4. Basquetebol 5. Biomecânica 6. Educação e Problemas Regionais 7. Educação Física Adaptada 8. Educação Física em Academias 9. Educação Física com Cuidados Especiais 10. Fund. da Educação Especial 11. Futebol de Salão 12. Futebol de Campo 13. Fund. Teórico e Metod. da Educação Infantil 14. GRD 15. Handebol 16. Ludicidade e Educação 17. Natação 18. Política Educacional 19. Políticas Públicas em EF e Esporte 20. Voleibol 21. Teoria e Prática do Treinamento Desp. 22. Teoria do Desenv. e Meio Ambiente 23. Tecnologias Inform. e Educação ANEXO D – Matriz Curricular do CEDF-ESAMAZ 259 Primeiro Semestre Segundo Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH História da Educação Física 36 Teoria e Ensino do Jogo 60 Técnicas de Estudos Científicos 36 Desenvolvimento e Aprendizagem Motora 72 Ginástica Escolar 72 Teoria e Ensino do Futsal 60 Anatomia Humana Aplicada a EF 72 Leitura e Produção de Texto 36 Teoria e Ensino do Atletismo 72 Direito e Legislação da EF Escolar 36 Pratica Pedagógica I 100 Pratica Pedagógica II 100 Total de horas/aula semestral 388 Total de horas/aula semestral 364 Terceiro Semestre Quarto Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Bases Psicológicas Aplicadas à EF Escolar 36 Teoria e Metodologia da Pesquisa II 72 Teoria e Ensino do Handebol 60 Pensamento Pedagógico da EF Brasileira 60 Corporeidade, Cultura e Sociedade 60 Didática Aplicada à Educação Física 60 Teoria e Ensino da Natação 60 Teoria e Ensino da Dança 60 Teoria e Metodologia da Pesquisa I 72 Identidade, Diversidade e Educação Física 60 Pratica Pedagógica III 100 Pratica Pedagógica IV 100 Total de horas/aula semestral 388 Total de horas/aula semestral 412 Quinto Semestre Sexto Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Educação Física Para Pessoas PNEE 72 Lazer, Sociedade e Educação 72 Teoria e Ensino do Voleibol 60 Práticas Corporais Amazônicas 60 Bases Sociológicas Aplicadas à EF Escolar 36 Fundamentos do Esporte 36 Fisiologia das Praticas Corporais 72 Teoria e Ensino das Lutas 60 Estágio Supervisionado I 100 Bases Filosóficas Aplicadas à EF Escolar 36 Estágio Supervisionado II 100 OPTATIVA I 36 OPTATIVA II 36 Total de horas/aula semestral 376 Total de horas/aula semestral 400 Sétimo Semestre Oitavo Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Organização de Eventos Escolares 60 Fund. Teóricos e Metod. da Promoção da Saúde 36 Folclore, Educação e Educação Física 60 Trabalho de Conclusão de Curso 108 Seminário de Trabalho de Conclusão de Curso 72 Teoria e Ensino da Capoeira 60 Teoria e Ensino do Basquetebol 60 Estágio Supervisionado IV 100 Estágio Supervisionado III 100 OPTATIVA III 36 OPTATIVA IV 36 Total de horas/aula semestral 388 Total de horas/aula semestral 340 Disciplinas Optativas Ofertadas na Matriz Curricular do CEDF-ESAMAZ: 1- Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar 260 2- Cinesiologia 3- Estatística Aplicada à Educação Física 4- Futebol de Campo 5- Jogos Cooperativos 6- LIBRAS 7- Qualidade de Vida e Educação 8- Ritmo e Música na Educação Física 9- Seminário de Elaboração de Projeto ANEXO E – Matriz Curricular do CEDF-ESMAC 261 Primeiro Semestre Segundo Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Introdução à Educação Física 80 Técnicas de Estudo 40 Ensino do Atletismo 80 Ensino do Basquetebol 80 Ensino do Handebol 80 Teoria e Ensino do Jogo 80 Ensino do Futsal 80 Anatomia Humana 80 Ensino da Ginástica Escolar 80 Técnicas e Práticas de Leitura e Produção de Textos 80 Políticas Educacionais 40 Total de horas/aula semestral 400 Total de horas/aula semestral 400 Terceiro Semestre Quarto Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Ensino da Natação 80 Ensino da Dança 80 Teoria e Ensino da Ginástica Geral 80 Ensino do Voleibol 80 Ensino do Folclore 80 Cineantropometria 40 Psicologia Educacional da Aprendizagem 40 Fisiologia das Atividades Físico-Esportivas II 40 Sociologia da Educação 40 Ensino da Capoeira 80 Fisiologia das Atividades Físico-Esportivas I 40 Didática 80 Saúde Coletiva 40 Total de horas/aula semestral 400 Total de horas/aula semestral 400 Quinto Semestre Sexto Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Bases Teórico-Metod. do Condicionamento Físico 40 Fundamentos Psicossociais da Educação Física 40 Metodologia de Ensino da Educação Física 80 Atividades Físicas e Promoção da Saúde 40 Estatística 40 EF para Pessoas Portadoras de Deficiência 80 Conhecimento e Organização Curricular em EF 80 Atividades Fisico-Esport. e Atendimento de Emerg. 80 Aprendizagem, Cresc. e Desenv. Motor 80 Metodologia da Pesquisa 40 Introdução à Informática 40 Ensino da Ginástica de Solo e Acrobática 80 Organização de Eventos Escolares 80 Estágio Supervisionado em EF Escolar II 150 Avaliação do Ensino-Aprendizagem 40 OPTATIVA II 40 Estágio Supervisionado em EF Escolar I 100 OPTATIVA I 40 Total de horas/aula semestral 620 Total de horas/aula semestral 510 Sétimo Semestre Componente Curricular CH Legislação da Educação Básica para EF 80 Fundamentos Sócio-antropológicos da EF 80 TCC em Educação Física 80 Estágio Supervisionado em EF Escolar III 150 OPTATIVA III 40 Total de horas/aula semestral 510 Disciplinas Optativas Ofertadas na Matriz Curricular do CEDF-ESMAC: 1- Ensino das Lutas 262 2- Educação Física para Terceira Idade 3- Ensino dos Esportes Alternativos 4- Ensino da Musculação 5- Educação Física na Educação Física Infantil 6- Nutrição e Atividade Física 7- Vivências Corporais ANEXO F – Matriz Curricular do CEDF-CEULS-ULBRA Primeiro Semestre Segundo Semestre 263 Componente Curricular CH Componente Curricular CH Fundamentos da Educação Física 136 Instrumentalização Científica 68 Cultura Religiosa 68 Sociedade e Contemporaneidade 68 Estudos do Movimento Humano I 68 Fundamentos da Ação Pedagógica I 136 Comunicação e Expressão 68 Recreação e Lazer 68 Esportes I 68 Total de horas/aula semestral Total de horas/aula semestral Terceiro Semestre Quarto Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Estudos do Movimento Humano II 68 Estágio em Educação Física I 68 Fundamentos da Ação pedagógica II 68 Currículo e Gestão em Ambientes Educativos 136 Ritmo Motricidade e Ludicidade 68 Desenvolvimento e Aprendizagem Motora 68 Fisiologia do Exercício I 68 Total de horas/aula semestral Total de horas/aula semestral Quinto Semestre Sexto Semestre Componente Curricular CH Componente Curricular CH Estágio em Educação Física II 68 Estágio em Educação Física III 136 Atividade Motora Adaptada 68 Esportes II 68 Organização do Trabalho Pedagógico 136 Esportes III 68 Fisiologia do Exercício II 68 Esportes na Natureza 68 Atividade Física e Saúde Treinamento e Avaliação Física 68 Total de horas/aula semestral Total de horas/aula semestral Sétimo Semestre Componente Curricular CH Estágio em Educação Física IV 136 Treinamento e Avaliação Física 68 Esportes IV 68 Esportes V 68 OPTATIVA I OPTATIVA II OPTATIVA III 68 68 68 Total de horas/aula semestral Disciplinas Optativas Ofertadas na Matriz Curricular do CEDF-CEULS-ULBRA: 1- Atividades Rítmicas Escolares 264 2- Atividades Aquáticas 3- Atividades Físicas para Terceira Idade 4- Dança 5- Educação inclusiva 6- Educação de jovens e adultos I 7- Gestão esportiva 8- Ginástica de Academia 9- Ginástica postural e laboral 10- Musculação 11- Nutrição aplicada à Educação Física 12- Processos de investigação em Educação Física I 13- Processos Grupais: visão interdisciplinar 14- Psicologia da Atividade Física e do Esporte 15- Tópicos Especiais em Educação Física 16- Teorias da Educação Física Esportes I, II, III, IV e V: 1- Atletismo 2- Basquetebol 3- Esportes na Natureza 4- Esportes Radicais 5- Futebol de Campo 8- Ginástica Rítmica 9- Ginástica Olímpica 10- Handebol 11- Lutas 12- Natação 13- Tênis 14- Voleibol ANEXO G – PORPOSTA ALTERNATIVA DE DCNEF ELABORADO PELO GRUPO LEPEL-UFBA E MEEF 265 CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MINUTA DE RESOLUÇÃO Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Licenciatura Ampliada – Graduação em Educação Física O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º, do § 2º, alínea “C”, da Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, e com fundamento no Parecer CNE/CES _____/____, de __ de ______ de 2004, peça indispensável do conjunto das presentes Diretrizes Curriculares Nacionais, homologado pelo Senhor RESOLVE: Art. 1º – A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Licenciatura Ampliada - Graduação em Educação Física, a serem observadas na organização curricular das Instituições do Sistema de Educação Superior do País. Art. 2º – As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Licenciatura Ampliada - Graduação em Educação Física – definem procedimentos da formação de profissionais de Educação Física, estabelecidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, para aplicação em âmbito nacional na organização, desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos Cursos de Licenciatura Ampliada - Graduação em Educação Física - das Instituições do Sistema de Ensino Superior. Art. 3º – A Educação Física é um campo acadêmico-profissional que se fundamenta em conhecimentos das ciências humanas, sociais, da saúde, exatas e da terra, da 266 arte e da filosofia. Portanto, sua matriz científica é a historia, do homem e da natureza. Art. 4º – O Curso de Licenciatura Ampliada - Graduação em Educação Física deverá assegurar uma formação generalista, humanista e crítica, qualificadora da ação acadêmico-profissional, fundamentada no rigor científico e na reflexão filosófico tendo o trabalho como principio educativo. Parágrafo Único – O graduado em Educação Física deverá estar qualificado para conhecer, compreender e analisar criticamente a realidade social para nela agir por meio das diferentes manifestações e expressões da cultura corporal. Art. 5º – A estrutura curricular do Curso de Licenciatura Ampliada - Graduação em Educação Física - deverá pautar-se em uma política global de formação humana omnilateral que observe os seguintes princípios: 1) trabalho pedagógico como base da identidade do profissional de Educação Física; 2) compromisso social da formação na perspectiva da superação da sociedade de classes e do modo do capital organizar a vida; 3) sólida e consistente formação teórica; 4) articulação entre ensino, pesquisa e extensão; 5) indissociabilidade teoria-prática; 6) tratamento coletivo, interdisciplinar e solidário na produção do conhecimento cientifico; 7) aprofundamento temático, a partir de complexos temáticos que assegurem a compreensão radical, de totalidade e de conjunto da realidade, na perspectiva da superação; 8) Avaliação em todos os âmbitos e dimensões (estudante, professor, planos e projetos, instituição) permanentemente; 9) formação continuada; 10) respeito à autonomia institucional; 11) gestão democrática; 12) condições objetivas adequadas de trabalho. 267 Art. 6º – A identidade profissional baseada no trabalho pedagógico e a formação humana no sentido amplo, omnilateral, de natureza político-social, ético-moral, científico-pedagógica e técnico-profissional, deverão constituir a concepção nuclear do currículo de formação do licenciado em Educação Física. Art. 7º – O currículo para o Curso de Licenciatura Ampliada - Graduação em Educação Física - será constituído por Conhecimentos de Formação Ampliada, Conhecimentos Identificadores da área da Educação Física e Conhecimentos Identificadores do Aprofundamento dos Estudos. 50% destes conhecimentos serão organizados em disciplinas e atividades de caráter obrigatório e 50% de caráter opcional. Parágrafo 1º – Os Conhecimentos de Formação Ampliada abrangem as seguintes dimensões: a) Relação ser humano – natureza b) Relação ser humano – sociedade c) Relação ser humano – trabalho d) Relação ser humano – educação Parágrafo 2º – Os Conhecimentos Identificadores da Educação Física abrangem as seguintes dimensões: a) Cultura corporal e natureza humana b) Cultura corporal e territorialidade c) Cultura corporal e trabalho d) Cultura corporal e política cultural Parágrafo 3º – Os Conhecimentos do Campo de Aprofundamento da Educação Física são compreendidos como o conjunto de fundamentos específicos que tratam de singularidades e particularidades na elaboração, implantação, implementação e avaliação das ações acadêmico-profissionais em complexos temáticos. 268 I – Cada Instituição de Ensino Superior deverá propor seus complexos temáticos, definindo a articulação de conhecimentos e experiências que os caracterizarão devendo para tanto desenvolverem-se condições para as ações investigativas e de pesquisa. Art. 8º – O tempo de integralização do Curso de Licenciatura Ampliada - Graduação em Educação Física - será definido pelas Instituições de Ensino Superior, respeitando o mínimo de duração e de carga horária de 4 anos e de 2.800 horas, respectivamente. Parágrafo Único – Da carga horária total, 30% (trinta por cento) será destinada ao Conhecimento de Formação Ampliada, 40% aos Conhecimentos Identificadores da Educação Física, e 30% aos Conhecimentos Identificadores de Aprofundamento da Educação Física, admitindo-se uma variação de até 5% para mais ou para menos. Do total 50% são créditos em disciplinas ou atividades de caráter obrigatórios e 50% créditos opcionais. Art. 9º – A prática do ensino será desenvolvida desde o inicio do curso e deverá respeitar um mínimo de 400 horas e o Estágio Curricular ser obrigatório, a partir do cumprimento de 50% da carga horária total para integralizar o currículo, respeitando o mínimo de 400 horas, sendo, necessariamente, supervisionado pela instituição formadora e articulado a projetos de ensino- pesquisa-extensão. Parágrafo 1º – Da carga horária total do Estágio Curricular, 60% deverá ser cumprida em diferentes campos de trabalho da Educação Física ao longo do curso – saúde, educação, lazer, alto rendimento, e 40% no campo de trabalho vinculado ao complexo temático de aprofundamento. Parágrafo 2º – A carga horária do Estágio Curricular a ser cumprida ao longo do curso deverá ser computada no conjunto da carga horária destinada aos Conhecimentos Identificadores da Educação Física. Parágrafo 3º – A carga horária do Estágio Curricular a ser cumprida no campo de trabalho vinculado ao complexo temático de aprofundamento deverá ser 269 computada no conjunto da carga horária destinada aos Conhecimentos do Campo de Aprofundamento. Art. 10 – Para os Cursos de Licenciatura Ampliada - Graduação em Educação Física - será exigida a iniciação científica orientada por professores pesquisadores articulados a grupos e linhas de pesquisa que culmine com a elaboração de um trabalho cientifico de conclusão, que caracterize uma monografia de base, articulados aos programas de iniciação cientifica, na forma definida pela própria Instituição de Ensino Superior. Art. 11 – As atividades complementares deverão perfazer 200 horas e serem incrementadas ao longo do curso, devendo ser entendidas como conhecimentos adquiridos de forma autônoma pelo graduando por meio de estudos e de práticas independentes, presenciais e/ou à distância, sob a forma de estágios extracurriculares, programas de extensão, congressos, seminários e cursos, atividades estas a serem avaliadas e reconhecidas pela Instituição de Ensino Superior. Art. 12 – Na organização do Curso de Licenciatura Ampliada - Graduação em Educação Física - deverá ser indicada a modalidade: seriada anual, seriada semestral, sistema de créditos ou modular. Art. 13 – O Curso de Licenciatura Ampliada - Graduação em Educação Física deverá obedecer a legislação específica emanada do Conselho Nacional de Educação para a Formação Art. 14 – A implantação e o desenvolvimento do projeto pedagógico do Curso de Licenciatura Ampliada - Graduação em Educação Física - deverão ser acompanhados e permanentemente avaliados, a fim de permitir os ajustes que se fizerem necessários a sua contextualização e aperfeiçoamento. Parágrafo 1º – A avaliação dos graduandos deverá basear-se nos princípios norteadores que assegurem uma consistente base teórica e as dimensões da formação omnilateral de natureza político-social, ético-moral, científico- 270 pedagógica e técnico-profissional e estabelecer nexos com a avaliação docente, dos planos e programas e avaliação institucional. Parágrafo 2º – As metodologias e critérios empregados para acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem e do próprio projeto pedagógico do curso deverão estar em consonância com o sistema de avaliação e o contexto curricular adotados pela Instituição de Ensino Superior. Art. 15 – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Brasília, DF, de ---------- de 2004. Presidente da CNE/CES